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Sede de Futuro

Os termos militares entraram no léxico económico através da Estratégia e da Competição Empresarial, mas no nosso país entraram, recentemente, no quadro da pandemia, associados ao relançamento da economia pós-confinamento. Mais concretamente pela necessidade de saber se o programa de recuperação da União Europeia (UE) responderia à crise; e, caso sim, como o faria se com recurso a “uma fisga ou uma bazuca”.
11 Agosto 2020, 07h15

Uma das bazucas de maior sucesso militar atualmente no mundo é o modelo At-4, fabricada pelos suecos da Saab Bofors Dynamics. De acordo com as especificações técnicas disponíveis, tem um alcance eficaz a 300 metros, mas pode atingir 2100 m. E a nossa bazuca para relançar a economia, quais são os seus limites?

Os termos militares entraram no léxico económico através da Estratégia e da Competição Empresarial, mas no nosso país entraram, recentemente, no quadro da pandemia, associados ao relançamento da economia pós-confinamento. Mais concretamente pela necessidade de saber se o programa de recuperação da União Europeia (UE) responderia à crise; e, caso sim, como o faria se com recurso a “uma fisga ou uma bazuca”. Por outras palavras, qual seria o alcance da intervenção europeia na crise económica, dado que não temos capacidade de construir a nossa própria bazuca, tal como aconteceu com um grupo alargado de países europeus. Temos um “Plano de Recuperação Económica e Social de Portugal, 2020-2030”, individualmente concebido e sem especificação dos recursos financeiros envolvidos, suportado pela mão generosa europeia através do “Plano de Recuperação da Europa”, que integra o Instrumento Europeu de Recuperação de emergência – “Next Generation EU”, no valor de 750 mil milhões de euros. De salientar que cerca de 390 biliões do montante total serão sob a forma de subvenções, sendo o restante através de empréstimos. O objetivo de ambos instrumentos é facilitar a recuperação nos Estados Membros e relançá-los economicamente. O acordo foi anunciado pelo presidente do Conselho Europeu, às 5h31 (CET) de terça-feira, 21 de julho[1].Portugal disporá, na prática, de um envelope financeiro de 26,36 mil milhões de euros, para utilizar no período entre 2021-24, dividido em 15,53 mil milhões a fundo perdido e 10,84 em empréstimos a reembolsar no prazo de 20 anos.

Obviamente trata-se de uma excelente notícia, sempre representa 12% da riqueza gerada em 2019. Contudo, não devemos esquecer que o desafio económico é significativamente maior. Assim, coloca-se a questão de saber como alocar cirurgicamente estes recursos “limitados” a tantas carências do país, de forma a alavancar a criação de riqueza e diminuir a elevada dependência externa. Coincidência, ou não, em antecipação a este quadro surgiram as resoluções financeiras da TAP e da EFACEC. Os ânimos sociais exaltaram-se, dado as decisões políticas arriscadas. Com efeito, na EFACEC nem se explicitaram os valores envolvidos, revelando, até, disfuncionalidade entre os ministros das tutelas e o ministério das finanças. Além disso, talvez mais grave ainda, estas decisões políticas colocam-nos perante o dilema de distinguir entre o que é certo e o errado, dado não haver uma regra fixa para a intervenção nestes e outros casos análogos. Pelo contrário, tradicionalmente as regras parecem ser manuseadas de acordo com as circunstâncias e as vontades ocultas vigentes, difíceis de entender depois das experiências negativas BPN, BANIF e BES, só para enunciar alguns. Importa recordar que, no BES, não se conhecem ainda hoje os termos do contrato assinado entre o Estado, leia-se cidadãos, e os compradores. Não obstante isso, continuamos a injetar fundos públicos.

Será que a crise sanitária motivada pelas consequências do Covid-19 e a ansiedade instalada na sociedade gerada pela incerteza quanto ao futuro, não impunham a reformulação do modelo “business as usual”?  Salvo melhor opinião, os governantes têm uma oportunidade única de desenvolver um sistema político orientado por valores e estruturas imparciais, coerente em termos de ação, interventivo na correção das disfuncionalidades em termos de concorrência e externalidades (negativas), bem como na desigualdade de oportunidades e rendimentos, apoiado em reguladores com poderes e independentes, cortando definitivamente com o passado. Na verdade, se os interesses de curto prazo se sobrepuserem, novamente, aos da sociedade a longo prazo e os eleitos pelos cidadãos se desobrigarem do compromisso de monitorizar os processos e de contribuir para a transparência, construção de uma sociedade mais desenvolvida, justa e solidária; apesar do dinheiro, não se vislumbra um bom desfecho.

Infelizmente para todos nós, parece que não vamos aproveitar a oportunidade, como indicia a operação TAP. De facto, ilustrando com a TAP por comparação à KLM, companhia de aviação dos Países Baixos sujeita, na mesma altura, a um plano de apoio, temos:  Os fundos concedidos à TAP foram de €1,2bn e €3,4bn à KLM. No entanto, o financiamento à KLM é de apenas €1,0bn, sendo os restantes €2,4bn em garantias (que só cobrem 90% dos financiamentos concedidos). Verifica-se, assim, que o financiamento direto à TAP é, em termos absolutos, superior ao da KLM.

Mais, analisando as operações expressas nos relatórios do último exercício económico disponível, 2018, verificamos que o Volume de Negócio da KLM foi de €10,96bn e o da TAP €3,25bn, sendo os Recursos Humanos respetivamente de 32 e 11 mil e a frota de 214 e 108 aviões. Comparando os dados, o apoio estatal é, desta forma, na TAP de 37% do seu volume de negócios e apenas de 9% na KLM, o que se traduz em 111 mil euros por funcionário na TAP, contra 31 mil euros na KLM. O mesmo desnível se mantém na análise por avião, dado os 11,1 milhões na TAP, versus 4,7 milhões na KLM.

Acrescem dois fatos relevantes em sociedades desenvolvidas. Primeiro, o governo dos Países Baixos tomou, desde a primeira hora, a iniciativa de manter o Parlamento e os cidadãos informados do conjunto de medidas que estava a preparar (carta subscrita pelo Ministro das Finanças e Ministério das Infraestruturas e Gestão da Água) – a carta dirigida ao Parlamento foi divulgada no site governamental com os contornos globais da operação. Segundo, o governo dos Países Baixos impôs condições à KLM para o apoio financeiro, a saber: (i) corte salarial – os funcionários que ganham mais de três vezes o salário médio, terão um corte salarial de pelo menos vinte por cento, de forma a permitir que aos funcionários de rendimentos mais baixos seja aplicada uma percentagem inferior; (ii) durante o período do apoio financeiro, nenhum dividendo poderá ser distribuído aos acionistas, nem poderão ser pagos bónus a gestores, sendo, ainda, reduzido o número de voos noturnos de 32.000 para 25.000; (iii) a KLM compromete-se a reduzir as emissões de CO2 da aviação nos Países Baixos em 50% por passageiro-quilómetro até 2030 (iv) o governo considera necessário que a empresa-mãe Air France-KLM e as duas subsidiárias KLM e Air France tomem medidas para reduzir custos com a reestruturação.

Por tudo isto, não basta vencer pontualmente.  “Quer o General que combata pelo Triunfo Construtivo, não apenas pela vitória em que apenas se derrotam os outros”. “A Europa tem sede de que se crie, tem sede de Futuro”[2]. Em Portugal também deveremos ter, afinal somos Europa!

[1] Financial Times, EU Leaders strike deal on €750 bn recovery fund after marathon summit: https://www.ft.com/content/713be467-ed19-4663-95ff-66f775af55cc,

[2] Portugal Futurista, Ultimatum, Álvaro de Campos (a ordem subvertida para dar consistência ao texto).

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