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REN e E-Redes pedem que apagão seja “evento excecional” para evitarem indemnizações

Regulador já recebeu os relatórios finais sobre o apagão com a transportadora e a distribuidora de eletricidade a pedirem que o evento seja considerado “excecional” para não pagarem indemnizações a famílias e empresas. Inquérito da Associação Industrial Portuguesa revelou que 99% das empresas inquiridas foram afetadas pelo apagão com origem em Espanha, com os prejuízos a serem estimados em 2 mil milhões.
Um passageiro apanha um autocarro no Campo Grande às escuras devido ao apagão que afeta Portugal de Norte a Sul e outros países europeus, em Lisboa, 28 de abril de 2025. O Governo criou um grupo de trabalho para acompanhar o apagão que afeta Portugal de Norte a Sul e outros países europeus e aponta que o problema “terá tido origem” fora de Portugal. ANTÓNIO PEDRO SANTOS/LUSA
28 Maio 2025, 22h28

A REN e a E-Redes já entregaram os relatórios finais sobre o apagão à Entidade Reguladora dos Serviços Energéticos (ERSE) e ambas as companhias pediram ao regulador que o evento seja considerado “evento excecional” para não pagarem indemnizações a consumidores domésticos e industriais.

“A REN, à semelhança, da E-Redes já submeteu à ERSE – Entidade Reguladora dos Serviços Energéticos o relatório sobre o incidente de 28 de abril de 2028 previstos para Incidentes de Grande Impacto (IGI) e aproveitou esse relatório para solicitar a classificação como Evento Excecional (EE)”, segundo comunicado da ERSE.

“A decisão da ERSE relativa à classificação do evento será pública e devidamente fundamentada”, de acordo com o regulador.

“No caso presente, tratando-se de um incidente à escala europeia, a decisão poderá ter de aguardar pelo relatório final da ENTSO-E (Rede Europeia de Operadores de Redes de Transporte de Eletricidade)”, pode-se ler.

Um inquérito da Associação Industrial Portuguesa (AIP) revelou que 99% das empresas foram afetadas pelo apagão, com os custos estimados a superarem os dois mil milhões de euros de prejuízo.

A 29 de abril, o regulador revelou que os consumidores podem exigir compensações pelo apagão ao seu fornecedor de energia ou às operadoras de rede por prejuízos causado pelo apagão, mas só terão direito às mesmas se o evento ser classificado de evento excecional e da decisão de tribunais.

“Os consumidores podem sempre reclamar junto do seu comercializador de energia ou operador de rede por eventuais prejuízos causados pelo apagão. Para tal devem apresentar prova desses prejuízos. Por regra, as interrupções de fornecimento não provocam danos em equipamentos. A reposição do serviço cumpre regras que visam acautelar danos em equipamentos”, disse a entidade liderada por Pedro Verdelho no dia a seguir ao apagão.

E sublinha que o “apuramento da responsabilidade por eventuais prejuízos invocados pelos consumidores (ex. interrupção de processos produtivos, perdas de bens que necessitem de refrigeração, atividades que não funcionaram) não é competência da ERSE, mas antes dos tribunais (judiciais, julgados de paz ou tribunais arbitrais de consumo)”.

Portugal demorou mais três horas do que Espanha para reiniciar energia

Portugal demorou o quádruplo do tempo face Espanha a arrancar com o mecanismo de reinício do sistema elétrico (conhecido por black-start) após o apagão ibérico no dia 28 de abril.

A conclusão é do relatório preliminar da associação europeia que junta as empresas gestoras da rede de transporte de eletricidade (ENTSO-E) que vai ficar responsável pela investigação pelo pior apagão das últimas décadas em Portugal e Espanha, noticiado pelo JE a 13 de maio.

Neste momento, é consensual em Madrid e Lisboa que o arranque do apagão partiu de Espanha, mas o relatório preliminar da ENTSO-E lança mais pistas sobre o apagão e a resposta a este evento fatídico a 28 de abril em que as economias dos países ibéricos travaram a fundo.

Se Espanha conseguiu arrancar com as suas centrais em black-start uma hora depois do apagão, Portugal demorou quase quatro horas para arrancar com a primeiro central e quase cinco horas para arrancar com a segunda central. Face ao arranque de Espanha, foram quase 3 horas para a primeira central e quase quatro horas para a segunda central.

Depois do apagão pelas 11h33, hora de Lisboa, somente pelas 15h11 e 16h26 é que “as duas centrais com capacidade black start em Portugal tiveram sucesso no seu processo de arranque após tentativas prévias sem sucesso, permitindo iniciar a restauração do processo em Portugal com duas ilhas”, segundo a ENTSO-E.

Já em Espanha, “do início da restauração até às 13h30 CET [12h30 em Lisboa], várias centrais hídricas em Espanha com capacidade black-start lançaram os seus processos para iniciar a restauração do sistema”, isto é, uma hora depois do apagão pelas 11h33.

O apagão ibérico já foi classificado como “ICS 3 – Blackout”, o nível mais grave da escala internacional de incidentes” pela ENTSO-E, sendo o pior no velho continente desde 2006.

Fonte oficial da Turbogás disse: “Na sequência da necessidade de reposição da rede elétrica nacional ocorrida a 28 de abril, a Central da Tapada do Outeiro esteve totalmente operacional e pronta a entrar em funcionamento, de acordo com os critérios técnicos estabelecidos para o seu funcionamento nestas circunstâncias”.

“Apesar da extrema exigência imposta por este cenário, a atuação da central, sempre em estreita articulação com as entidades competentes do sistema elétrico nacional, decorreu conforme os procedimentos previstos, tendo contribuído para a estabilização gradual da rede dentro dos parâmetros considerados adequados em contexto internacional. Esta resposta, rápida e eficaz, veio demonstrar a robustez das nossas infraestruturas e a capacidade técnica das nossas equipas em situações de máxima exigência e criticidade, reforçando o nosso compromisso com a segurança, a continuidade e a resiliência do fornecimento energético em Portugal”, acrescentou a dona da central a gás de Gondomar.

A EDP respondeu: “Em estreita coordenação com a REN, a EDP procedeu, com sucesso, à reativação da central de Castelo do Bode”, apontando que Espanha teve a ajuda das interligações internacionais para arrancar com o processo de reativação da rede, enquanto que a sua foi a “primeira” central ibérica a ser reativada, sem ter o auxilio de uma interligação, segundo a resposta dada ao JE a 13 de maio.

As tentativas de arranque estão dentro dos padrões de normalidade destes processos. Além da equipa técnica de base que assegura o normal funcionamento da operação de Castelo do Bode, foram igualmente acionadas equipas adicionais que, em minutos, se apresentaram no local. Juntas, conseguiram, fruto do elevado conhecimento técnico e fortíssimo empenho, contribuir de forma decisiva para a reposição de energia no país”, segundo fonte oficial do grupo EDP.

Durante o arranque, a central de Castelo de Bode não conseguiu ativar localmente o sistema e teve de recorrer a um gerador externo para a reativação, conforme revelou o “Expresso”.

No outro lado da raia, as barragens de La Muela e de Aldeadávila recorreram à bombagem e foram chave para o processo de arranque, passando de zero a 3 gigawatts em minutos. Formaram uma ‘ilha’ energética com uma frequência de 50 Hz antes de introduzir carga no sistema. As turbinas foram sendo ligadas uma a uma, sendo introduzida carga de forma doseada para o sistema não voltar a parar, explica o portal espanhol “Xataka”, um sistema semelhante ao que foi usado em Portugal. Depois, arrancaram as centrais de gás espanholas, antes de as renováveis voltarem. Marrocos deu uma ajuda ao injetar centenas de megawatts que foram cruciais para arrancar com centrais na Andaluzia e França também ajudou no norte do país ao arranque.

Em Portugal, os contratos anuais para as centrais de arranque autónomo têm custos diferentes. A central de Castelo de Bode custa 240 mil euros por ano, com a central da Tapada do Outeiro a custar 8.200 euros por arranque, mais o gás consumido a preço de custo, segundo a ERSE.

O Governo português anunciou a 29 de abril que quer mais duas centrais com mecanismo black-start para reiniciar mais rapidamente o sistema elétrico depois de um apagão: as barragens do Baixo Sabor, detida pelos franceses da Movhera, e a do Alqueva, detida pela EDP.

O administrador da REN João Conceição veio a público dizer que a recuperação da rede elétrica depois do apagão teria sido mais rápida com mais centrais com mecanismo black-start.

“Se tivéssemos mais centrais teríamos uma recuperação iniciada em diferentes pontos do país. Ter mais centrais em black-start permitiria criar ilhas em redor dessas centrais”, afirmou o responsável em entrevista à “RTP” a 29 de abril. “Tivemos a Tapada do Outeiro para o norte, Castelo do Bode para o sul. O Alqueva permitiria criar uma terceira ilha, e o Baixo Sabor uma quarta ilha”.

No seu relatório, a ENTSO-E destaca que houve “dois períodos de oscilações (mudanças de frequência e potência)” registadas meia-hora antes do apagão, com os operadores de rede de Espanha e França (Red Electrica e RTE) a “tomarem medidas para mitigar as oscilações. No momento do incidente, não existem oscilações” e as variações no sistema elétrico estavam dentro dos parâmetros normais.

Antes do incidente, Espanha estava a exportar para 3 países: 1 gigawatt para França, 2 gigawatts para Portugal e 8 megawatts (MW) para Marrocos:

1 – 11h32/11h33 – Várias perdas de eletricidade na rede no sul de Espanha que provocaram a perda total de 2.200 MW, sem registos em Portugal e França, com a frequência a recuar e a voltagem a aumentar em Portugal e Espanha.

2 – 11h33 – A frequência recuou para 0s 48 Hz e os planos automáticos de defesa das redes de Portugal e Espanha foram ativados

3 – 11h33 – As redes AC entre Espanha e França foram desligadas por motivos de segurança

4 – 11:33:24 – O sistema elétrico ibérico “colapsou completamente” e as linhas HVDC entre França e Espanha pararam.

Após o apagão pelas 11h33, os gestores da rede de Portugal, Espanha e França – REN, Red Electrica e RTE – “trabalharam juntos num esforço coordenado para restaurar a eletricidade nas regiões afetadas de França, assim como em Espanha e Portugal”.

A ENTSO-E detalha os principais passos pelos gestores de rede após o apagão:

-11h44 – uma primeira linha 400 kV entre Espanha e França voltou a ter eletricidade, no lado oeste dos Pirinéus

-12h04 – A interligação entre Espanha e Marrocos voltou a ser ativada.

-11h33-12h30 – Espanha reiniciou as suas centrais de black-start até uma hora depois do apagão: “várias centrais hidroelétricas em Espanha com capacidade black-start lançaram os seus processos de black-start para iniciar a restauração do sistema”.

-12h35 – Interligação na fronteira leste Espanha-França volta a ter eletricidade

-15h11 e 16h26, “as duas centrais com capacidade black-start em Portugal tiveram sucesso no seu processo de arranque após tentativas anteriores sem sucesso, permitindo a restauração do processo em Portugal com duas ilhas”.

-17h36, a primeira linha 220 kV entre Portugal e Espanha voltou a ter energia, permitindo “acelerar a restauração do sistema português”.

-20h35 – a linha sul de 400 kV entre Portugal e Espanha voltou a ter eletricidade.

-23h22 – o processo de restauração da linha de transporte foi completado em Portugal.

-3h00 de 29 de abril – o processo de restauração da linha de transporte ficou completo em Espanha.

Apagão ibérico está no “nível mais grave” da escala internacional

O relatório europeu sobre o apagão ibérico tem uma data-limite de entrega até 30 de setembro de 2026.

A data foi revelada na segunda-feira pela Entidade Reguladora dos Serviços Energéticos (ERSE) que adiantou que “o apagão ibérico será classificado como “ICS 3 – Blackout”, o nível mais grave da escala internacional de incidentes”, pela ENTSO-E, a associação que junta os gestores europeus das redes de transporte de eletricidade.

Desta forma, “o mais tardar 6 meses após o final do incidente, o painel de peritos elaborará um relatório factual que constituirá a base do relatório final – no caso concreto, nunca depois de 28.10.2025”.

Já o relatório final sobre a investigação do incidente deverá ser publicado o “mais tardar até à data da publicação do Relatório Anual dos ICS relativos a 2025 da ENTSO-E- no caso concreto, nunca depois de 30.9.2026”.

A ERSE explica que o painel de peritos “investigará as causas do incidente, elaborará uma análise exaustiva do ocorrido e formulará recomendações num relatório final que será publicado pela ENTSO-E”.

Antes da publicação do relatório final, o painel de peritos “publicará um relatório factual abrangente com todos os detalhes técnicos sobre o incidente. Além disso, a ENTSO-E fornecerá atualizações regulares à Comissão Europeia e aos Estados-Membros da União Europeia, incluindo relatórios de progresso da investigação ao Grupo de Coordenação da Eletricidade”.

Regulamento da ERSE prevê compensações

A ERSE destacou a 29 de abril que o  Regulamento da Qualidade de Serviço (RQS) “prevê compensações pagas aos consumidores pelos operadores de redes quando sejam ultrapassados o número ou duração máxima das interrupções regulamentadas. Todavia, se o incidente for classificado como um evento excecional os consumidores podem não ter direito a compensação. Caso haja direito a compensações, estas são pagas de forma automática aos clientes no início do próximo ano através da fatura do seu comercializador”.

Ora, mas quem é que vai decidir se este evento é de natureza excecional? É o próprio regulador. “A ERSE, na sequência de solicitação devidamente justificada pelos operadores de rede, pode classificar um evento como excecional se estiverem reunidas todas as seguintes condições: a) Baixa probabilidade de ocorrência do evento ou das suas consequências; b) Provoquem uma significativa diminuição da qualidade de serviço prestada; c) Não seja razoável, em termos económicos, que os operadores de redes evitem a totalidade das suas consequências; d) O evento e as suas consequências não sejam imputáveis aos operadores de redes”.

“É responsabilidade dos operadores de redes requererem e fundamentarem o pedido para classificação como evento excecional, se assim o entenderem, sendo de especial relevância a análise técnica a realizar pelas diversas entidades envolvidas”, explica a entidade liderada por Pedro Verdelho.

Nestes incidentes de grande impacto, os operadores de rede devem enviar informação preliminar no prazo de 3 dias à ERSE, “contendo a melhor informação disponível que permita caracterizar o sucedido”.

No prazo de 20 dias, tinham de enviar um relatório completo com várias informações: “causa das interrupções do fornecimento e sua fundamentação; consequências das interrupções, nomeadamente, o número de clientes afetados, as zonas geográficas afetadas e a energia não fornecida ou não distribuída; ações de reposição de serviço, caracterizadas, nomeadamente, quanto à cronologia, procedimentos adotados, dificuldades encontradas e estratégia de comunicação; impacto nos indicadores de continuidade de serviço, gerais e individuais, nos níveis de tensão envolvidos”, podendo o prazo ser prorrogado pela ERSE “para situações de elevada complexidade, nomeadamente por envolverem diversas entidades europeias, como o presente caso”, tal como acabou por acontecer.

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