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Mourinho Félix: “Acelerar a redução do défice seria um erro”

Secretário de Estado contesta a ideia de que o crescimento do último ano deveria acelerar a redução do défice. Os pagamentos antecipados ao FMI são para manter, mas sem pôr em causa a margem de segurança: “Não voltaremos a um mundo em que se vive sem almofada financeira”.
Cristina Bernardo
22 Outubro 2017, 20h30

Ricardo Mourinho Félix recebeu o Jornal Económico depois de uma deslocação a Washington para os encontros anuais do Fundo Monetário Internacional (FMI) e do Banco Mundial. A viagem serviu também para fazer contactos com investidores e agências de rating e apresentar as opções do Orçamento do Estado para o próximo ano. A reação foi positiva, diz o secretário de Estado.

O Orçamento do Estado para 2018 (OE2018) é apresentado numa conjuntura favorável de crescimento. Este dinamismo é sustentável? As projeções para o próximo ano já são de desaceleração.
O crescimento que tivemos no último ano deu-se com um crescimento muito forte do investimento, que traduz alguma reposição de stock de capital que foi adiada durante um período muito prolongado de recessão. O que as empresas sentiram é que havia uma política económica sustentada, equilibrada, e que tinham possibilidade de fazer negócio futuro e repuseram parte do investimento que adiaram durante alguns anos, devido à incerteza. Um crescimento do investimento de 8% para um crescimento do PIB de 2,6% é muito elevado. O que considerámos nas projeções para 2018 é algo prudente. Tipicamente o investimento cresce o dobro do produto e o que considerámos foi algo mais próximo disso. Considerámos também uma previsão prudente nas exportações: em linha com o crescimento dos mercados para onde exportamos e com uma hipótese técnica de crescimento nulo de quota de mercado. E também um abrandamento do consumo privado, em linha com o rendimento disponível. Mas diria que os riscos são ascendentes. É possível que haja mais investimento e mais exportações. Em política económica, é preferível ter um cenário prudente e ser surpreendido pela positiva, ter resultados melhores e ganhar flexibilidade na gestão orçamental, do que passar o tempo todo a rever o cenário em baixa, porque isso é que tira confiança aos agentes económicos.

Há quem defenda que o dinamismo económico deveria ter sido aproveitado para uma correção estrutural mais vincada das contas públicas. Como reage?
A primeira reação a esse tipo de afirmação é que as pessoas devem aprender com os erros. Achar que a mesma receita nas mesmas condições vai dar um resultado diferente do passado…

O argumento é que as condições mudaram.
As condições mudaram porque a política mudou, não mudaram porque houve um qualquer milagre ou epifania. Se voltarmos à mesma política, voltamos ao mesmo resultado. O que se conseguiu até agora teve que ver com fazer coisas muito diferentes do que se fez no passado. Por um lado, uma consolidação orçamental efetivamente estrutural, duradoura no tempo e que atua diretamente onde existem ineficiências, por oposição ao que foi feito antes, que foi uma consolidação orçamental que, embora fosse contabilizada como estrutural, era claramente conjuntural. Os cortes de salários não eram suscetíveis de ser mantidos, eram temporários. Isso não é estrutural. Por outro lado, foram feitos cortes transversais que produziram algumas poupanças, mas com o custo de um aumento brutal das ineficiências da administração pública. Quando se fala em consolidar mais depressa, é preciso ser-se claro: é cobrar mais impostos?

Na perspetiva da oposição, seria não avançar com tantas medidas de redistribuição acordadas com o Bloco e o PCP e ter um ponto de partida mais favorável para a execução do próximo ano.
Mas isso quer dizer o quê? Não descer o IRS? O que estamos a fazer é estimular a oferta de trabalho reduzindo o imposto nos rendimentos mais baixos, onde as famílias tendem a ser particularmente sensíveis. O facto de pagarem menos impostos faz com que estejam mais disponíveis para trabalhar mais, terem mais rendimento e gerarem mais PIB. Outra possibilidade seria não cumprir a lei de bases da segurança social.

Mas há aumentos extraordinários de pensões, além do cumprimento da lei de bases.
Há aumentos extraordinários, mas é curioso que nunca ouvi a direita pronunciar-se contra eles. Se houve coisa que disse foi para alargar esse aumento. O descongelamento das progressões e promoções na administração pública, admito que pudesse não ser feito pela direita, mas aí é uma questão de conceção do que é o Estado, a administração pública. A direita, quando esteve no Governo, manteve o congelamento das promoções e das progressões, cortou os salários dos funcionários públicos e aumentou os impostos. A administração pública não pode continuar a ter a fuga de pessoas de qualidade que tem tido. Num contexto de recuperação da economia, em que o setor privado está a crescer e tem condições para contratar, se mantenho uma gestão dos funcionários públicos que não premeia o desempenho, o que estou a dizer às pessoas, sobretudo as que têm melhor desempenho, é: “Vão-se embora para o setor privado”. Eu posso fazer isso para destruir o Estado, mas não é o caminho que escolhemos. É sempre possível dizer para fazer uma consolidação orçamental mais rápida, ter esse discurso outra vez: “Ir além, mais rápido, chegar mais rápido ao défice zero, se eu fosse ministro o défice já seria zero”. Tudo isso pode ser dito, mas a experiência anterior não foi boa e repeti-la no mesmo país, nas mesmas condições, terá o mesmo resultado. É não aprender com os erros.

No mercado de trabalho, há quem defenda que foram as reformas feitas durante o programa de ajustamento que possibilitaram esta dinâmica mais recente. E, de facto, o Governo tem-se mostrado reticente em fazer reversões na área laboral. Como comenta?
O programa da troika foi desenhado ainda antes do Executivo anterior, em negociações com as instituições internacionais e foram tomadas um conjunto de medidas no mercado de trabalho. A opinião que tenho, da análise que fiz antes de estar nestas funções, é de que houve uma ênfase excessiva na formação do salário, na questão da contratação coletiva e de desmantelar esse mecanismo, que não produziu frutos particularmente interessantes. Houve pouca ênfase, mas houve alguma, nas medidas relacionadas com as quantidades de trabalho, da contratação e do despedimento. E aí acho que o que foi feito – e isso era algo que já era proposto há muito tempo – permitiu reduzir a segmentação. A redução das indemnizações contribuiu para a redução da segmentação. Essa medida em particular tende a gerar um maior crescimento dos contratos sem termo, por oposição aos contratos a termo, que é o que estamos a ver agora. Mas há uma questão que é muito importante perceber. Quando essa medida foi discutida e aprovada, aplicou-se apenas a novos contratos. Ora, essa reforma foi feita algures no início do programa da troika, mas só entrou em vigor agora, não no sentido legal, mas no sentido económico do termo, porque só agora é que se começou a criar emprego. Só agora é que os novos contratos beneficiam dessa mudança, porque antes se fez uma política que destruiu o emprego. A criação de emprego é que possibilitou que essa reforma afetasse os contratos de trabalho novos. O que está a acontecer no mercado de trabalho hoje, o que está a fazer o emprego crescer, é a capacidade de dinamização da economia, não tenhamos dúvidas. O emprego está a crescer porque as pessoas têm mais rendimento e há mais procura. Está a crescer porque o turismo está a crescer por boas razões. Essa ideia de querer associar um determinado resultado a uma determinada reforma, num momento determinado do tempo, do ponto de vista económico e técnico, é uma coisa infantil. É não perceber que a realidade não é gerada por um choque, mas sim por uma multiplicidade de choques.

A melhoria do desempenho económico e orçamental fez com que a S&P revisse o rating do país. Já se sente algum reflexo dessa decisão na captação de investidores para a dívida pública nacional?
Antes do upgrade havia muitos investidores que nos diziam que gostavam de entrar, mas que nós estávamos no pior sítio para se estar: sem investment grade e portanto não elegíveis para os livros de mercados avançados. Para mercado emergente, a taxa muito baixa de Portugal não conseguia competir com as dos mercados emergentes. Diziam-nos: “Estão num sítio onde ninguém compra”. O que aconteceu com o upgrade da S&P foi que muitos desses investidores, que tinham uma restrição nos critérios de risco que têm de seguir, passaram a ter possibilidade de comprar. E daí que se tenha assistido a descidas de taxas nos mercado.

Que reações teve das agências de rating, agora em Washington?
O feedback é bastante positivo. A S&P está muito contente com a decisão que tomou, com o facto de o Orçamento para 2018 continuar a estratégia que tem sido seguida. A DBRS vê uma evolução muito positiva e não excluíram a possibilidade de reavaliar o outlook, que está em estável. A Fitch está bastante construtiva. Na Moody’s, que sempre foi a agência mais conservadora, há também uma alteração de perceção muito significativa. Nos rating triggers – o que para eles é fundamental para uma reavaliação da posição – todas estão focadas nos mesmos três pontos: evolução do rácio da dívida, processo de consolidação orçamental e sistema financeiro e crédito malparado. E todas acham que houve evoluções positivas nestas três vertentes.

Ou seja, no próximo ano já teremos todas as agências de rating em nível de investimento?
Em condições normais, diria que isso é expectável. Podemos ter notícias boas a relativamente breve trecho de uma das duas que faltam.

Dos rating triggers de que falou, qual é aquele em que é mais complicado apresentar argumentos? Na questão da dívida, ela está a descer, mas o volume é substancial.
O volume ainda é grande. Claro que seria melhor enfrentar os riscos externos com 60% de dívida do que com 120%. Mas, embora seja um nível elevado, é gerível. Bélgica e Itália também são países com níveis de dívida elevados, que têm de ser geridos. Depois de 131% do PIB em 2016, o que prevemos no Orçamento é 126,2% este ano e 123,5% no próximo ano. É uma descida de cerca de oito pontos percentuais em dois anos. Este ritmo tem de ser mantido, o que quer dizer que vamos ter de manter saldos primários durante este período. Enquanto estivermos acima de 100%, obviamente que há aqui uma vulnerabilidade. Mas uma agência de rating é suposto fazer uma avaliação do que é o futuro. O que é importante para uma agência de rating é ter a dívida a descer de uma forma sustentável e perceber que o país está a seguir uma trajetória que é para continuar.

Portugal tem sido beneficiado de financiamento a baixas taxas de juro. Até quando poderá durar esta bonança?
As taxas que temos refletem a política monetária, que está com taxas muito baixas. Como ainda estamos com uma inflação – sobretudo a inflação core – longe dos 2% [a meta do BCE], diria que ainda há margem para a política monetária manter esta postura durante algum tempo. O que está em cima da mesa é o BCE ponderar o início do processo de tapering (a retirada dos estímulos não convencionais), dos programas de compra de dívida. Mas isso ainda demorará a refletir-se num ciclo de subida de taxas de juro. Diria que estas taxas ainda durarão mais algum tempo.

Se houver uma retirada desses estímulos não convencionais a curto/médio prazo, qual será o impacto para Portugal?
Estamos a refinanciar nos mercados, por ano, um valor que anda à volta dos 15/16 mil milhões de euros. Portanto, se houver um aumento de taxas de um ponto percentual, sobre 15 mil milhões de euros, estamos a falar de 150 milhões de euros por cada ponto percentual. São 15 milhões de euros por cada décima de ponto percentual e a partir daí é uma questão de sensibilidade: se a retirada aumenta duas, três ou quatro décimas. Mas há uma questão que é fundamental perceber quanto ao tapering. No caso de Portugal, o BCE já chegou a um ponto muito próximo do limite de compras em muitas das linhas que temos emitidas, o que quer dizer que há já muito tempo está a comprar muito menos dívida. Num certo sentido, Portugal já está há algum tempo em tapering. Quando houver retirada desse estímulo, o efeito já será mitigado. E há outro aspeto. Quando as duas agências de rating que mantêm Portugal ainda num nível de investimento especulativo passarem para um nível de investimento, Portugal vai entrar num conjunto de índices de dívida soberana internacional. Vai haver compras às cegas, passe a expressão. Há um conjunto de investidores que compram índices de dívidas aos bancos de investimento e que vão começar a comprar uma determinada percentagem de dívida portuguesa, tal como compram dívida checa ou belga, porque está no mesmo cabaz. E aí há uma margem adicional para descida do spread da dívida nacional. Quanto é? Ninguém sabe dizer. Mas significa que, mesmo quando as taxas começarem a subir, a descida do spread pode acomodar total ou parcialmente a subida das taxas. Na minha perspetiva, há uma janela de pelo menos um ano em que Portugal pode beneficiar de taxas de juro relativamente baixas e pode refinanciar a dívida a juros mais baixos.

Nesse cenário, a almofada financeira é para manter?
No próximo ano e até ao final do mandato manter-se-á a estratégia de ter uma almofada financeira que nos permita viver com desafogo, se houver algum evento que cause perturbação nas taxas. Neste momento, temos uma almofada de liquidez de 50% das necessidades de financiamento dos próximos 12 meses. Isto quer mais ou menos dizer que, se houver uma perturbação, podemos manter-nos em apneia durante seis meses. À medida que formos tendo mais acesso a mercado e a volatilidade for mais pequena, essa almofada escusa de ser tão espessa. O target que anunciámos aos investidores é um valor à volta de 40%, o que já são cinco meses em vez de seis. Mas não voltaremos a um mundo em que se vive sem almofada financeira. Mesmo tendo acesso pleno ao mercado, Portugal deve sempre manter uma almofada financeira.

E os pagamentos antecipados ao FMI, são para manter?
Já foi anunciado o reforço dos pagamentos antecipados ao FMI este ano, em mil milhões. E tendo em conta a execução orçamental, é possível que ainda este ano se possa fazer mais um pagamento. Estamos a avaliar. Obviamente que queremos manter uma almofada de liquidez confortável e o pior que podia acontecer era dar a ideia de que estamos a pagar reduzindo o grau de segurança. Mas a execução orçamental tem corrido de feição e isso pode permitir fazer mais algum pagamento este ano. Não hesitaremos em fazê-lo porque é o financiamento mais caro e qualquer pagamento reduz o custo.

 

Artigo publicado na edição digital do Jornal Económico. Assine aqui para ter acesso aos nossos conteúdos em primeira mão.

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