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Referendo de Timor há 25 anos. Ana Gomes: “Não haveria libertação sem a extraordinária resistência do povo timorense”

No dia 30 de agosto de 1999, os timorenses reivindicaram, de forma expressiva, o seu direito à autodeterminação. Esta manhã, em declarações ao JE, Ana Gomes, recordou o dia da consulta popular que ditou a restauração da independência do país, destacando o papel da diplomacia portuguesa no processo.
30 Agosto 2024, 21h34

Os timorenses comemoram, esta sexta-feira, os 25 anos da consulta popular que conduziu à restauração da independência do país. “Não haveria libertação sem a extraordinária resistência do povo de Timor”, afirmou Ana Gomes numa breve conversa com o Jornal Económico (JE), na manhã desta sexta-feira, recordando a resistência organizada nas montanhas, nas cidades e nas vilas da ilha.

Sob a supervisão da ONU, no dia 30 de agosto de 1999, 78,5% dos eleitores registados na consulta popular votaram contra a proposta de autonomia especial da Timor face à Indonésia.

Liderado pelo diplomata britânico Ian Martin, o referendo foi organizado e certificado pela Missão das Nações Unidas em Timor-Leste (UNAMET), estabelecida em pelo Conselho de Segurança das Nações Unidas em 11 de junho desse ano.

De acordo com a ex-eurodeputada, no processo que conduziu à independência é preciso “dar o devido crédito às agências internacionais”. “Aqui, sem dúvida, o papel das Nações Unidas foi fulcral”.

“Em particular, desde logo na organização e realização do referendo que deu a libertação ao país, mas, depois, no processo de transição para o autogoverno e até à independência”, explica Ana Gomes, referindo-se, numa primeira fase à UNAMET e à UNTAET, a Administração Transitória das Nações Unidas em Timor-Leste, liderada pelo diplomata brasileiro Sergio Vieira de Mello.

Sem esquecer o papel de Kofi Annan e Ian Martin, Ana Gomes olha para Francesc Vendrell, antigo representante pessoal adjunto do secretário-geral da Organização das Nações Unidas (ONU) ganês, como o “principal arquiteto” das negociações que conduziram ao referendo.

Presente nas comemorações do referendo, em Díli, a diplomata portuguesa destacou, também, o papel de Portugal na diplomacia, “para compensar, também, os erros do seu próprio passado, do abandono de Timor”.

Sobre o dia do referendo, Ana Gomes, que chefiava a embaixada de Portugal em Jacarta desde janeiro de 1999, recorda que presenciou a ida de Xanana Gusmão ao local de voto, na capital indonésia. “Acabei o dia a jantar na casa-prisão com Xanana e meia dúzia dos seus amigos e assistentes, a falar de todo o processo, felizes com a participação massiva e, ao mesmo tempo, apreensivos, porque sabíamos que vinha lá uma onda de violência; só não sabíamos a dimensão”, recordou.

De acordo com a diplomata portuguesa, “o povo de Timor e o país conheceu um desenvolvimento notável”. “Claro que ainda há muito a fazer, mas é visível”. afirmou Ana Gomes. Também a Indonésia “progrediu admiravelmente nestes 25 anos”.

António Guterres, que recebeu o Grande Colar da Ordem de Timor-Leste, a mais alta distinção do país, e a nacionalidade timorense, é “celebrado não apenas pelo papel fundamental que teve como primeiro-ministro de Portugal em 1999, quando se fez o referendo, mas também como secretário-geral das Nações Unidas”, nota.

O político português, que foi uma das vozes dos esforços diplomáticos pela causa, viu ser-lhe atribuída, pelo Parlamento Nacional de Timor-Leste, a nacionalidade timorense pela “prestação de altos e relevantes serviços ao país” ao longo de décadas.

“Sinto um profundo orgulho e um profundo reconhecimento. A causa de Timor-Leste foi uma causa fundamental da minha vida política durante muitos anos e tenho pelo povo timorense, pela resistência timorense uma enorme admiração e isto é uma honra”, afirmou o secretário-geral da ONU, à margem da sessão solene decorrida no Parlamento Nacional do país.

De acordo com a resolução, que foi aprovada por unanimidade pelos parlamentares, “após a violência que se seguiu ao referendo, António Guterres foi fundamental na mobilização da comunidade internacional para intervir e estabelecer a Administração Transitória das Nações Unidas em Timor-Leste (UNTAET), que pavimentou o caminho para a independência total do país em 2002”.

Ainda sobre o papel de Portugal no processo, Ana Gomes não tem dúvidas de que, em Timor, “nada teria mudado se Portugal não tivesse sabido, em articulação com a liderança timorense – personificada em Xanana Gusmão -, aproveitar as janelas da oportunidade estratégica única que a realização do referendo permitia”. Além disso, recorda o papel da Igreja, que “sempre foi um esteio fundamental da resistência timorense e da intervenção pública pós-referendo”.

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