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Que alternativas têm as startups ao adiamento de eventos?

O Jornal Económico falou o cofundador da Bright Pixel e responsável de investimento, Alexandre Teixeira Santos, para perceber quais as alternativas que as startups têm para encontrar um investidor e qual o impacto do cancelamento dos eventos.
  • Alexandre Teixeira Santos , cofundador e responsável de investimentos da Bright Pixel
2 Abril 2020, 07h30

Com o adiamento de grandes conferências e eventos, como é o exemplo do Games Developer Conference, a Shoptalk e o Mobile World Congress, muitas startups podem ter dificuldade em encontrar investidores.

O Jornal Económico falou o cofundador da Bright Pixel e responsável de investimento, Alexandre Teixeira Santos, para perceber quais as alternativas que as startups têm para encontrar um investidor, qual o impacto do cancelamento dos eventos e a não presença das startups nos mesmos, bem como os principais truques a que estas podem recorrer para uma apresentação remota.

Muitas startups vivem de reuniões com investidores, num pitch presencial, inovador e pessoal. Ainda que seja possível realizar videochamadas, o valor que os investidores dispõem de investimento continua a ser o mesmo que antes da crise?

No mundo antes do Covid-19, muitas das reuniões com startups já eram promovidas através de videochamadas, sobretudo nos primeiros contactos. Era um processo já muito utilizado que, agora, passa a ser obrigatório. Só caso a relação evoluísse, e mais na parte final do processo, é que agendávamos reuniões presenciais.

A situação que vivemos hoje não altera a capacidade dos investidores de financiar startups, pois estes têm capital que está previamente alocado num fundo para aplicar no mercado (normalmente, no espaço de 3 a 5 anos). Portanto, os montantes disponíveis para investir mantêm-se. O que se prevê que aconteça – e já começa a acontecer – é que este capital leve um pouco mais de tempo a ser aplicado no curto prazo. Os investidores poderão abrandar o ritmo de análise de novos investimentos, de modo a melhor avaliar como evolui o mercado e a dar mais atenção ao portefólio atual de empresas. Ainda é, por isso, um pouco cedo para saber qual o impacto deste atraso, visto que o dinheiro terá de ser aplicado mais cedo ou mais tarde.

Na sua opinião, que alternativas existem para as startups conseguirem investimentos sem os eventos?

Os eventos são relevantes para as startups para conhecerem potenciais investidores e parceiros. Por sua vez, para os investidores, os eventos representam uma grande parte da atividade, uma vez que a presença em várias iniciativas organizadas um pouco por todo o mundo, mais especializadas ou mais genéricas, serve para incrementar o número de empresas que analisam. Neste aspeto, a ausência de eventos fará com que haja menos interação e menos networking.

No entanto, já se tem vindo a trabalhar em alternativas. Nas últimas semanas, começaram a surgir vários eventos virtuais, como demo days, que juntam investidores e startups. Por outro lado, as startups e os investidores arranjam sempre forma de entrar em contacto direto – muitas vezes são pessoas relacionadas que apresentam as partes ou então basta um simples email de introdução.

Qual o impacto da não realização de grandes conferências (ex: Collision, Games Developer Conference) para as startups que vão a estes eventos?

Na sequência da resposta anterior, acredito que este cancelamento ou adiamento de eventos tenha algum impacto na vertente de networking, mas não será muito significativo. Existem – ou, se ainda não existem, serão criadas – alternativas.

Com o adiamento e cancelamentos de eventos, quanto dinheiro podem perder as startups que estão a começar a dar os primeiros passos ou aquelas que se estão a tentar estabelecer no mercado?

Na minha opinião, o adiamento e cancelamento de eventos não está diretamente relacionado com a menor capacidade das startups de levantar capital.

A crise de 2008-2009 pode ajudar-nos a inferir o impacto desta crise que enfrentamos agora na indústria de capital de risco. O mercado, por norma, contrai-se um pouco, os investidores refreiam o ritmo de investimento e, portanto, há um atraso nas análises e decisões de investimento. Isto significa que há menos investimento a decorrer num dado momento, em termos globais, nesta indústria. Assim, e se o impacto for análogo ao da crise de 2008-2009, podemos estimar que o volume de investimento em startups irá diminuir 25%.

Os estudos também nos dizem que as startups que já levantaram capital, ou que conseguem levantar capital em tempos de crise, não têm menor nem maior probabilidade de sucesso em comparação com startups que levantaram capital em tempos de bonança. Acho que o grande risco a considerar são alguns projetos que poderão não conseguir levantar capital no curto prazo devido à conjuntura atual.

No entanto, o mundo das startups é muito mais ágil, flexível e mais impermeável a grandes crises, porque, por definição, as equipas têm capacidade para reagir mais rápido quando comparadas com empresas com maior dimensão ou PMEs tradicionais. Por isso, estamos a recomendar às startups bom senso e que adotem uma estratégia que lhes permita manterem a operação apenas com o que têm neste momento, sem terem que ir tão cedo ao mercado para se financiarem.

Quais os principais truques para as startups portuguesas se prepararem para fazer um pitch remoto e digital?

Apesar de ser sempre melhor estar fisicamente com as pessoas, até pelo fator empático que nos caracteriza, fazer um pitch online ou presencial não é assim tão diferente. Tipicamente, as apresentações que as startups fazem já seguem um guião estruturado e que assegura que é transmitida uma mensagem muito simples e objetiva num curto espaço de tempo. Algumas dicas a considerar são, por exemplo, não ter uma apresentação demasiado longa e garantir que se responde de forma direta às principais questões que qualquer investidor quer analisar.

Alguns pontos a exibir são, sem dúvida, a necessidade que a startup quer resolver no mercado, qual o tamanho dessa oportunidade, qual a solução que propõe para a endereçar e por que é que isso é distintivo. É igualmente importante explicar em que estágio está a empresa, se já tem alguns indicadores de tração ou trabalho desenvolvido, o que procura em termos de investimento e onde o irá aplicar. Como o fator pessoas é muito relevante neste setor, devem ainda falar de si, da equipa e do seu percurso, assim como de quem já os está a apoiar, nomeadamente a rede de advisors e investidores.

Que impacto pode ter o Covid-19 no ecossistema do empreendedorismo das startups?

O impacto do Covid-19 no ecossistema de empreendedorismo das startups depende da duração desta crise, mais especificamente da necessidade de estarmos em quarentena. As consequências serão maiores ou menores em função disso, pois é o que poderá acentuar o abrandamento do ritmo de investimento. Os investidores vão, naturalmente, focar mais a sua atenção nas empresas do seu portefólio atual, no curto prazo, procurando ajudá-las a definirem o caminho em tempos de incerteza e instabilidade, em vez de analisarem o volume normal de novas oportunidades de investimento.

Apesar disto, é importante também ter em conta que, nestas alturas, acabam por surgir muitas oportunidades interessantes de investimento. Existem setores, dentro do investimento tecnológico, muito relevantes, como health tech, e-commerce, cibersegurança, gaming ou streaming. Ou seja, há um conjunto de áreas que continuam atrativas para investir ou até aumentaram o seu interesse relativo.

Depois deste efeito muito conjuntural no curto prazo, acredito que o ritmo de investimento vá, gradualmente, voltar aos níveis normais. O que antevejo que vá sofrer maior impacto são mesmo as avaliações das startups. Historicamente, as avaliações têm vindo a aumentar de ano para ano e, agora, em média, poderão diminuir – à exceção, como dizia, dos negócios que se tornaram particularmente relevantes neste contexto. Este fator merece atenção, pois irá refletir-se em quanto é que o montante investido representa na quota da empresa, que poderá ser maior.

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