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Trump vs. Powell: uma quase comédia que não faz os mercados sorrir

A visita de Trump à Reserva Federal teve momentos de comédia involuntária, mas o sinal subjacente não dá vontade de rir: o ataque da Casa Branca à independência das instituições norte-americanas ameaça minar a confiança internacional na maior economia do mundo. E o presidente não deve ter o corte de juros que tanto quer na próxima semana.
28 Julho 2025, 07h00

Mais um capítulo inédito na presidência norte-americana e na atribulada relação entre Donald Trump e Jerome Powell, líder da Reserva Federal, ficou escrito na quinta-feira com a visita do presidente ao banco central, supostamente para avaliar como estão a correr as obras de renovação do edifício. Dado o historial entre os dois e as ameaças de Trump de que despediria Powell, a visita foi vista como nova forma de pressão ao chefe da autoridade monetária, mas o magnata nova-iorquino está ainda por usar o seu célebre slogan dos tempos dos reality shows.

De capacetes de proteção na cabeça e plantas arquitetónicas nas mãos, o presidente dos EUA e o presidente da Reserva Federal protagonizaram um espetáculo mediático com tons de comédia involuntária, mas que marca novo sinal de preocupação quanto à independência das instituições norte-americanas no mandato de Trump. A visita do 47º presidente à sede da Fed foi, além de rara, uma demonstração de um poder cada vez mais abrangente que ameaça hipotecar a confiança internacional na potência hegemónica das últimas décadas.

Trump pressionou Powell quanto aos números da renovação em curso da sede da Reserva Federal em Washington, DC, acusando o banqueiro de permitir uma derrapagem de 700 milhões de dólares (597,4 milhões de euros), elevando o custo do projeto para 3,1 mil milhões de dólares (2,6 mil milhões de euros). Perante a rejeição de Powell destes números, Trump reforçou a acusação.

“[Os números] Acabaram de ser conhecidos”, afirmou o presidente dos EUA, tirando um pequeno papel do bolso. Para se ter uma noção da escala, 700 milhões de dólares é o equivalente a uma semana de leilões do Tesouro norte-americano – uma gota de água no orçamento da maior economia do mundo.

Nigel Green, CEO do Grupo deVere, argumenta que “as críticas pessoais do presidente a Jay Powell são mais do que teatro político” que arrisca ser “corrosivo” para a economia norte-americana, à medida que os investidores globais perdem confiança na sua solidez institucional. Esta tendência já começa a ser visível nos mercados, dado o menor apetite por exposição aos EUA e uma maior rotação para os mercados asiático e europeu.

Apesar de questionar publicamente a gestão das obras na sede da Reserva Federal e ter novamente pressionado Powell a cortar taxas, Trump recuou nas ameaças de despedimento, não chegando a usar o seu slogan dos tempos d’”O Aprendiz”, reality show que o tornou uma cara famosa de inúmeros lares no mundo. Ainda assim, os mercados tomam a pressão e as sugestões passadas de que poderia afastar Powell como um sinal claro da abertura do presidente a interferir com o banco central.

A visão dos analistas é que, caso Powell fosse despedido, os efeitos negativos teriam várias origens. O mercado reagiria no curto prazo com taxas mais baixas, mas as preocupações quanto à inflação de médio prazo aumentariam, levando a um disparo nos títulos do Tesouro. E, se o impacto das tarifas na inflação e confiança pode ser revertido, um ataque à independência das instituições é mais difícil.

“Qualquer redução da independência da Fed provavelmente agravaria os riscos ascendentes à inflação, que já está pressionada pelas tarifas e expectativas ligeiramente altas”, lê-se numa nota do JPMorgan Chase. O mandato de Powell à frente do banco central termina e maio do próximo ano, mas o seu lugar como um dos doze governadores com poder de voto nas decisões de política monetária expira apenas em 2028.

O 47º inquilino da Casa Branca não deverá ter o corte que deseja na próxima semana, quando a Fed reúne pela última vez antes da pausa de verão. O CMEGroup aponta para uma probabilidade estimada pelo mercado de 97,4% a uma reunião sem mexidas, o que manteria os juros de referência entre 4,25% e 4,5%. A Fed já explicou que quer mais clareza quanto ao real impacto da política comercial na economia real, sendo que a decisão do banco central é anunciada na véspera do prazo imposto por Washington para a obtenção de acordos comerciais pelos seus parceiros, a 1 de agosto.

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