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Sofia Cartó: “O lobby continua a ser visto, de forma errada, como sinónimo de corrupção”

Em entrevista ao Jornal Económico (JE), a ex-presidente da Associação Public Affairs Portugal (PAPT), que passou a pasta a Rita Serrabulho há poucos dias, abordou o atraso na regulamentação da atividade de lobby em Portugal, olhando com otimismo para os avanços dos Governos da Aliança Democrática (AD) neste campo.
15 Julho 2025, 07h00

A representação de interesses – salvaguardada a transparência no seu exercício – é “uma ferramenta essencial da democracia”, afirma Sofia Cartó, antiga presidente da Associação Public Affairs Portugal (PAPT), alertando que Portugal “perde bastante por ainda não ter regulamentado a atividade de lobby“. 

A representação de interesses – salvaguardada a transparência no seu exercício – é “uma ferramenta essencial da democracia”, afirma Sofia Cartó, antiga presidente da Associação Public Affairs Portugal (PAPT), alertando que Portugal “perde bastante por ainda não ter regulamentado a atividade de lobby”.

Em entrevista ao Jornal Económico (JE), a mesma responsável, que acabou de passar a pasta a Rita Serrabulho, até então vice-presidente da PAPT, abordou o atraso na regulamentação da atividade de lobby no país. Contudo, olha com otimismo para os avanços dos Governos da Aliança Democrática (AD) neste campo. “Deve ser o impulso decisivo para que a regulamentação da representação de interesses se concretize, finalmente, em Portugal”, afirmou Sofia Cartó.

“Estamos em 2025 e Portugal é uma das últimas democracias europeias sem uma lei que regule a representação de interesses”, escreveu recentemente. Que leitura faz desta realidade?

O que mais me preocupa, enquanto cidadã e profissional de public affairs, é a perceção negativa que persiste em torno desta atividade, precisamente por não haver um enquadramento legal claro. O lobby continua a ser visto, de forma errada, como sinónimo de corrupção. Para muitos portugueses — independentemente do seu nível de escolaridade ou acesso à informação — lobby é ainda associado à “cunha”, ao “jeitinho”, à influência exercida pelos “amigos do costume” sobre os decisores políticos.

Infelizmente, esta visão é reforçada pela inação em sucessivas legislaturas. Há mais de uma década que existem propostas para regulamentar a atividade, mas nunca se chegou a um consenso. Mais recentemente, a inclusão da regulamentação do lobbying na Agenda Anti-Corrupção e no plano de Governo como medida de prevenção deste fenómeno, de forma prioritária, contribuiu ainda mais para esta associação incorreta entre representação de interesses e práticas ilícitas.

É também importante reconhecer que a perceção pública foi agravada pelos episódios que levaram à dissolução de dois governos num curto espaço de tempo, ambos ligados a suspeitas sobre a integridade na tomada de decisão pública. Esses acontecimentos não só mancharam a imagem das instituições, como também ajudaram a adiar, mais uma vez, a discussão séria sobre o tema.

É crucial esclarecer, de forma inequívoca, que a representação de interesses, quando exercida com transparência, através de meios legítimos e dentro de regras claras e acessíveis a todos — profissionais e decisores —, é uma ferramenta essencial da democracia. Representa a participação dos cidadãos e das organizações no processo de elaboração de políticas públicas. Para os decisores, é também uma forma eficaz de aceder a conhecimento, dados e perspetivas da sociedade, contribuindo para políticas públicas mais informadas, realistas e eficazes.

O que espera deste Governo?

Que este Governo atribua à regulamentação da representação de interesses a prioridade e a celeridade que o tema exige — e que o passar dos anos só veio tornar mais urgente.

Já foram apresentadas várias propostas de Projeto de Lei na Assembleia da República. Houve diferentes versões, múltiplas discussões e evoluções sucessivas. Hoje, existe um consenso significativo entre os partidos sobre os principais termos da regulamentação, as ferramentas a aplicar e os mecanismos de implementação. Para além disso, contamos com casos de estudo concretos — tanto no contexto da União Europeia (UE) como em diversos Estados-Membros — que comprovam a eficácia e viabilidade deste tipo de enquadramento legal.

O facto de os Governos da Aliança Democrática (AD) terem assumido esta medida como prioritária é extremamente positivo. Deve ser o impulso decisivo para que a regulamentação da representação de interesses se concretize, finalmente, em Portugal.

Neste momento, todos os elementos estão reunidos: há consenso político, referências internacionais e conhecimento técnico. O que é preciso agora é não perder o ritmo. É fundamental resistir à tentação de voltar a estudos, análises ou novos grupos de trabalho. A prioridade deve ser a implementação.

Portugal perde com a falta de regulamentação do lobby? Porquê?

Sim, Portugal perde — e perde bastante — por ainda não ter regulamentado a atividade de lobby. Perde, antes de mais, em confiança e credibilidade: enquanto país, perante os seus pares europeus, e nas várias instâncias governamentais e supranacionais em que participa. Perde também a confiança dos seus próprios cidadãos no sistema político e na integridade da decisão pública, o que enfraquece a participação democrática e alimenta o afastamento da sociedade em relação às instituições.

Do ponto de vista económico, a falta de regras claras gera incerteza. Os investidores internacionais procuram transparência, previsibilidade e segurança jurídica. Sem um enquadramento claro para a representação de interesses, o país transmite sinais de opacidade e falta de maturidade institucional — fatores que afastam investimento e reduzem a nossa competitividade.

As empresas nacionais, independentemente da sua dimensão, precisam de saber que podem participar na definição de políticas públicas que as afetam — e que o podem fazer de forma transparente, equitativa e legítima. Já as multinacionais, especialmente aquelas com presença em bolsa, exigem regras claras nas interações com decisores políticos, não apenas por questões de compliance, mas também para prevenir qualquer risco reputacional.

A ausência de regulamentação mina a confiança de cidadãos, empresas e investidores. E sem confiança, perdemos participação, investimento e capacidade de influência — tanto internamente como no plano internacional.

Como é que a PAPT atuou nesta matéria durante o seu mandato?

Ao longo deste primeiro ano, a PAPT tem trabalhado ativamente para promover uma representação de interesses mais profissional, ética e transparente, quer através da autorregulação, quer do diálogo institucional.

No plano da autorregulação, destacamos a criação e adoção de um Código de Conduta, comum a todos os associados, e o investimento em ações de formação e sensibilização junto das empresas, promovendo uma compreensão clara do que é o lobbying e como deve ser exercido. Estabelecemos também parcerias com a academia para apoiar a formação de novos profissionais nesta área.

De forma mais específica, temos cooperado com decisores políticos envolvidos na regulamentação, tanto no Governo como no Parlamento. Apresentámos contributos escritos e participámos ativamente na discussão dos projetos de lei, na consulta pública da Agenda Anticorrupção e nos trabalhos da comissão parlamentar para o acompanhamento da execução da Agenda Anticorrupção.

A nossa atuação parte da convicção de que a qualidade da decisão pública melhora quando assente em processos participados, informados e transparentes — e é nesse sentido que temos contribuído.

São a primeira associação representativa do lobbying em Portugal. Com menos de um ano, que caminho já foi percorrido? Como é que o mercado reagiu a esta entrada?

A Public Affairs Portugal (PAPT) nasceu da convicção partilhada pelos seus fundadores de que já era tempo — e claramente necessário — criar uma associação representativa do setor dos assuntos públicos em Portugal. Uma entidade que funcionasse como ponto de encontro entre profissionais e organizações, promovendo a colaboração, a partilha de experiências, a profissionalização e o reconhecimento da atividade.

Desde o início, abrimos a associação a diferentes tipos de associados: profissionais individuais, empresas que prestam serviços de public affairs a terceiros, organizações com departamentos internos de assuntos públicos ou governamentais, bem como ONGs que desenvolvem representação de interesses em nome próprio. Esta diversidade reflete a realidade plural do setor e tem sido uma grande mais-valia.

A reação do mercado tem sido extremamente positiva. O facto de tantas organizações e profissionais, com perfis diversos, se terem juntado à PAPT desde o primeiro momento confirma que havia uma necessidade real de um espaço comum, onde se possam discutir temas transversais, construir sinergias e reforçar a identidade do setor.

Ao longo deste primeiro ano, o feedback tem sido muito encorajador e construtivo, o que representa um sinal claro de que a PAPT veio preencher uma lacuna e pode ter um papel relevante no desenvolvimento dos public affairs em Portugal.

Como descreve a evolução do setor dos assuntos públicos em Portugal?

A evolução tem sido bastante significativa, especialmente nos últimos anos. As empresas em Portugal estão cada vez mais conscientes da importância de manter uma relação estratégica com os diferentes stakeholders na esfera da governação — e de o fazer com método, ética e transparência.

Esse movimento tem sido impulsionado, sobretudo, pelas grandes empresas e multinacionais, habituadas a operar em mercados onde a representação de interesses já está regulamentada, como é o caso de Bruxelas. Mas, com a crescente internacionalização das empresas portuguesas, essa consciência está a chegar também às pequenas e médias empresas, que percebem o valor de estarem junto dos decisores certos nos momentos certos.

O mercado tem respondido de forma clara: na consultoria, há um reforço das equipas especializadas em public affairs e o surgimento de novas empresas na área. Também temos observado um maior interesse de multinacionais que olham para Portugal como um mercado com potencial neste domínio.

Por outro lado, cada vez mais empresas nacionais estão a criar departamentos internos dedicados à representação dos seus interesses, sinal de maturidade e de valorização estratégica desta atividade.

Quais foram as suas prioridades e que balanço faz do seu mandato?

Neste primeiro ano de atividade da Public Affairs Portugal, a equipa fundadora teve como principal prioridade estabelecer e posicionar a PAPT como a associação representativa do setor dos assuntos públicos em Portugal — uma plataforma para profissionais e organizações que atuam nesta área, unidas por padrões de ética, transparência e responsabilidade.

A partir dessa base, definimos dois grandes objetivos: ser a referência nacional em matéria de public affairs, tanto como fonte de conhecimento e informação para profissionais, decisores e sociedade civil; e assumir um papel de liderança no debate sobre ética e deontologia na atividade, alinhando-nos com as melhores práticas já existentes na Europa.

Em termos concretos, um foco prioritário foi a colaboração com decisores políticos para contribuir de forma ativa para a regulamentação da representação de interesses. Como já referi, a nossa posição — próxima da realidade dos profissionais portugueses e em contacto direto com associações congéneres europeias — coloca-nos numa posição privilegiada para apoiar não só o desenho da legislação, mas também a sua implementação prática.

Paralelamente, houve todo um trabalho essencial, menos visível, mas determinante: a criação e estruturação da associação. Desde muito antes da apresentação pública da PAPT, a equipa fundadora esteve envolvida num processo intenso de reflexão, definição estratégica e operacionalização — uma fase desafiante, mas também extremamente gratificante.

O balanço destes dois anos de trabalho conjunto é claramente muito positivo. A adesão dos associados, o reconhecimento do setor e o diálogo construtivo com decisores políticos mostram que estamos no caminho certo. Foi um ano intenso, de que poderei ter sido a face mais visível, mas que resulta de um esforço coletivo da equipa fundadora, focado nos associados diversos e na vontade comum de fortalecer o setor de forma profissional e transparente.

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