Gabriel Maia, de 21 anos, mestrando em Engenharia Informática e de Computadores, no Instituto Superior Técnico, criou no início de 2017 um site e, posteriormente, uma aplicação para partilhar informação sobre o funcionamento do Metropolitano de Lisboa. O projeto UnderLX começou a ser gerido apenas pelo estudante, mas, um ano depois, já conta com mais dois colaboradores e com os contributos dos utilizadores da aplicação móvel.
O UnderLX é agora gerido pela marca SegVault, um grupo que desenvolve software e administra sistemas de computadores, “que surgiu da necessidade de dar um nome e identidade para mais fácilmente promover os projetos” de cada membro. O sucesso do UnderLX – cujo financiamento parte de Gabriel Maia, que investe poucas dezenas de euros – é tal que até os responsáveis pelo metro já demosntraram interesse no projeto. Poderá até ser formada uma parceria entre o Metropolitano de Lisboa e o UnderLX no futuro, visto que “o trabalho ainda não está completo”.
O Jornal Económico contactou Gabriel Maia, por email, para saber mais sobre o UnderLX. Eis a entrevista feita a um jovem empreendedor que, por enquanto, não tem interesse em alargar a ação do projeto a outras áreas de transportes – dentro e fora da Grande Lisboa.
Como e quando surgiu a ideia para o UnderLX? E o que nasceu primeiro: o site ou a aplicação?
A ideia de fazer um projeto relacionado com o metro de Lisboa surgiu no início do ano passado. Eu percebi que várias pessoas estavam a obter a informação sobre o estado das linhas a partir do site do Metro, e a publicá-la no Twitter, mas não existia ainda um sistema que guardasse e analisasse essa informação de forma sistemática – assim nasceu o site, que já recolhe dados desde meados de março do ano passado.
A aplicação surgiu pouco depois: eu tinha algumas ideias sobre funcionalidades inovadoras que poderiam ser incluídas, e percebi que havia espaço no mercado, até porque neste momento o Metro não tem uma aplicação oficial.
Qual o objetivo do UnderLX?
Por um lado, o UnderLX pretende ajudar na utilização do metro, otimizando a utilização da rede existente e contornando as falhas do serviço. Por outro lado, recolhemos também informações sobre o estado e a evolução do serviço. Acreditamos que se for prestada melhor informação aos utilizadores os transportes públicos tornam-se numa alternativa mais apelativa. Finalmente, com as informações que recolhemos, esperamos conseguir entender melhor a utilização do metro de Lisboa e, assim, compreender melhor algumas decisões que têm sido tomadas nos últimos anos.
Quantas pessoas estão envolvidas no UnderLX?
Durante os primeiros meses, trabalhei sozinho, mas rapidamente várias pessoas mostraram interesse em ajudar. Além de mim, existem mais duas pessoas a trabalhar de forma mais ativa neste projeto, mas, tratando-se de um projeto de código aberto e em que a comunidade de utilizadores é muito ativa, o projeto já conta com a colaboração de mais de uma dezena de pessoas, embora eu continue a ser o único responsável pelos aspetos mais técnicos. Para além da aplicação e do site, temos uma presença forte nas redes sociais, algo que continuaremos a explorar não só para promoção do projeto como também para informar as pessoas acerca de alterações e novidades relacionadas com o metro e com os transportes públicos em Lisboa.
Quanto tempo levou até montar uma base de dados de informações fiável sobre o metro de Lisboa?
Inicialmente, a nossa base de dados apenas continha informações sobre as perturbações conforme publicadas no site do Metropolitano de Lisboa. No entanto, hoje já temos uma variedade muito maior de dados, incluindo informação sobre as estações e ligações com outros transportes e serviços, que fomos recolhendo com a ajuda dos utilizadores, e milhares de registos de viagem, recolhidos de forma anónima pela aplicação, ao longo dos últimos meses. O trabalho ainda não está completo, há um longo caminho a percorrer, até porque quanto maior a amostra, melhor a qualidade estatística dos dados. Por exemplo, um dos nossos objetivos ao nível da informação que prestamos aos utilizadores é a apresentação dos tempos de espera dos comboios, no entanto, para tal, precisamos de bastantes mais utilizadores.
Como é que se mantém o site e a aplicação atualizados?
As informações sobre o estado das linhas são obtidas a partir do site do Metro. Já as informações sobre as estações são mantidas manualmente, através da colaboração dos utilizadores. Brevemente, passaremos também a utilizar os registos de viagem, entre outras informações submetidas pelos utilizadores, para os informar acerca de problemas que não correspondam a perturbações oficiais, como tempos de espera superiores ao tabelado para cada hora do dia.
Tem apoio do Metro de Lisboa no acesso à informação?
Não temos nenhum apoio explícito do Metro, mas indicaram-nos que poderíamos continuar a recolher as informações do estado das linhas, bem como outras informações sobre o estado do serviço que venham a surgir no site do Metropolitano de Lisboa. Ainda não obtivemos resposta ao nosso pedido para aceder à informação que mais nos interessava, a dos tempos de espera. Segundo o Metro, trata-se de um problema envolto em dificuldades técnicas que têm vindo a ser gradualmente resolvidas – continuaremos a aguardar.
Soube que houve contactos do Metropolitano de Lisboa com o UnderLX. Que reações tiveram com a atuação da UnderLX?
Ao longo do desenvolvimento do projeto, nunca contactámos o Metro por iniciativa própria, porque sempre considerámos que o projeto ainda não estava suficientemente maturo para ser apresentado. Em novembro, o nosso projeto apareceu pela primeira vez na comunicação social e, depois dessa exposição mediática, fomos contactados pelo Metropolitano de forma bastante simpática e informal, com vista a marcar uma reunião.
Tiveram o cuidado de nos assegurar que não nos estávamos a reunir por terem um problema com o nosso projeto, mas sim por terem efetivamente gostado dele. Reconheceram os problemas do Metro, explicaram-nos os motivos por detrás dos mesmos – incluindo as ‘dificuldades técnicas’ – e incentivaram-nos a não parar de mostrar a realidade do metro.
Discutiram-se ideias interessantes e deram-se sugestões, tanto da parte do Metro sobre o desenvolvimento da aplicação como da nossa parte sobre melhoramentos que o Metro poderia aplicar a nível comunicacional e corporativo. Houve também espaço para discutir uma eventual parceria – mais ou menos oficial, consoante os termos acordados -, mas essa é também uma questão que ficou em aberto. Penso que uma das ideias chave a retirar da reunião foi a abertura que houve para discutir, de forma franca, os problemas que existem, algo que contraria radicalmente a visão que a grande maioria das pessoas tem deste tipo de empresas.
Poderá o UnderLX tornar-se numa plataforma oficial do metro de Lisboa?
Os representantes com quem falámos pareceram bastante cativados pelo projeto e por todas as ideias que temos para o seu futuro. Quanto a tornar o UnderLX numa plataforma oficial, a hipótese foi colocada em cima da mesa, como uma possibilidade para o futuro. Possivelmente, o Metropolitano está à espera que o projeto mature um pouco, que a aplicação ganhe mais funcionalidades, para avançarem com uma proposta concreta. Dependendo das propostas que surgirem, estamos dispostos a tornar o projeto em algo oficial, ainda que tal implique algumas mudanças na ‘visão’ que temos.
Mas a estatística compilada pelo projeto pode ser uma “arma” de crítica ao serviço prestado pelo Metropolitano de Lisboa? Receia isso?
Sim, tanto que inicialmente o site era precisamente só isso – uma crítica bem-humorada ao serviço. Penso que não é algo a recear: quando os dados saem, são imparciais, dependendo das intenções de quem os apresenta. Podem servir de crítica positiva ou negativa.
Nós esforçamo-nos por mostrar os dados de forma imparcial e jamais os adulteraremos. É mais numa ótica de ajudar os utilizadores do metro e servir a curiosidade dos entusiastas e não tanto de criticar o serviço ou a empresa.
Acredita que a UnderLX tem capacidade para melhorar a utilização do metro por parte dos utentes?
Acredito e penso até que o UnderLX já o faz, embora de forma ainda limitada. Ao informar os utentes dos problemas sem que estes sequer entrem numa estação de metro, permite-lhes procurar alternativas de transporte de forma mais atempada, ou reorganizar a sua agenda para evitar os problemas. O Metro também fica a ganhar, pois quem tiver como evitar as estações afetadas, já não vai sobrecarregar os cais, que por vezes ficam demasiado cheios quando há atrasos. Nesse sentido, entendemos que quão mais detalhada for a informação em tempo real que o Metro torne pública, mais facilmente irá minimizar os transtornos para todas as partes e evitar até problemas de segurança que possam eventualmente ocorrer, por sobrelotação de estações ou comboios.
De que forma o projeto é financiado, visto que não há publicidade ou parcerias?
Neste momento, os custos operacionais do projeto são bastante baixos, poucas dezenas de euros por ano. Trata-se de um pequeno investimento que não dá retorno financeiro, mas dá bastante satisfação, especialmente quando percebemos que as pessoas gostam do projeto e o consideram útil.
Se a quantidade de utilizadores crescer dramaticamente – o que seria uma ótima notícia – e passarmos a precisar de mais recursos, de tal maneira que o financiamento pessoal do projeto deixe de ser uma opção, teremos de procurar parcerias, ou começar a solicitar donativos. A publicidade será sempre uma opção pouco apelativa, até porque tem um retorno muito reduzido, se considerarmos que tanto a aplicação como o site estão desenhados para minimizar o tempo que os utilizadores interagem com eles – e queremos que continuem assim.
Pretende alargar o serviço do UnderLX a outros serviços de transportes na área da Grande Lisboa, nomeadamente autocarros, comboios, barco?
A nossa intenção é ter uma solução completa para facilitar a utilização dos transportes urbanos da Grande Lisboa, mas neste momento estamos mais focados no metropolitano e é assim que iremos continuar a médio prazo. Quando comecei, concentrei-me no Metro por uma conjugação de oportunidades, fatores técnicos, e preferências pessoais.
Dependendo das oportunidades que surgirem, podemos expandir-nos para outros transportes mais rapidamente. Se tivermos a colaboração das empresas de transportes, ainda mais fácil se torna. No entanto, como este é um projeto desenvolvido nos nossos tempos livres, acaba sempre por ser uma questão de gestão de tempo. Acresce ainda o facto de a Carris, por exemplo, estar a desenvolver uma aplicação própria, que poderá vir a ter as mesmas funcionalidades, ou mais até, que poderíamos oferecer.
E noutras regiões do país, como o Porto, por exemplo, admite alargar a área de atuação do UnderLX?
Sim, mas, novamente, é algo que não está nos nossos planos a curto prazo. A nossa intenção é que o UnderLX seja muito bem integrado com os transportes que suporta, pelo que só faz sentido alargar o projeto para redes de transporte sobre as quais tenhamos “conhecimento de causa”, como utilizadores.
Estamos a concentrar-nos para já apenas em Lisboa e particularmente no metro, porque é o sistema que utilizamos com maior regularidade e porque, atualmente, apresenta uma infraestrutura ideal para a obtenção de dados. Quero que este projeto se diferencie por valorizar a qualidade acima da quantidade, caso contrário, ficaríamos apenas com uma aplicação de transportes genérica, como tantas outras.
O UnderLX tem concorrência?
Não tenho conhecimento de nenhuma aplicação que forneça toda a informação que a UnderLX fornece. As outras aplicações que conhecemos, incluindo a antiga app oficial do Metropolitano – que já não está disponível, por bons motivos -, são pouco mais que um mapa de rede interativo. Mas nada impede que alguém construa uma verdadeira alternativa ao UnderLX, talvez mesmo baseada no nosso trabalho – visto que a licença de código aberto do nosso projeto assim o permite.
A ‘concorrência’ terá sempre de encontrar utilizadores e construir a sua comunidade do zero, ou usar outras formas de manter a informação atualizada, e também não poderá utilizar o nosso nome e imagem. Penso que quem estiver interessado em desenvolver um projeto como o nosso terá sempre mais facilidade em trabalhar connosco do que como concorrente.
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