Os Estados Unidos anunciaram que pretendem aplicar tarifas a partir de abril ao setor automóvel. Com vários fabricantes a ficarem altamente pressionados ao nível das suas margens líquidas e operacionais, estas alterações podem trazer mais outro ‘pesadelo’ para dentro da indústria.
A imposição de tarifas à indústria colocariam fabricantes como a Volkswagen, a Hyundai-Kia, Mercedes, e a Nissan como “as mais afetadas”, como salientam os analistas consultados pelo Jornal Económico (JE) e ao nível de países mais expostos estariam na lista países como o México, Coreia do Sul, Japão e Canadá.
Numa análise às margens de alguns dos maiores fabricantes mundiais, verifica-se que a Toyota, a Hyundai e o grupo Volkswagen respiram melhor, enquanto que Ford e a General Motors já reportaram margens negativas, e a Nissan em termos operacionais vive à tona da água.
No quatro trimestre, a General Motors apresentou uma margem líquida negativa de -6,2%, o que contrasta com os 4,9% do período homólogo.
No caso da Ford houve sinais de recuperação. A marca registou no quatro trimestre de 2023 uma margem líquida negativa de -1,1%, enquanto que no quatro trimestre de 2024 consegue ter uma margem positiva de 3,8%. Em termos de resultados anuais em 2023 a margem líquida situou-se nos 2,5% e em 2024 melhorou para os 3,2%.
Relativamente aos resultados reportados pela General Motors e pela Ford, o economista sénior do Banco Carregosa, Paulo Monteiro Rosa, considera, em declarações ao JE, no que diz respeito às margens apresentadas pelas construtoras, que isso pode estar relacionado com “cortes de custos, ajustes na produção ou recuperação da cadeia de abastecimentos”.
No caso da Nissan a fabricante não tem das mais confortáveis situações entre as maiores construtoras. Para os seis meses que acabaram em setembro de 2024, a margem operacional ficou em 0,5%.
Paulo Monteiro Rosa considera que a Nissan “parece estar em dificuldades, com uma margem operacional muito baixa”, o que pode estar ligado a “problemas na estratégia de eletrificação, dependência de mercados específicos ou dificuldades na recuperação do volume”.
Em melhor situação encontra-se a Toyota que nos nove primeiros meses do ano fiscal de 2025 teve uma margem de 10,3%, contudo esta quebrou face aos 12,5% do período homólogo.
A Hyundai reportou uma margem líquida de 5,3% no quatro trimestre, face aos 7,5% do período homólogo. Para o ano de 2024 a margem ficou nos 7,5%, mantendo o mesmo valor do ano anterior.
Relativamente à Toyota e à Hyundai, Paulo Monteiro Rosa diz que ambas as marcas apresentaram “margens fortes” em 2024. Referindo-se à liquidez da Toyota o economista sénior do Banco Carregosa considera que é “excelente” para um fabricante de grande volume.
“A Hyundai também mostra um bom desempenho, com 7,5% de margem líquida anual em 2024. Isso sugere que as fabricantes asiáticas estão a manter a rentabilidade apesar da concorrência crescente e dos desafios da eletrificação”, disse Paulo Monteiro Rosa.
O grupo Volkswagen reportou um retorno operacional sobre as vendas de 5,4%, nos nove primeiros meses de 2024, quando no ano anterior ficou nos 6,9%. No terceiro trimestre este indicador situou-se em 3,6%.
Já quanto à Volkswagen o economista do Banco Carregosa diz que se tratam de margens operacionais “modestas”, o que pode “indicar desafios na transição para elétrica e uma margem mais pressionada pela concorrência”.
De acordo com a Automotive News, a Mercedes perderia um ponto percentual de margem se as tarifas aplicadas ao carros exportados do Estados Unidos, a partir da Europa, subissem para 10% face aos correntes 2,5%.
O analista da XTB, Vítor Madeira, salienta, em declarações ao JE, que as tarifas que estão previstas serem aplicadas ao setor automóvel (a partir de abril pelos Estados Unidos), tendo em conta que as empresas desta indústria dependem da importação de matérias-primas (principalmente aço e alumínio, materiais que também têm sido alvo de ameaças de tarifas), componentes específicos e até equipamentos/máquinas de montagem que dependem de vários países, a imposição de tarifas sobre qualquer um desses produtos “resultaria automaticamente num aumento dos custos” para as empresas, que podem ter vários tipos de impactos.
Por exemplo, os Estados Unidos têm como principais mercados, ao nível das importações, a Zona Euro, a China, o Canadá, o México, enquanto que nas exportações estão na lista o Canadá, o México e a Zona Euro (ver gráfico).
Fonte: XTB
“Para compensar os custos mais altos, as empresas podem optar por aumentar os preços dos veículos ou diminuir as suas margens de lucro. Na eventualidade de uma subida de preços, a procura de automóveis pode sofrer uma queda, seja porque os compradores desistem da ideia de adquirir um novo carro, seja por decidirem adiar essa compra, uma vez que os automóveis são considerados bens duradouros”, explica Vítor Madeira.
No cenário em que a decisão das empresas passe pela absorção do aumento dos custos, quer seja de uma forma parcial ou na totalidade, “irão registar uma descida”. Vítor Madeira destaca que mesmo que a procura se mantenha igual, os produtores de automóveis “vão ter menos lucro, podendo conduzir a um adiamento de novos investimentos, da contratação de trabalhadores, etc”.
Tendo isto em consideração, o efeito deve ser distinto consoante o mercado e a empresa em questão.
“O impacto desta decisão poderia ser muito maior caso abrangesse países como o México, Coreia do Sul e Japão que são os principais mercados no setor”, refere Vítor Madeira (ver gráfico).
Fonte: Bloomberg (cedido pela XTB) – gráfico ilustra importações norte-americanas de carros
Já o economista do Banco Carregosa considera que as tarifas que os Estados Unidos pretendem aplicar a partir de 2025 [a partir de abril], sobre veículos e componentes automóveis importados “deverão afetar significativamente” as margens de lucro dos fabricantes de automóveis.
“Este impacto será eventualmente mais acentuado para as marcas que dependem exclusivamente do Canadá, México e China”, diz Paulo Monteiro Rosa.
Ao nível de empresas, a Volkswagen, a Hyundai-Kia e a Mercedes “seriam as mais afetadas” com a imposição das tarifas, “uma vez que os componentes dos veículos produzidos por estas empresas são quase sempre importados”, salienta Vítor Madeira (ver gráfico).
Fonte: Bloomberg (cedido pela XTB). Gráfico sobre importações como quotas nas vendas de veículos dos Estados Unidos por fabricante.
Já Paulo Monteiro Rosa coloca a Volkswagen entre os fabricantes mais afetados pelas tarifas.
“A Volkswagen possui uma fábrica de grandes dimensões em Puebla, no México, onde produz modelos como o Jetta, Tiguan e Taos, destinados ao mercado norte-americano. Com as novas tarifas, a empresa enfrentará custos adicionais, enviando as suas margens de lucro”, refere Paulo Monteiro Rosa.
O economista Paulo Monteiro Rosa salienta também a Nissan como uma das possíveis afetadas pelas tarifas norte-americanas, tendo em conta que a fabricante automóvel nipónica produz modelos como o Sentra, Versa e Kicks no México, exportando cerca de 300 mil veículos por ano para os Estados Unidos.
“As tarifas aumentam os custos de importação, afetando os lucros da empresa”, alerta o economista sénior do Banco Carregosa.
A Honda poderia ser outra afetada pelas tarifas. “Com 80% da sua produção mexicana direcionada para o mercado dos Estados Unidos, a Honda enfrentará desafios semelhantes, podendo considerar uma transferência de parte da produção para evitar as tarifas”, considera Paulo Monteiro Rosa.
A Ford e a General Motors seriam também afetadas pelas tarifas. Paulo Monteiro Rosa diz que embora estas duas fabricantes sejam norte-americanas estas possuem operações com dimensão no México e no Canadá, países que têm sido ameaçados com tarifas pela administração presidida por Donald Trump.
“A Ford exportou, em 2024, 131.100 unidades do Maverick, 94.300 do Bronco Sport e 51.700 do Mustang Mach-E para os Estados Unidos, produzidas todas no México. A General Motors importa cerca de 30% dos veículos vendidos nos Estados Unidos de fábricas no Canadá e México. As tarifas aumentam os custos de produção, podendo reduzir as margens ou resultar em aumentos de preços para os consumidores”, refere Paulo Monteiro Rosa.
Apesar deste cenário que recai sobre a indústria automóvel, o analista da XTB, Vítor Madeira salienta que o mercado ao nível do comportamento das ações do ramo automóvel, numa análise a 12 meses, já demonstrava uma “performance negativa” na maior parte das empresas com a exceção da Renault. “Deste modo, não se pode atribuir esta tendência exclusivamente ao impacto das tarifas”, reforça o analista da XTB.
Vítor Madeira adianta que desde que se começou a discutir a introdução de tarifas o comportamento das empresas do setor tem tido “uma performance positiva” o que pode sugerir que o mercado “está a antecipar uma melhoria das suas métricas financeiras no futuro”.
Contudo Vítor Madeira diz que é “difícil prever” qual será o impacto absoluto das tarifas só por si. “Numa primeira instância, porque a economia não é uma ciência exata e os agentes económicos alteraram as suas decisões de forma racional/irracional, o que leva a que o comportamento seja sempre imprevisível”, e por outro lado por as tarifas podem estar a ser interpretadas “como uma forma de chantagem” da parte da Donald Trump de modo a que os seus parceiros cedam às exigências.
O analista da XTB diz ainda que estas mudanças podem “estimular a competitividade”, proporcionando ajustes que podem obrigar empresas do setor automóvel a “melhorarem os seus níveis de eficiência e aumentar a produtividade”.
Vítor Madeira diz ainda que é possível concluir também que as empresas “podem optar por realocar” as suas fábricas nos Estados Unidos para evitar o impacto das tarifas. “No entanto, essa estratégia implica investimentos elevados e pode demorar vários anos até gerar retorno, além do risco de perda de competitividade face às empresas já estabelecidas no mercado local”, alerta o analista da XTB.
As tarifas podem levar também a que exista uma reestruturação das cadeias de produção, alerta Paulo Monteiro Rosa. O economista do Banco Carregosa refere que como estratégia para mitigar os impactos [das tarifas] os fabricantes “podem transferir a produção” para os Estados Unidos, o que no entender do economista do Banco Carregosa, “implicaria investimentos significativos e possíveis interrupções na produção” durante a transição.
“E será eventualmente este o objetivo de Trump com a sua política de tarifas”, diz Paulo Monteiro Rosa.
Essa hipótese já foi admitida pelo CEO da Mercedes, Ola Kallenius, durante uma apresentação aos acionistas, em fevereiro, onde vincou a intenção da fabricantes de crescer nos Estados Unidos, como referiu a Automotive News. Esse crescimento nos Estados Unidos poderia implicar a produção ou do modelo C-Class ou do modelo E-Class em território norte-americano, em concreto no Alabama, onde vão se produzem o GLE, o GLS, EQE Suv, e o EQS Suv.
No caso do CFO da General Motors, Paul Jacobson, este admitiu que as tarifas poderiam levar a que a fabricante pondera-se onde constrói certos produtos. Paul Jacobson, citado pela CNN, reforçou que num cenário em que as tarifas se tornassem permanentes existiriam certos dossiers sobre os quais era preciso pensar tais como “onde se localizam as fábricas e para onde se moveriam as fábricas, etc…”.
Para o economista do Banco Carregosa, Paulo Monteiro Rosa, as tarifas podem ter várias consequências para os fabricantes automóveis. Entre elas está o aumento dos preços no consumidor “tornando-os menos competitivos” no mercado norte-americano.
Essa hipótese já foi admitida pelo CEO da Ford, Jim Farley, como adianta a publicação dedicada ao setor automóvel Motor1. O responsável executivo da fabricante admitiu que as tarifas poderiam “limpar” mil milhões de lucros à indústria, o que poderia levar a preços mais elevados para os consumidores.
Paulo Monteiro Rosa considera que as tarifas podem também colocar pressão sobre as margens de lucro dos fabricantes automóveis. “As empresas que não conseguirem transferir os custos adicionais para os consumidores poderão ver as suas margens de lucro comprimidas, afetando a rentabilidade, podendo resultar em cortes de custos noutras áreas”, alerta o economista do Banco Carregosa.
O economista do Banco Carregosa clarifica que esta pressão será maior naqueles fabricantes que tenham “dependência significativa” de importações do Canadá, México e China.
“As empresas terão de avaliar estratégias como a realocação da produção, ajustes nos preços ou absorção dos custos adicionais para mitigar os efeitos nas suas operações e rentabilidade”, elenca o economista do Banco Carregosa.
Neste contexto desafiante para as construtoras automóveis, a Mercedes-Benz anunciou na passada quinta-feira que iria proceder a despedimentos, que poderiam atingir entre os 10% e os 15%, nas áreas de vendas e de finanças. A fabricante possui também um plano para reduzir custos, em funções ligadas a escritório, no país, na ordem dos 33% (ou um terço) até 2027.
De acordo com a agência noticiosa Reuters, citando uma fonte, referiu que cerca de duas mil pessoas que trabalham nas áreas de pesquisa e desenvolvimento na Mercedes-Benz China não devem ser afetados por estes cortes previstos acontecer até 2027.
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