As taxas de juro da dívida pública desceram imenso desde o início de 2017, mas é do lado das empresas que a compressão é maior. Nos novos empréstimos, a diferença entre o que é cobrado às empresas portuguesas e o que é exigido às congéneres alemãs caiu para valores nunca vistos. E continua a diminuir.
Ao contrário do que acontecia há uns anos, quando as condições de financiamento do Estado eram uma ciência cabalística até para muitos jornalistas de economia, desde 2011 para cá que a discussão acerca dos juros pagos pelo Estado português se tornou um tema omnipresente. Termos técnicos como yields, emissões sindicadas, leilões de obrigações ou Bilhetes do Tesouro começaram lentamente a migrar dos boletins do IGCP para as manchetes dos jornais, primeiro, e depois para as aberturas dos telejornais. A crise da dívida fez provavelmente mais pela literacia financeira dos portugueses do que muitos cursos de formação económica que por aí andam.
Há muitas e boas razões para estarmos atentos aos juros cobrados ao Estado português. É desses juros que depende a evolução de uma parte da despesa pública, são eles que influenciam a facilidade de se atingir as metas do défice e de tudo isto decorrre a sustentabilidade da dívida. Mas há muitas outras taxas de juro relevantes para a economia que, apesar de não terem sequer metade desse destaque são pelo menos quase tão importantes quanto as do Estado. Um bom exemplo são os juros cobrados às empresas portuguesas em créditos bancários, uma fonte essencial de financiamento para sociedades que, por não terem acesso directo aos mercados de capitais, dependem crucialmente dos empréstimos do sector financeiro. E aqui têm-se passado coisas interessantes.
Segundo o Banco de Portugal, estas taxas de juro estão a descer mais ou menos desde meados de 2012, uma altura que coincide com algum desanuviamento das tensões do mercado interbancário e um reforço considerável das medidas de estímulo do BCE. Esta é uma tendência expectável e um facto conhecido por quase toda a gente. O que é menos conhecido, e parece mais relevante, é o facto de a diferença entre as taxas de juro cobradas às empresas portuguesas e as que são cobradas às suas congéneres alemãs estar cada vez mais esmagada. De acordo com os dados do BCE , este diferencial, que chegou a rondar os quatro pontos percentuais durante alguns meses de 2012, foi agora encurtado para uns curtos 0,46 pontos percentuais. No que diz respeito às condições financeiras, as empresas nacionais já estão (quase) a concorrer em igualdade de circunstâncias com as companhias germânicas.
Há pelo menos duas explicações simples e triviais para este fenómeno. Primeiro, a melhoria das perspectivas de negócio das empresas portuguesas, que se deparam agora com um cenário macroeconómico bastante mais favorável e projecções de vendas mais risonhas. As receitas mais estáveis traduzem-se num risco inferior, algo que o sector bancário tenderá a compensar com juros mais baixos. Segundo, a recuperação gradual da confiança entre os vários bancos da Zona Euro, que sofreu um forte abalo a partir de 2011 e levou a uma divergência enorme das condições de financiamento dos bancos periféricos (que, naturalmente, re-transmitiam essas dificuldades aos seus clientes – um problema que ficou conhecido como a “fragmentação financeira” da união monetária).
Mas o “regresso à normalidade” não pode ser a única explicação. Isto porque a diferença de taxas de juro é neste momento inferior à que se verificava antes da crise (ou seja, antes de 2008): passou de modestos 1,2 pontos percentuais para uns baixíssimos 0,5 p.p. É inesperado? Sem dúvida. As empresas espanholas, francesas, italianas e irlandesas passaram pelo mesmo processo de compressão do diferencial de juros, mas em todos estes casos a margem tendeu a estacionar mais ou menos ao nível pré-2007, em vez de o ultrapassar. Parece haver algo especificamente português neste fenómeno (mesmo que não passe de uma questão puramente composicional. Se o lote de empresas que pede empréstimos for muito diferente do grupo que o fazia há alguns anos, tendo uma situação económica em média mais favorável, é normal que as taxas de juro também reflictam essa realidade).
E o investimento, onde está?
Taxas de juro mais baixas, supõe-se, influenciam a actividade económica por via do impacto nas decisões de despesa das empresas, tornando o investimento mais rentável. É por isso provável que a melhoria das condições financeiras – que, de resto, se estende também ao segmento do crédito à habitação – seja pelo menos um dos factores por detrás do crescimento da economia nacional, que no primeiro trimestre de 2017 acelerou para 2,8% e ultrapassou o ritmo de expansão do conjunto da Zona Euro.
Mas há algumas pontas soltas nesta história. Apesar de as condições de crédito – seja em termos absolutos, seja em termos relativos – serem cada vez melhores, o Investimento das empresas não dá grandes sinais de vida. É verdade que a Formação Bruta de Capital Fixo tem crescido, mas muito menos do que seria de esperar tendo em conta o perfil cíclico desta rubrica. A taxa de Investimento – medida pelo rácio Investimento/Valor Acrescentado continua a níveis baixíssimos, e o saldo financeiro das empresas, que compara receitas com despesas, está no valor mais alto desde que há registos. O sector empresarial, no seu conjunto, parece ter entrado no modo de “amortização das dívidas”. E nem as condições de financiamento oferecidas pela banca as consegue fazer mudar de chip.
Artigo publicado na edição do Jornal Económico de 11 de agosto. Assine aqui para ter acesso aos nossos conteúdos em primeira mão.
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