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“Reformas antecipadas? É a destruição do sistema como ele existe”

Filipe Charters de Azevedo, presidente da Associação Portuguesa de Contribuintes (APC), falou com o JE sobre a Segurança Social, um tema que será “talvez o mais importante da nossa geração”.
19 Março 2025, 07h00

O futuro do sistema de Segurança Social mantém-se entre os temas que mais preocupações suscitam no debate público. Ao Jornal Económico (JE), Filipe Charters de Azevedo, presidente da Associação Portuguesa de Contribuintes (APC) alerta para a “injustiça” de um “sistema falido”, defendendo que a lógica do mesmo tem de ser “actuarial e de longo prazo e não apenas de conjuntura”.  Entre as questões analisadas pelo economista nesta conversa com o JE estão, também, o regime das reformas antecipadas, o IRS Jovem, as “taxas e taxinhas” com que as empresas se confrontam, e o IUC.

A sustentabilidade da Segurança Social é um tema que o preocupa? Concorda que são necessárias alterações no sistema de pensões, nomeadamente no regime das reformas antecipadas?

A Segurança Social é talvez o tema mais importante da nossa geração, no que à “coisa pública” diz respeito. Afeta todas as gerações e a competividade da economia.

O maior problema é que está falida. E exige mais e mais recursos para garantir os reduzidos compromissos para a gerações mais novas. E todos, novos e velhos, têm direitos adquiridos.

Quanto às reformas antecipadas…é a destruição do sistema como ele existe. O nosso modelo de segurança social é de repartição: os mais novos pagam aos mais velhos. Nenhum de nós paga para si. Na prática, estamos a falar de um esquema de pirâmide que funciona com uma base alargada e um topo estreito. Muitos contribuem e poucos recebem.

Estando o sistema falido, aqueles que recebem mais cedo estão a recuperar em melhores condições a massa falida. É uma injustiça.

Percebo, evidentemente, os argumentos daqueles que precisam de uma solução para a sua situação profissional. Percebo também as necessidades das empresas se reestruturarem. Mas o modelo tem de ser por flexibilização do mercado de trabalho, maior contribuição das empresas que querem usar este instrumento, e acima de tudo uma pensão adequada às contribuições ajustadas ao que o sistema pode pagar.

A lógica tem de ser actuarial e de longo prazo e não apenas de conjuntura.

Os imigrantes não podem ajudar a evitar a insustentabilidade da Segurança Social, tendo em conta o peso das contribuições sociais?

Portugal precisa de imigrantes. Mas sonhar em ter as contas da segurança social equilibradas à conta destes trabalhadores de salários baixos é um erro de enormes proporções. É um paliativo temporário para uma ou duas gerações porque o tema da baixa natalidade e aumento de esperança média de vida são comuns ao desenvolvimento dos países e surgiram em todos os países que reduziram o nível de pobreza.

O nosso sistema, e muito bem, paga pensões ou complementos relativamente mais generosas para aqueles que têm baixos salários. Ora se os imigrantes recebem salários baixos, vão receber proporcionalmente mais face aos outros pensionistas. Ou nas pensões ou no pilar não previdencial.

Quando esta geração de imigrantes se reformar, serão necessários ainda mais imigrantes para os sustentar. As responsabilidades com pensões estão a subir acima das contribuições efetuadas, causando uma maior pressão a prazo. Resolvemos o problema corrente, aumentamos a prazo.

De uma forma simples, o sistema social foi desenhado para a classe média. Não foi desenhado para uma pirâmide social de pobres.

E para que não seja mal-entendido, considero que precisamos de imigrantes. Estes são bem-vindos e fazem falta.

Por fim, uma pequena nota. Os números do livro verde da segurança social indicam que estão registados na Segurança Social cerca de metade dos imigrantes que saem na imprensa. Independente de tudo o resto, isto não pode acontecer. A informalidade é um cancro que destrói a competitividade do país e também tem de ser combatida.

O Governo admitiu pôr fim à acumulação da devolução das propinas com IRS Jovem. Como vê esta mudança no espírito cumulativo dos benefícios em curso?

Perante problemas a classe política gosta de medidas populares e protecionistas. Um subsídio para os jovens que trabalham em Portugal parece ser contrário ao ideal europeu de livre circulação de pessoas.  O IRS jovem reduz o IRS a muitos jovens que não o pagam (porque os salários estão ao nível do mínimo de existência).  Ou seja, nenhuma das medidas resolve qualquer tema dos jovens.

O que estes precisam é de uma economia em expansão que consiga pagar salários de nível europeu. Mas um país que é culturalmente contra o lucro e a riqueza está condenado a ser eternamente pobre e a perder os seus jovens. Os mais jovens são os mais sacrificados. Tudo os que os beneficia merece sempre o meu apoio. No entanto preferia um outro regime: preferia deduções de IRS, ou melhor ainda uma reforma fiscal consistente e não uma manta de retalhos.

Em relação a este caso em concreto… não lhe dou muito valor.

Considera que a alteração, sem qualquer aviso ou discussão, gora as expectativas de vários jovens cujos processos se encontram suspensos?

Concordo com o pressuposto da sua pergunta. Mas não creio que a questão seja por aí. Deve haver sempre mais transparência na discussão da coisa pública e nas medidas fiscais. Mas esta não é a maior iniquidade do sistema.

Que medidas considera que o Governo deve tomar no âmbito da reforma da Segurança Social?

Se é para haver um corte nas pensões, que se faça já, diluído entre todos. Se não fizermos nada HOJE, iremos sobrecarregar as próximas gerações. Quanto mais cedo, melhor. Isto tem de ser pensado para décadas, não para amanhã. Sei que o Governo diz que não quer mexer nas reformas dos atuais pensionistas, mas todos nós temos direitos adquiridos.

Os pensionistas são uma percentagem significativa do eleitorado e para eles é mais importante assegurar a sua sobrevivência do que a sustentabilidade a longo prazo. Quem vai agir contra dois milhões de eleitores? É mais fácil ir reduzindo as pensões a quem não vota (porque é criança ou ainda não nasceu).

Segunda medida: Colocar um tecto nas pensões mais altas (e um teto nas contribuições) e um mínimo nas mais baixas. Para as mais altas pode ser colocado uma pequeníssima sobretaxa, para que possam sair do sistema a partir de determinado valor.

Terceira medida: Aliviar as quotizações das empresas, senão nunca mais começam a investir no futuro.

Quarta medida: Criar um pilar de capitalização descentralizado, dando às famílias e às empresas a possibilidade de tratar da própria reforma, já que o Estado não pode, nem consegue, carregar tudo às costas.

Mas isso são medidas muito genéricas. Como fazer algo já hoje?

Podemos começar por mudar as regras do artigo 43.ºdo CIRC que são um desincentivo à criação de fundos de pensões por parte de empresas privadas. Mudar regras laborais permitindo que trabalhadores optem voluntariamente por abdicar de partes da remuneração por contrapartidas em benefícios sociais (como fundos de pensões ou seguros de saúde para a família – incluindo pós-reforma). No fundo dar liberdade aos trabalhadores de escolherem levando, as empresas a optar por planos socais para atrair talento.

Como avalia o plano de simplificação fiscal apresentado pelo Governo no final de janeiro?

A simplificação fiscal é um processo e uma mentalidade, não são medidas. Temos de estar sempre prontos a corrigir o erro, sempre dispostos a melhorar.

Quanto ao pacote em concreto é pouquinho. Nós, na APC, fomos ouvidos e apresentamos algumas medidas. Poucas ou nenhumas foram implementadas.

Enfim… é um princípio.

E quanto ao IUC [a partir de 2026 deverá deixar de ter de ser pago no mês da data da matrícula. Passa a haver uma data-limite única para todos: até 31 de dezembro. Ou seja, todos têm o ano todo para pagar o selo do carro – que também poderá vir a ser pago em duas prestações se o valor for superior a 100 euros]?

Não é transformacional. Ou seja, não melhora a competitividade fiscal do país, não reduz a carga fiscal às famílias e de todos os impostos não me parece o que fosse mais complicado de pagar.

Simplificar, mesmo num imposto pequeno, era enviar a informação para o contribuinte pagar sem ter de ir ao portal clicar numa série de locais para emitir o documento para liquidar o IUC. Isso sim era simplificar.

No final, é uma medida sem grande expressão.

Os proprietários cujos veículos têm matrícula em novembro ou dezembro terão, efetivamente, de pagar o IUC no final de 2025 nesses mesmos meses e novamente em fevereiro de 2026, e depois, ao abrigo das novas regras, pagar em fevereiro. Isto não obrigará a um dispêndio significativo dos rendimentos das famílias um curto espaço de tempo?

O IUC é devido por ano civil e até já foi pago em fevereiro e depois passou para o mês da matrícula.  Serão casos em que sim, vai haver um período curto entre os dois pagamentos, mas no ano seguinte tudo acerta.

Deveria haver uma exceção para os casos de pagamentos muito próximos na transição para o novo sistema? A APC vai pedir ou já pediu alguma solução transitória?

Convém lembrar que esta regra surge num âmbito de uma simplificação, seria estranho existir um regime transitório para simplificar. A APC entende que o mês do pagamento é o menos relevante no pagamento do IUC. Simplificaria a vida receber a informação para o pagar sem o contribuinte tomar qualquer ação.

A simplificação dos procedimentos para a concessão de reembolsos de IVA e das regras de faturação são boas medidas para os contribuintes?

Claro, não faz sentido as empresas subsidiarem o Estado. Em qualquer caso, creio que ainda não saíram os detalhes todos desta medida, pelo que prefiro não me alongar.

Mais de quatro mil taxas cobradas às empresas: urge pôr ordem nas “taxas e taxinhas”?

Os impostos só podem ser criados, de acordo com [Artigo 165º da] da Constituição Portuguesa, por via parlamentar. A Assembleia da República em cada imposto deve prever a incidência, a taxa, os benefícios fiscais e as garantias dos contribuintes.

Porém, provavelmente por lacuna, não há a mesma exigência para a criação de taxas. Cada organismo pode assim estabelecer cada regime que queira desde que indique que a taxa está associada a uma qualquer prestação de serviço.

(Essa é, grosso modo, a diferença entre um imposto e uma taxa. Um imposto é genérico, uma taxa é uma contrapartida de algum serviço).

A primeira coisa que se devia fazer era limitar a possibilidade de qualquer organismo público de lançar uma taxa. Estas deviam exigir o mesmo esforço legislativo – deveria haver justificação real da sua incidência e fundamentação e outras informações.

Ou seja, primeiro devemos matar o processo de geração de taxas.

Depois sim temos de ir apagando as diferentes taxas.

Este ordenamento fiscal é um empecilho ao desenvolvimento económico?

Claro! Reduzem a rendibilidade do investimento. Incentivam os baixos salários. Tudo isto é há muito conhecido.

Mas queria salientar a questão da instabilidade fiscal. Uma redução de impostos, seja ela qual for, demora dois, cinco ou mesmo 10 anos para se sentir em pleno na produtividade e na recuperação da receita fiscal. Porém, com a nossa inconstância tributária, só conseguimos reduzir os impostos um ou dois anos. Ou seja, há sempre uma certeza: perdemos a receita.

E como ninguém acredita que a redução fiscal se vai manter, ninguém se adapta aos novos incentivos.

O Governo seguinte reverte a baixa de impostos já que efetivamente ninguém se mexeu.

Resumindo, temos os custos. E nunca vemos nada a mudar. Não é apenas um empecilho. É tonto.

Devem ser eliminadas as contribuições extraordinárias que se tornaram permanentes?

As contribuições extraordinárias e as derramas foram instituídas de forma a cobrar um pouco mais às empresas do regime ou aquelas que estão mais protegidas da concorrência.

O efeito perverso desta visão é o facto de se prejudicar o investimento de médias empresas que se querem tornar grandes ou mesmo de investimento direto estrangeiro. Para compensar esta perversão do sistema, o Estado permite isenções fiscais e esquemas de apoio para algumas empresas e alguns projetos.

O resultado é uma teia de cumplicidades fiscais e de candidaturas a subsídios por vezes não tão transparentes. São males sucessivos, desenhados para compensar um suposto bem.

A solução para o fim das contribuições extraordinárias é reconhecer que os únicos impostos justos, são os impostos baixos. Acabar com mercados protegidos e promover uma sã concorrência em todos os sectores. E finalmente, e ao mesmo ritmo que se executam as restantes atividades, acabar com as contribuições extraordinárias, aliás, permanentes.

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