Luís Máximo dos Santos dissertava no encerramento da Conferência “20 anos Sérvulo” na sessão sobre o futuro do sistema financeiro, quando defendeu a criação de um Conselho de Ética Digital Global, “incumbido de definir as regras fundamentais e os valores mais básicos e universais de uma sociedade cada vez mais digital”.
“Um novo campo se abre para a regulação e / ou para a auto regulação, tendo em vista garantir que a transformação digital nos proporciona o ganho líquido individual e social que está ao seu alcance”, referiu o vice-Governador do Banco de Portugal.
Num mundo de utilização homogeneizada da tecnologia, o capital humano tenderá a ser o fator “que faz a diferença”, realçou. “A criatividade humana não é descartável. Pode até dizer-se que na era dos algoritmos ela é ainda mais decisiva. A utilização da tecnologia digital deve ser eticamente enquadrada, pois as pessoas e as sociedades precisam de ética sob pena de colapso a prazo mais ou menos longo”, alertou o supervisor da banca.
A ética digital está assim a tornar-se um importante campo de estudo e tenderá a sê-lo cada vez mais, defende o BdP.
Isto porque a crise financeira ensinou uma lição ao regulador da banca: “É minha convicção que a desvalorização do Direito e do comportamento ético foram fatores nucleares da crise financeira”.
“Esse caminho, porém, está a ser invertido. Mas é preciso extrair no plano da gestão bancária todas as ilações a esse respeito. Só assim se criará uma cultura institucional ancorada em valores sólidos, que será decisiva para ultrapassar com sucesso a transformação digital e garantir o futuro do setor”, defendeu Máximo dos Santos.
A importância da solidez das decisões de gestão é hoje ainda mais crítica, considera o responsável pela supervisão da banca. “Com efeito, num setor ainda a recuperar da crise e onde o capital não abunda, é fundamental que os elevados investimentos necessários à transformação digital atinjam plenamente os objetivos visados e sejam eficientes”, reforçou.
O vice-Governador do Banco de Portugal, que muitos vêem como sucessor de Carlos Costa, cujo mandato acaba em julho de 2020, exalta a tecnologia como um meio para aumentar a rentabilidade através de uma maior eficiência dos modelos de negócio e promover o desenvolvimento económico e social.
“Marshall McLhuan, nos seus estudos pioneiros sobre comunicação no século XX, sublinhou que “nós moldamos as nossas ferramentas e, por conseguinte, as nossas ferramentas moldam-nos a nós”, citou o vice-Governador.
“Na verdade, a evolução tecnológica condiciona-nos – e muito -, sobretudo no atual contexto em que as tecnologias se tornaram mais eficientes e intrusivas do que nunca. Mas a tecnologia não tem necessariamente que determinar as nossas escolhas: há uma relação biunívoca – tecnologia e sociedade influenciam-se mutuamente”, lembrou.
Máximo dos Santos reconhece excessos regulatórios e custos elevados para a banca
A banca, sobretudo as instituições financeiras mais pequenas, queixam-se frequentemente dos excessos regulatórios que acarretam custos de regulação muito elevado, o que aliás está já a refletir-se nas contas dos bancos pequenos. Na sua intervenção, Máximo dos Santos diz partilhar “a preocupação daqueles que, sobretudo em determinadas áreas, assinalam excessos regulatórios. Todos temos consciência de que os custos da regulação são hoje elevados”.
No entanto defende que “os custos da sua insuficiência ou ausência, como a crise financeira global bem demonstrou, são muito maiores e mais duradouros”.
Por seu turno, “a velocidade da evolução tecnológica e dos mercados aconselha a um permanente controlo da qualidade da legislação e do quadro regulatório em geral, de modo a evitar que se torne um obstáculo à inovação. E é fundamental, em defesa do próprio sistema financeiro, que seja plenamente garantida, através das entidades de supervisão e, em última análise, dos tribunais, a plena efetividade do quadro normativo aplicável”, defendeu.
Fintechs são uma ameaça aos bancos? Nem a televisão matou a rádio ou o cinema, nem a Internet matou a televisão. Porém, todos mudaram profundamente
Há quem entenda que as Fintechs são uma ameaça mortal para o setor bancário. Mas Máximo dos Santos rebate: “decididamente, o setor bancário não continuará igual ao que é; mas o vaticínio do seu desaparecimento a prazo parece-me não só largamente exagerado, parafraseando Mark Twain, mas, mais do que isso, infundado e simplista na medida em que subestima a capacidade de adaptação do setor, a sua experiência acumulada, o caráter infungível de uma parte das suas funções e a massa crítica que é capaz de mobilizar”.
Máximo dos Santos citou exemplos: “Verificamos, aliás, noutro plano, que nem a televisão matou a rádio ou o cinema, nem a Internet matou a televisão. Porém, todos mudaram profundamente. E é isso que penso que irá acontecer no setor bancário”.
Para fazerem face de forma bem-sucedida à mutação em curso, as instituições financeiras terão de assumir e assimilar plenamente a evolução tecnológica e a centralidade da relação com os clientes, bem como a importância das parcerias estratégicas com os novos atores do setor financeiro, defende o supervisor da banca.
Estas ideias “estão há muito no ADN da boa gestão bancária. Mas os termos em que a respetiva execução se coloca hoje são muito diferentes do que eram no passado”, realçou.
Para Luís Máximo dos Santos, “o pior erro seria ficar em estado de negação quanto à profundidade do processo de mudança. Desvalorizar a evolução tecnológica em curso, enfatizando a perspetiva de que se trata apenas de mais uma das sucessivas vagas de inovação com as quais o setor sempre se deu bem, não ajuda a criar um ambiente propício à mudança”.
No entanto, diz, “perante a avalanche da mudança, devemos ter a audácia da humildade: a hipercomplexidade dos assuntos desaconselha atitudes de autossuficiência”.
Como manter a confiança nos bancos na era da tecnologia?
Na base da atividade bancária sempre esteve a confiança, por isso Máximo dos Santos realça que “o dano mais duradouro para o setor sempre se deu quando se verificaram quebras de confiança”.
Na era digital isso é ainda mais verdadeiro, “pois a realidade é muito mais imaterial e os clientes estão, por um lado, numa posição de maior vulnerabilidade potencial, mas, por outro, têm uma muito maior amplitude de escolha e capacidade de reação”, diz.
“Por isso mesmo, os efeitos de qualquer quebra de confiança são amplificados pela própria natureza das relações digitais. Temos visto como assim é, em múltiplos setores da atividade económica, incluindo as grandes empresas tecnológicas”, alerta o supervisor.
Por isso, diz, “uma cultura de cumprimento do direito, em geral, e das normas regulatórias, em especial, é um fator essencial para gerar a confiança indispensável ao desenvolvimento do negócio. Mas não chega. É preciso que a promoção das boas práticas seja uma realidade interiorizada por todos os níveis de gestão e pelos colaboradores e que o sistema de incentivos seja coerente com esse objetivo. Não se trata apenas de uma questão de conformidade regulatória: trata-se da edificação de uma cultura institucional, que é algo muito mais vasto e profundo, porque imaterial”.
O vice-Governador não esqueceu a importância da proteção de dados na manutenção da confiança. “A utilização de megadados (big data) para os mais diversos fins constitui um pilar essencial da quarta revolução industrial. Transformar esses dados em informação e a informação assim obtida em conhecimento é algo que traz vantagens fantásticas mas também riscos enormes”, alertou.
Assim, “a garantia da proteção dos dados pessoais é hoje uma condição indispensável para a criação de confiança em qualquer organização, incluindo naturalmente nas instituições bancárias, aspeto que sublinho, muito embora se trate de matéria fora do âmbito de ação do Banco de Portugal, pois, como sabemos, é matéria que está cometida, em primeira linha, às próprias instituições e, no plano das autoridades de supervisão, à Comissão Nacional de Proteção de Dados”, reforçou.
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