Apetece dizer que o PARAÍSO mora em Braga. Será que soa a provocação? Ali se pensa “o universo artístico afrodescendente e lusófono como território em expansão e transformação”. Ali se faz chão comum e se aponta o foco aos 50 anos das independências dos Países Africanos de Língua Oficial Portuguesa. Sem pruridos. Antes celebrando “a criação contemporânea que nasce da encruzilhada entre passado, presente e futuro”. Este ano, o festival assenta em três eixos de programação — Arte, Pensamento e Mediação — e ganha forma a partir das margens, dos arquivos e das vozes que “continuam a elevar a afrodescendência na atualidade.”
Uma questão ecoa quando falamos com Nuno Abreu, responsável pela coordenação curatorial do PARAÍSO desde a primeira edição, em 2023. Que caminhos trilhar 50 anos depois das Independências? O que importa verdadeiramente? Hoje, “é inegável que os períodos colonial e pós-colonial continuam a ser temas sensíveis e fraturantes nas nossas sociedades, não só em Portugal, mas em todo o mundo. E o debate sobre questões ligadas à afrodescendência, como o racismo e o neocolonialismo, pode ser impulsionado pelo setor artístico através de uma abordagem construtiva e catalisadora de diálogo.”
Será essa a essência do PARAÍSO. Não rejeita a complexidade, antes convoca perspetivas díspares para provocar o diálogo. Um papel que, diz Nuno Abreu ao JE, deve ser desempenhado pelas instituições culturais. “É crucial que as programações dos teatros públicos incentivem o maior número possível de linguagens artísticas. O PARAÍSO procura precisamente isso: colocar à disposição de todos os públicos temas importantes a serem debatidos de uma forma plural. O que verdadeiramente importa”, e aqui o dedo entra na ferida, “é o diálogo e nunca o silenciamento de questões fraturantes.”
Como programador do PARAÍSO, a Nuno Abreu interessa-lhe poder “apresentar artistas que normalmente não têm acesso e oportunidades suficientes para estarem nos teatros nacionais, e que podem trazer uma tradução artística das suas visões sobre assuntos como a invisibilidade e a racialização.” Enriquecer a consciência coletiva e propor múltiplas narrativas, com o objetivo de alcançar públicos diversos é missão e ambição deste festival. Até porque a Cultura pode – e deve – ter um papel ativo na mudança de narrativa e mentalidades.
“Na minha perspetiva, uma das potencialidades da arte e das instituições culturais é o de introduzir e desconstruir temas que normalmente ficam presos na esfera política. Considerando isto, o PARAÍSO pretende devolver estes assuntos ao debate público, através das manifestações artísticas” que terão lugar no Theatro Circo e no gnration, dois dos locais onde o festival se concentra.
Nesta edição, que decorre de 18 a 20 de setembro, haverá espaço para novas criações, como “Adilson”, a primeira ópera de Dino D’ Santiago, que “introduz na esfera social de um tema que está na ordem do dia, o da imigração em Portugal”. Mas não só. Nuno Abreu destaca a importância de trazer a Braga, pela primeira vez, “a mítica Banda Monte Cara, nascida no primeiro bar africano em Lisboa pelas mãos do músico cabo-verdiano Bana”. A satisfação do programador é notória e justifica-a prontamente. “É algo que nos dá muita satisfação, pois é um legado histórico que se mantém vivo graças a um excecional número de artistas que compõe esta banda atualmente.”
Também haverá espaço para conversas, como a que terá lugar na Livraria Centésima Página, na sexta-feira 18, e para percorrer as ruas de Braga e “perceber os símbolos e marcas coloniais que coexistem todos os dias connosco”. Uma oportunidade para “nos avivar a memória e nos tornar mais conscientes de tudo aquilo que nos rodeia”, salienta Nuno. Com insights de investigadores e artistas que irão partilhar as suas visões sobre “o que foi e o que é o momento e peso histórico destas conquistas dos PALOP.”
Estas são apenas algumas das razões que nos fazem querer participar na construção deste PARAÍSO. Refere Nuno Abreu ao JE que é através de ações como estas que instituições culturais como o Theatro Circo e o gnration “ajudam a promover o diálogo entre comunidades e a mobilidade artística no nosso país, e, consequentemente, enriquecem o tecido cultural português.”
PARAÍSO | 18-20 setembro | Braga | Programação completa em theatrocirco.com | gnration.pt
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