Os talibãs invadiram a capital do Afeganistão, Cabul no domingo, 15 de agosto, regressando assim ao poder ao final de 20 anos, depois de terem sido depostos em 2001 pelos Estados Unidos, no seguimento dos ataques do 11 de setembro.
Agora, restam algumas dúvidas sobre o futuro dos afegãos, principalmente das mulheres que são duramente reprimidas neste regime. O Jornal Económico selecionou algumas questões para melhor compreender o que se está a passar no Afeganistão.
Quando surgiu o regime talibã?
Os talibã, ou “estudantes” da língua pashto, surgiram no início da década de 1990 no norte do Paquistão, após a retirada das tropas da União Soviética do Afeganistão. Os talibãs expandiram a sua influência rapidamente e em 1998 controlavam 90% do Afeganistão. Os seguidores de uma visão extremista do Islão governaram até 2001. Financiados pela Arábia Saudita, pregam uma versão extremista do islamismo sunita.
Cansados das lutas internas e excessos dos mujahideen (os guerrilheiros que combateram e expulsaram o exército da União Soviética), a população recebeu inicialmente bem os talibã que começaram por combater a corrupção, construir estradas e travar os crimes.
Como era a vida sob o domínio dos talibãs?
O vida sob o domínio dos talibãs foi e promete continuar a ser repressiva para as mulheres. Enquanto que os homens, sobre este regime, tiveram de deixar crescer as barbas, as mulheres foram sujeitas a violações dos seus direitos. Os talibã defendem que as mulheres devem estar completamente cobertas, devem fazer-se acompanhar por homens na rua e ficam proibidas de ir à escola. O não cumprimento das regras implica a punição das mulheres e os castigos incluem espancamentos e morte por apedrejamento.
À medida que a Sharia foi sendo implementada no Afeganistão, a população começou a perceber o radicalismo do regime talibã: banimento da televisão, música e cinema, e a violação dos direitos das mulheres.
Ao mesmo tempo, os homicidas e adúlteros começaram a ser alvo de execuções publicas. Já os homens foram obrigados a deixar a barba crescer e as mulheres tiveram de se tapar completamente com a burka. As raparigas com mais de 10 anos foram proibidas de frequentar as escolas.
Quem lidera o grupo?
Mawlawi Hibatullah Akhundzada foi nomeado Comandante Supremo do Talibã a 25 de maio de 2016, depois de Mullah Akhtar Mansour ter sido morto num ataque de drones nos Estados Unidos, segundo a “BBC”. Na década de 1980, Mawlawi participou da resistência islâmica contra a campanha militar soviética no Afeganistão, mas a sua reputação é mais a de um líder religioso do que a de um comandante militar.
Qual a situação atual?
Os talibãs conseguiram invadir Cabul e decretar um novo governo no domingo, 15 de agosto. Depois da entrada dos talibãs na capital, o medo instalou-se e milhares de cidadãos tentaram fugir do país.
A maioria das tropas dos Estados Unidos deixou o país em julho e a retirada de todo o pessoal dos EUA estava programada para 11 de setembro, mas o avanço imparável dos talibã obrigou ao regresso de parte dos militares para aguentarem o aeroporto de Cabul, a única via de entrada e saída do país, depois dos insurgentes controlarem todas as fronteiras terrestres.
Em 2017, cerca de 15 milhões de pessoas – metade da população – viviam em áreas controladas pelos talibã ou onde os talibã operavam abertamente. No início de julho, os talibã controlavam apenas 90 distritos, contra 141 controlados pelo Governo, com conflitos a decorrerem em 167 distritos. Agora, dos quase 400 distritos do país, apenas sete não estão sob controlo dos insurgentes, segundo a “BBC”. Isto significa que os talibã já controlam as maiores cidades do país: a capital Cabul, Jalalabad (leste), Kandahar (sul do país), Herat (noroeste) e Mazar-i-Sharif (norte).
O que querem os talibãs?
O seu objetivo era, e continua a ser, aplicar uma versão radical da Sharia, a lei islâmica, tal como quando estiveram no poder. Os talibãs já disseram que querem incluir mulheres no seu governo e não pretendem proibir as meninas de frequentarem as escolas. No entanto, chegam relatos de todo o país que contam que os talibã estão a obrigar as mulheres a casamentos forçados. Nas várias regiões que já foram conquistadas pelos talibã as mulheres estão a ser obrigadas a casar com os guerrilheiros com o objetivo de as transformar em escravas sexuais.
Qual o papel que os EUA desempenharam no avanço dos talibãs no Afeganistão?
Em fevereiro de 2020, ainda durante a administração de Donald Trump, os Estados Unidos e os talibã assinaram, em Doha, no Qatar, um acordo que previa a retirada completa, em 14 meses, das tropas americanas. Apesar de Trump não ter sido reeleito, Joe Biden decidiu avançar com a retirada das tropas americanas. Com este acordo nas mãos, os talibã foram conquistando aos poucos o país, atacando as forças militares afegãs.
O que aconteceu ao exército afegão?
Segundo a “Agence France Press”, a corrupção e a saída dos Estados Unidos tiveram um papel fundamental na queda do exército do Afeganistão que foi incapaz de defender o país da ofensiva talibã. Durante anos, os EUA descreveram um grande número de casos de corrupção nas Forças Armadas afegãs, que nunca tiveram liderança efetiva pois dependiam do poder aéreo americano.
Apesar de os insurgentes terem menos homens ao seu dispor, armas menos avançadas e não contarem com apoio aéreo, mesmo assim conseguiram dominar o país, contrariando as expetativas das agências de inteligência dos EUA, segundo a “Associated Press”.
Quanto é que foi gasto para treinar e equipar o exército afegão?
O exército do Afeganistão recebeu 83 mil milhões de dólares ao longo de duas décadas para treinar soldados e comprar equipamento como armas, munições, aviões e helicópteros.
Este equipamento tem sido agora capturado pelos talibã à medida que conquistam o país e a capital. O Governo norte-americano não quis revelar qual o equipamento que já se encontra nas mãos dos guerrilheiros.
O que disse o presidente dos Estados Unidos?
Joe Biden tem sido duramente criticado em Washington e defendeu-se com acusações contra o exército e governo do Afeganistão.
“A verdade é que a situação se desenrolou mais rapidamente do que tínhamos previsto e então o que sucedeu foi que os líderes políticos do Afeganistão desistiram e fugiram do país, os militares afegãos entraram em colapso, às vezes sem mesmo tentarem lutar” contra a insurgência radical dos taliban, disse Joe Biden na segunda-feira.
“Fomos para o Afeganistão há quase 20 anos com objetivos claros: caçar aqueles que nos atacaram em 11 de setembro de 2001 e garantir que a Al-Qaeda não usasse o Afeganistão como base para nos atacar novamente. Fizemos isso”, nunca desistimos da caça a Osama bin Laden e apanhámo-lo”, afirmou.
“A nossa missão no Afeganistão nunca foi pensada para ser a construção de uma nação, nunca foi destinada a criar uma democracia central unificada”, acrescentou o presidente dos EUA.
Quais as críticas a Biden?
Donald Trump criticou duramente Joe Biden pela retirada militar do Afeganistão. O antigo presidente dos EUA considera que o “Afeganistão é o resultado militar mais vergonhoso da história dos Estados Unidos. Não tinha de ser assim”.
O que dizem os líderes mundiais?
Na generalidade dos países europeus a principal preocupação tem sido ajudar os cidadãos a sair do Afeganistão, principalmente as pessoas associadas às embaixadas.
Na Alemanha a Chanceler alemã disse estar “chocada” com a situação no Afeganistão, segundo o jornal “DW”. Para muitos que construíram o progresso e a liberdade, especialmente as mulheres, estes são eventos amargos”, referiu Angela Merkel. A Chanceler apontou ainda que a decisão dos Estados Unidos, em maio, de retirar as tropas do Afeganistão causou um “efeito dominó” que acabou por culminar com o Talibã no poder.
Por sua vez, o presidente francês, Emannuel Macron lembrou os 13 anos em que o Exército francês esteve no Afeganistão ao lado dos norte-americanos (entre 2001 e 2014), e disse que a França vai continuar a repatriar afegãos. “É nosso dever e nossa dignidade proteger aqueles que nos ajudaram”, garantiu.
No Reino Unido o ministro da defesa culpou Donald Trump pelo domínio dos Talibãs no Afeganistão e admitiu que “algumas pessoas não conseguirão sair” do país.
E em Portugal? O que se diz sobre a crise no Afeganistão?
“O nosso objetivo imediato é apoiar, criar condições para que possam sair do país em segurança os funcionários que trabalharam com a NATO, com a UE, com as Nações Unidas e, nessa matéria, Portugal participará evidentemente num esforço coletivo que se está agora a desenhar”, admitiu João Gomes Cravinho, ministro da Defesa, à “RTP”.
Por sua vez, o ministro dos Negócios Estrangeiros, Augusto Santos Silva, disse à agência “Lusa” que “o Afeganistão não pode tornar-se, de novo, um santuário de movimentos terroristas”. Já o Presidente da República, Marcelo Rebelo de Sousa, admitiu ao jornal “Público” que “se foi temendo sempre o efeito de decisões que viessem a ser tomadas por outros que não Portugal”.
Além do Governo e Belém, da direita à esquerda, os partidos com representação no Parlamento também não ficaram indiferentes. O PSD considerou o avanço dos talibãs “muito preocupante para o país e para a sustentabilidade das realizações e progressos sociopolíticos dos últimos 20 anos”.
À esquerda, o BE a situação no Afeganistão, ocupado pelos talibãs, “demonstra enorme irresponsabilidade” da ocupação pela NATO. De recordar que em conjunto com as tropas americanas também a NATO mantinha militares na região com o intuito de ajudar os cidadãos com os talibãs.
Ao centro, o CDS referiu que a crise no Afeganistão “constitui uma perigosíssima ameaça aos direitos humanos, que expõe à violência especialmente as mulheres e as crianças, e que demostrará ao mundo a barbárie do terrorismo e radicalismo islâmico”. Os centristas culpam Biden pela invasão, tal como o Chega que criticou, na segunda-feira, os Estados Unidos da América, segundo a “Lusa” por terem deixado o Afeganistão “à sua sorte”.
No PAN, Inês de Sousa Real “repudia toda e qualquer tomada de posição por via da violência, como é o caso da invasão talibã à capital de afegã, Cabul, ao arrepio dos salutares e desejáveis princípios democráticos, de uma forma que atenta claramente o respeito dos direitos humanos”.
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