Na semana passada, o primeiro-ministro grego Alexis Tsipras deu uma entrevista ao Guardian onde assumiu “grandes erros” na condução da política helénica no período pós-eleitoral de 2014. Assumir responsabilidades nunca é fácil, mas se é verdade que a crise da economia grega foi reforçada na dimensão e duração devido à política errática do Syriza, não é menos verdade que a tragédia já tinha ganho proporções bíblicas muito antes de 2015. No momento em que a Grécia começa finalmente a mostrar os primeiros sinais de recuperação, convém dar um passo atrás e olhar com mais distanciamento para aquela que foi a maior tragédia macroeconómica das economias desenvolvidas pelo menos desde os anos 30.
Um dos maiores erros de quem discute o programa grego sem os principais números à mão é a tendência para colocar a crise da Grécia no mesmo lote da “crise dos países periféricos”, como se as semelhanças fossem mais do que as diferenças. Cria nos leitores a impressão de que as crises foram todas iguais, ou pelo menos aproximadas, quando a Grécia é claramente um caso à parte. Um exemplo concreto (que podia ser alargado a outras áreas mas que é em si mesmo revelador): entre 2007 e 2016, o PIB per capita grego contraiu 24,6%. Os valores correspondentes para Portugal e Espanha são de 3,6% e 5,4%, reduções do PIB por habitante cerca de cinco vezes inferiores às da fasquia grega (quanto aos da Irlanda, nem vale a pena falar: o PIB per capita é hoje bem mais alto do que no início da crise).
Duas Grandes Depressões
Para encontrar um paralelo mais apropriado é preciso sair das bases de dados convencionais (FMI, Comissão Europeia, etc.), que por norma começam nos anos 70/80, e mergulhar nos arquivos bolorentos da história económica mundial. E se acedermos a essas bases (neste caso, a fonte em questão é a Angus Madisson, disponível na OCDE), descobriremos que a Grande Depressão americana fornece um exemplo muito mais apropriado para comparar a crise grega.
A infografia ao lado compara a evolução do PIB da Grécia durante a sua crise com o perfil do PIB americano ao longo da Grande Depressão. A imagem mostra que a Depressão dos EUA foi mais cavada nos primeiros tempos: quatro anos após o crash da bolsa de Outubro de 1929, o PIB per capita estava cerca de 30% mais pequeno do que no início do período; mas também revela como a recuperação posterior foi mais robusta. Se no caso da Grécia a economia foi de trambolhão em trambolhão (2008-2013) até ficar em ‘banho maria’ durante um período prolongado (2014-2016), no caso dos EUA a retoma foi tão abrupta e vigorosa quanto a queda. Em 1940, já tinha atingido o nível de 1929 e estava a caminho de cinco anos de crescimento médio na casa dos 15% (quinze por cento – não é mesmo gralha).
Há outra grande diferença entre a Grande Depressão americana e a Grande Depressão grega. A primeira constituiu um choque tão grande para a época que levou à criação de um campo de investigação inteiramente novo, preocupado com o desemprego e os ciclos económicos (a macroeconomia). Entrou para os livros de História e inspirou uma série de livros de vários autores – sendo John Steinbeck provavelmente o nome mais importante. Já a segunda o máximo que produziu, pelo menos até agora, foi um mea culpa do FMI em relação ao figurino do programa de ajustamento desenhado em 2010. O corolário é que hoje em dia poucos reconhecem a gravidade do que se passou na Grécia, e os primeiros sinais de crescimento são logo noticiados como uma “recuperação”, passando-se por cima do facto de que sob as actuais perspectivas económicas será preciso esperar bem mais de uma década para que a actividade volte ao nível pré-crise.
A infografia do lado também documenta outro facto curioso, extraído da mesma base de dados de Angus Madisson. Quase todas as economias têm períodos de crescimento e contracção, de aceleração e de travagem. Mas os problemas de natureza puramente económica raramente deixam um rastro de destruição tão intenso como o que se verificou na Grécia. Nos países avançados, nem as crises petrolíferas do final dos anos 80, o crash da bolsa de 1987, o rebentar da bolha das dot.com, o 11 de Setembro ou as ondas de choque das falências bancárias do Sudeste Asiático (1997) provocaram quebras do PIB per capita superiores a 10%. Para encontrar casos desta gravidade é preciso recuar aos períodos conturbados da I e II Guerras Mundiais ou fazer fast-forward para o colapso da União Soviética, nos anos 90 – sem contar com estes momentos cataclísmicos, as economias desenvolvidas têm mostrado uma resiliência notável.
Regozijo prematuro
Foi esta aparente estabilidade que levou o Nobel da Economia Robert Lucas a dizer, em 2003, que o objectivo primordial da macroeconomia tinha sido atingido: “O problema central da prevenção das grandes depressões foi resolvido e, para todos os efeitos práticos, está arrumado há várias décadas”. A afirmação terá sido bem mais do que o capricho sobranceiro de um pais da macroeconomia, porque pouco depois foi repetida pelo americano Gregory Mankiw, que vaticinou que crises semelhantes à Grande Depressão dificilmente poderiam ocorrer no contexto de um país desenvolvido. A crise da Grécia está aí para mostrar que este regozijo foi claramente prematuro.
Artigo publicado na edição digital do Jornal Económico. Assine aqui para ter acesso aos nossos conteúdos em primeira mão.
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