No dia 4 de março de 2001, a queda parcial da estrutura do tabuleiro da ponte Hintze Ribeiro (que fazia a ligação de Entre-os-Rios a Castelo de Paiva) projetou um autocarro e três automóveis ligeiros para as águas do rio Douro. Morreram 59 pessoas. Só foram encontrados 23 corpos, alguns dos quais na costa da Galiza, a centenas de quilómetros de distância e semanas mais tarde.
O colapso da ponte foi uma tragédia pré-anunciada pelo presidente da Câmara Municipal de Entre-os-Rios, Paulo Teixeira, que em 1999 já tinha alertado: “Esperamos que não seja necessária uma tragédia para que se construa uma nova ponte”. Era uma infraestrutura antiga (construída em 1888) e visivelmente degradada. Em janeiro de 2001, aliás, a população local manifestara-se contra o mau estado da ponte, reivindicando melhores acessos rodoviários.
Na manhã seguinte ao colapso da ponte, o ministro do Equipamento Social, Jorge Coelho, apresentou a sua demissão. “Assumo a responsabilidade política”, declarou Coelho, elemento-chave no Governo liderado por António Guterres, do PS. “Não ficaria bem com a minha consciência se não o fizesse”.
Poucos dias depois formou-se uma comissão parlamentar de inquérito “sobre as causas, consequências e responsabilidades com acidente resultante do desabamento da ponte sobre o rio Douro em Entre-os-Rios”, a qual viria a concluir que a queda do tabuleiro resultou do desabamento de um pilar que estava assente em estacas de madeira. A causa direta identificada foi a descida do leito do rio, provocada pela extração de areias.
O caso foi levado a julgamento. No dia 20 de outubro de 2006, os seis arguidos (quatro engenheiros da antiga Junta Autónoma de Estradas e outros dois de uma empresa projetista) foram absolvidos dos crimes de negligência e violação das regras técnicas. A juíza sustentou que na altura das inspeções à ponte realizadas pela Junta Autónoma de Estradas não existiam ainda regras técnicas que enquadrassem a atuação dos peritos.
Exceto Coelho, por iniciativa própria e no plano político, ninguém foi responsabilizado pela tragédia de Entre-os-Rios. Aos familiares das vítimas ainda seriam cobradas as custas judiciais do processo. Mas esse valor acabou por ser coberto pelas indemnizações que receberam do Estado, por decisão do Governo em 2009. Cerca de 50 mil euros para cada família.
Nexo de causalidade e vazio legal
Entre outubro e dezembro de 2014, com epicentro no município de Vila Franca de Xira, um surto de doença dos legionários, provocado por bactérias do género legionella, infetou mais de 400 pessoas e causou 14 vítimas mortais. A origem do surto foi localizada nas torres de refrigeração de uma fábrica da ADP Fertilizantes em Vila Franca de Xira. As bactérias foram aeorossolizadas através de uma das torres e posteriormente inaladas por pessoas na região circundante.
Na sequência de várias investigações e inquéritos, o Ministério Público acabou por concluir, em março de 2017, que só foi possível estabelecer um nexo de causalidade em relação a 73 pessoas. Nos restantes casos “mostrou-se inviável a recolha de amostras clínicas ou, nestas, não foi identificada estirpe ou a estirpe identificada era distinta da detetada nas amostas ambientais recolhidas”, justificou na altura a Procuradoria-Geral Distrital de Lisboa. Como tal, os procuradores determinaram “o arquivamento parcial do inquérito quanto a possíveis responsabilidades criminais por falta de provas indiciárias”.
Por outro lado, o Ministério Público decidiu arquivar o eventual “crime de poluição com perigo comum”, na medida em que a legislação portuguesa (ao contrário do que se verifica noutros países europeus, como por exemplo na vizinha Espanha) é omissa no que respeita à doença dos legionários e bactérias do género legionella. Mas requereu o jugalmento de nove arguidos (sete indivíduos e duas empresas) pela prática dos crimes de infração de regras de construção, dano em instalações e perturbação de serviços e ofensas à integridade física por negligência.
Em declarações ao jornal “Expresso”, o advogado da ADP Fertilizantes, José Eduardo Martins (ex-secretário de Estado do Ambiente e ex-deputado do PSD), registou “com agrado o arquivamento do crime de poluição, desautorizando assim todas as autoridades que apontaram a prática desse crime à ADP”. E sublinhou: “Em tribunal provaremos que não ocorreu a prática de qualquer tipo de crime”.
Cerca de 60 das vítimas excluídas do nexo de causalidade avançaram com processos cíveis, pedindo indeminizações à empresa ADP Fertilizantes. Também a Câmara Municipal de Vila Franca de Xira reclama uma indemnização cível por danos patrimoniais relacionados com os gastos que fez durante o surto e os prejuízos para a sua imagem. Não têm surgido notícias quanto ao andamento dos processos e respetivos julgamentos. Passados quatro anos, ainda ninguém foi responsabilizado pelo sucedido.
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