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Simplex Urbanístico: “Faltam peças no puzzle” deste novo regime, alertam especialistas

O Simplex Urbanístico entrou em vigor na segunda-feira e esteve em debate na conferência promovida pela sociedade de advogados Cuatrecasas, que teve o ‘Jornal Económico’ como mediapartner, tendo juntado vários responsáveis do sector imobiliário que apelaram para um entendimento com o regulador, mas deixaram um alerta sobre os riscos que recaem sobre os investidores privados com o novo regime.
5 Março 2024, 07h30

Diálogo, monitorização ou falta de tempo para reflexão foram algumas das ideias sobre o novo Simplex Urbanístico que entrou em vigor no dia 4 de março e que resultaram da conferência ‘Simplex Urbanístico: oportunidades e desafios’. promovida pela sociedade de advogados Cuatrecasas, que contou com o Jornal Económico como media partner e que juntou vários responsáveis do sector imobiliário.

Nuno Sá Carvalho, managing partner e sócio coordenador da área de Imobiliário e Urbanismo da Cuatrecasas, abriu o evento referindo que tem existido um “desfasamento” entre a realidade no mercado imobiliário e aquilo que a legislação estabelece. E, defendeu, apesar da entrada em vigor do Simplex Urbanístico que há ainda muito por fazer no sentido de dinamizar o mercado imobiliário com vista a aumentar a oferta de habitação em Portugal.

“Acho que muito haverá a fazer por todos a partir desta reforma. Desde logo o Estado, que publicou esta reforma mais ou menos atabalhoada e não se pode demitir. Tivemos mais de 20 alterações no último regime em vigor. Temos de aceitar a tentativa e o erro. O Estado tem de estar atento, assim como os advogados para evoluir neste modelo que é proposto”, afirmou.

Nuno Sá Carvalho considerou que pode haver um risco de “precipitação de todo o novo paradigma, que ainda não foi absorvido pelo mercado”, pois “há peças que faltam no puzzle”.

“Esta proposta assenta numa desregulação do sector. O novo regime aponta para uma obrigatoriedade em que o promotor vai por sua conta e risco”, afirmou o advogado, defendendo que em alguns momentos o business plan dos promotores terá de ser mais conservador.

Promotores querem Governo a monitorizar Simplex pelas autarquias

Precisamente para chamar a atenção do Estado, o presidente da Associação Portuguesa de Promotores e Investidores Imobiliários (APPII). Hugo Santos Ferreira defendeu que o “verdadeiro Simplex” vai dar-se a conhecer à medida que as câmaras municipais o tentarem “contornar” e que o Governo deve estar atento a esse fenómeno.

“Vamos apoiar e acompanhar o Simplex, porque sem isso não vamos ter um verdadeiro Simplex. Queremos mais celeridade, mas vamos ter de sacrificar a segurança jurídica no negócio imobiliário. Essa celeridade vai ser suficiente em termos de riscos e custos para ganhar à segurança jurídica do negócio imobiliário?”, questionou o presidente da APPII.

Apresentado há dois meses, o simplex é um documento que ainda transmite poucas certezas, mas só o facto de levantar dúvidas já é positivo para o presidente da APPII.

“O Simplex pretendeu ser uma pedra no charco. Continuar como estávamos era inadmissível para o sector e para os portugueses. Essa é a primeira grande vitória. Há décadas que o sector imobiliário reclamava um simplex urbanístico. Não é um documento unânime, mas é consensual”, afirmou.

Risco pode recair sobre os privados

Sobre o processo de elaboração de um business plan após a entrada em vigor do novo Simplex Urbanístico falou Nuno Vicente Santos, responsável em Portugal da RE Capital, salientando que “passou a ser um desafio acrescido”, uma vez que a nova legislação, que entrou na segunda-feira em vigor, aumenta o risco que os promotores e investidores privados assumem em cada projeto.

“Fazer um business plan no pós-Simplex não é tão Simplex assim, já que aumenta os riscos para os investidores privados. A questão é a incerteza do risco e é aqui que peca o Simplex”, afirmou o responsável da gestora de investimento imobiliário.

Nuno Vicente Santos realçou que, com o aumento do risco que têm de assumir, os investidores vão adotar uma postura mais conservadora, assim como o sector bancário. “Ao nível do financiamento a banca vai ter uma postura mais conservadora. Os bancos vão ter muito mais monitorização do projeto em si”, sublinhou.

Quem também alinhou por este diapasão foi André Caiado, CEO da Contacto Atlântico Architecture que associou a entrada em vigor do Simplex Urbanístico a “um admirável mundo de total e completa e mudança” em Portugal, alertando para o risco que recai sobre os privados.

“Na crise entre 2009 e 2013, por imposição do FMI modificou-se a lei e pudemos reabilitar parte do centro das cidades. Mas noutros países com leis diferentes, como a República Checa, é diferente. Praga que está toda reabilitada”, exemplificou, questionando a razão de o mesmo não ter acontecido em Portugal.

Nesse período, recordou, “havia dinheiro e interessados”, mas “não se conseguia reabilitar a tempo”. “Porque o máximo risco de alteração deixou de ser o custo de construção e a relação com o construtor e passou a ser o licenciamento, a obtenção de uma licença”, referiu.

Quem deixou críticas ao tema da demora nos licenciamentos foi Luís Corrêa de Barros, CEO e acionista da Habitat Invest, associando a “morosidade” dos processos de licenciamento em Portugal a um cenário de “incerteza” e “risco” para promotores e investidores.

“Uma tragédia. Projetos que nós pensávamos demorar três anos, demoravam cinco ou seis anos. Isto dava cabo do racional económico e, portanto, os retornos esperados não eram minimamente parecidos com aqueles que ela dava início”, realçou, acrescentando que “os retornos esperados não eram minimamente parecidos com aqueles que eram dados no início. E, portanto, era com esta incerteza que eu acho que era impossível de se trabalhar e acho que aqui é que estava o risco”.

Para o responsável o importante é começar a construir, classificando a “falta de oferta de habitações” em Portugal como “uma desgraça”. “Nunca se construiu tão pouco como nos últimos anos”, salientou.

“Faltou tempo para refletir o novo regime”

Apesar de se mostrarem entusiasmados com a entrada em vigor do novo Simplex Urbanístico, os promotores turísticos alegam que o curto espaço de tempo e que o mesmo foi publicado não permitiu a melhor reflexão possível por parte dos players deste segmento do mercado imobiliário.

“É um exercício complicado porque este diploma não nos deu tempo para refletir. Temos 10 diplomas que são diretamente alterados e outros que têm de ser articulados. Depois não temos guidelines. Não sabemos muito bem para que direção vamos e isso não é bom para os projetos que estão em andamento ou na calha para avançar”, afirmou Margarida Osório Amorim, responsável jurídico da United Investments Portugal.

Por sua vez, Telmo Ferreira, responsável na Ibéria da Klepierre Management Portugal considerou que é importante dialogar para encontrar a melhor forma de agilizar os processos. “O centro comercial vive da capacidade de atrair novos conceitos. O pior que podemos fazer é diabolizar este regime. O diálogo é relevante com as câmaras municipais”, afirmou o responsável da empresa ligada ao segmento do retalho, acrescentando que os players envolvidos neste sector não devem ter receio de assumir as novas responsabilidades que este novo regime vai trazer.

“O que é simplificar é bem-vindo, não temos de ter medo da responsabilidade. Estamos condenados a entender-nos e a encontrar um regime que sirva todas as necessidades”, salientou Telmo Ferreira.

Já André Machado, diretor de Gestão de Ativos da Logicor Portugal salientou que também o sector da logística é penalizado pela morosidade dos processos de licenciamento, assumindo que vê as novas reformas “como um passo positivo”.

“A barreira que mais temos enfrentado é a do tempo. “Vemos naturalmente com bons olhos tudo o que seja para simplificar e acelerar o processo para a entrega, quer de armazéns, quer da habitação, quer de outros de outros imóveis”.

Ligado a esta morosidade processual, o mesmo responsável alerta para a falta de recursos em algumas autarquias, dando como exemplo o caso da Azambuja, que tem poucas pessoas (nestes processos) e “imensos investidores a submeter projetos”.

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