O setor da saúde vai fazer exercícios específicos para reforçar a capacidade de resposta em situações de falha energética, como a que o país vivenciou no passado dia 28 de abril, e outros cenários de crise de grande complexidade, avançou ao Jornal Económico (JE) a Direção Executiva do Serviço Nacional de Saúde (DE-SNS). Esses testes, acrescentou, “serão desenvolvidos de forma faseada e em articulação com as entidades relevantes”, no âmbito das competências da Comissão de Planeamento de Emergência da Saúde (CPES), que é liderada pelo próprio diretor executivo do SNS, Álvaro Almeida.
A falha energética do passado dia 28 de abril, que deixou o país às escuras durante praticamente 10 horas e sem comunicações pouco depois do início do apagão, pôs a descoberto várias fragilidades na resposta em situações de crise. No setor da saúde, apesar de a resposta ter sido “capaz”, o presidente da Associação Portuguesa de Administradores Hospitalares (APAH) defende que é preciso torná-la mais “homogénea, coerente e robusta”. “Temos oportunidades de melhoria e devemos simular uma próxima situação, incluindo situações limite com um corte de eletricidade mais prolongado”, afirma Xavier Barreto em declarações ao JE.
Para este responsável, é “importante” que, antes das simulações, haja uma fase de planeamento e de análise daquilo que aconteceu, e uma discussão com as Unidades Locais de Saúde (ULS). “Espero que isso se faça com alguma brevidade para que depois se possam fazer os exercícios necessários”, frisa ainda Xavier Barreto, certo de que a DE-SNS percebeu o que estava em causa e que irá trabalhar para melhorar a resposta a um cenário que nunca foi simulado.
Recuando até ao dia inédito do apagão, que afetou também Espanha, o presidente da APAH reconhece que houve “dificuldades em áreas e setores estratégicos”, desde logo por causa da quebra nas comunicações atrapalhou o contacto entre serviços, departamentos e pessoas.
Ao nível da resposta, e sem um plano comum a todo o sistema de saúde, ela acabou por ser “assimétrica”. “Os hospitais montaram os seus gabinetes de crise e começaram logo a planear e a pensar como é que iriam manter a resposta e a que doentes iam manter a resposta e por quanto tempo, mas tomaram decisões diferentes: uns mantiveram tudo a funcionar, outros apenas a resposta ao doente crítico e urgente”, recorda Xavier Barreto.
“Isso merece alguma reflexão sobre se deveria ser assim tendo em conta que num período mais prolongado de interrupção de energia elétrica poderíamos precisar de alguma entreajuda. Não foi preciso transferir doentes entre hospitais mas poderia ter sido preciso se porventura a interrupção fosse mais prolongada. A entreajuda permitira ter procedimentos comuns”, acrescenta.
O ponto mais crítico naquele dia, em termos de recursos, foi a questão dos geradores e a respetiva reserva de combustível. Também aí ficaram evidentes condições “completamente diferentes”, porque uns hospitais tinham autonomia para poucas horas, três/quatro, outros para alguns dias. “Merece uma reflexão”, defende o presidente da APAH, reconhecendo que essas diferenças “dependem de muita coisa”, como por exemplo há quantos anos foi construído um hospital.
O que é a Comissão de Planeamento de Emergência da Saúde (CPES)?
É um dos nove organismos setoriais previstos no Sistema Nacional de Planeamento Civil de Emergência, criado em 2020, durante o governo de António Costa (Decreto-Lei n.º 43/2020), cuja missão principal é definir e coordenar o planeamento civil de emergência em situações de crise. A estas comissões de planeamento de emergência compete, por exemplo, “assegurar o estado de preparação e prontidão do setor para a execução dos planos aprovados”; “elaborar (…) os projetos de diplomas e de planos que traduzem as políticas de planeamento civil de emergência do setor” e “organizar ou participar em exercícios e treinos a fim de preparar o respetivo setor”.
Em resposta ao JE, a Direção Executiva do SNS assegura que a CPES “está a trabalhar em estreita articulação” com o Conselho Nacional de Planeamento Civil de Emergência, no qual se encontra representada, “com o objetivo de estruturar uma resposta eficaz e coordenada do Serviço Nacional de Saúde e das respetivas instituições a situações de crise”. Esta colaboração, sublinha, “inclui o alinhamento com estratégias em desenvolvimento a nível europeu e internacional, nomeadamente com a NATO, reforçando a preparação e resiliência do setor da saúde em cenários de grande complexidade”.
No dia do apagão ibérico, a CPES “manteve contacto direto e permanente” com as restantes comissões setoriais e com o próprio CNPCE, assegurando a coordenação da resposta do setor da saúde”, garante o organismo liderado por Álvaro Almeida.
“Durante esse período, a Direção Executiva do SNS, que preside à CPES, identificou os constrangimentos e as necessidades que as unidades do SNS enfrentaram, e coordenou com a ANEPC a resposta a tais necessidades. Foram ainda emitidas orientações às unidades do SNS sobre as medidas a adotar, com vista à garantia da continuidade da atividade assistencial e da segurança dos utentes e profissionais”, refere na resposta ao JE.
Estratégia integrada ainda está a ser preparada
Antes do apagão, as unidades do SNS já tinham remetido à Direção Executiva do SNS os respetivos Planos de Emergência, e estes já tinham sido alvo de uma “análise técnica inicial”.
Uma preparação prévia que se revelou “fundamental para a resposta célere e coordenada que foi possível assegurar durante a falha de energia, permitindo à DE-SNS orientar as unidades do SNS com base nas suas realidades operacionais e capacidades identificadas”, assinala também ao JE o organismo, revelando que estão a ser preparadas “propostas a apresentar ao CNPCE com vista à definição de uma estratégia integrada de planeamento civil de emergência para o sistema de saúde, que complementará os planos internos já existentes nas unidades do SNS”. Isto, apesar de o diploma que estabelece a criação das comissões setoriais com competências para elaborar esse plano ter já quase cinco anos.
Num dia em que a própria Direção Executiva do SNS, com sede no Porto, teve de se adaptar às falhas de energia e ‘montar’ o seu gabinete de crise, primeiro nas instalações do INEM, depois na ULS Gaia/Espinho, a comunicação entre Álvaro Almeida e as unidades do SNS decorreu desde o início da tarde do dia 28 até à madrugada do dia 29, “permitindo ajustar em tempo real as necessidades e respostas no terreno, e assegurar capacidade de resposta mesmo no caso de surgirem novos constrangimentos”.
Em Espanha, pelo menos cinco pessoas terão morrido em consequência do apagão e em Portugal, uma doente ventilada em casa acabou por morrer depois da quebra de energia, um caso que está a ser investigado pela Inspeção Geral das Atividades em Saúde (IGAS).
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