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Alberta Marques Fernandes: A jornalista crente que é mãe antes de todas as coisas

Encontramos Alberta Marques Fernandes no Centro Cultural de Belém para uma reveladora conversa sobre aquilo que todos devemos fazer – não nos levarmos tão a sério. Percorremos a vida da pivot que foi o primeiro rosto da televisão privada em Portugal e que celebra 25 anos de carreira, passando pela mãe, antes da jornalista, e a crente em Cristo.
20 Março 2017, 16h35

À primeira vista, Alberta Marques Fernandes parecer ser a personificação das contradições. Este ano faz 25 anos que se estreou frente às câmaras, mas não se sente à vontade em ser fotografada. O jornalismo que faz é um trabalho com rigor, mas não se leva a sério. Profissionalmente, nunca sonhou “grande coisa”, mas fez história ao ser o primeiro rosto da televisão privada quando, em 1992, apresentou o telejornal da SIC.

Começamos pela profissão e saltamos logo para outro tema. A pivot ressalva que, primeiro, “é mulher, mãe, milhentas coisas, e, depois, jornalista”. Uma mensagem, também esta, contracorrente, diriam os mais acérrimos defensores da emancipação feminina e do foco profissional. “Há espaço para todos”, diz Marques Fernandes – “esse é o verdadeiro sentido da liberdade: escolhermos o que queremos ser”.

Encontramo-nos com um dos rostos da informação da RTP no Centro Cultural de Belém. Naquela zona reúne-se muitas vezes, principalmente à beira-Tejo, com a filha, Luísa. Queremos fotografar Alberta Marques Fernandes com os Jerónimos como cenário de fundo. Esbarramos na primeira surpresa. “Não sei que poses hei-de fazer”. Franze a cara num gesto inconsciente que deixa transparecer algum desconforto. É salva pelo gongo. Atende o telefone. É a filha. Está com um problema no telemóvel e precisa da ajuda da mãe. “Agora não posso falar”, responde entre comentários que evidenciam o pragmatismo da jornalista.

Vem apressada e com pressa diz estar: “Isto não vai demorar muito tempo, pois não?” Claro que não. Experimentamos outro cenário. Outra chamada. Telefona com um, manda mensagens com outro. Tinha dito à filha que não podia tratar do assunto. Mas trata. É amor de mãe – aquilo que sempre quis ser. “Guardo tudo o que sai sobre mim, recortes; quero fazer álbuns. Tenho uma série de coisas do início da minha carreira. O que é engraçado é ver, depois das minhas primeiras entrevistas, que o que sempre disse é que queria ser mãe; realizo-me com a minha família”.

A realização pessoal sobrepôs-se à profissional. A mensagem é a de que não há super-heróis: “Não dá para fazer tudo ao mesmo tempo e não se consegue ser uma supermulher. Ainda que se venda muito essa ideia, é tanga, mentira, vai-se sempre falhar – ser uma excelente mãe, presente, próxima e depois ser uma extraordinária profissional é impossível”. Por isso, teve de fazer opções com as quais vive bem: “Abandonei o prime time para estar com a minha filha. Foi uma escolha pessoal, com a qual vivo perfeitamente. Não teve consequências porque estive sempre ciente do que representava”.

À medida que percorremos os jardins na parte sul do CCB, tiramos mais umas fotografias. Já custa menos, parece-nos. Da pergunta inicial, “o que é que quer que eu faça” , dirigida ao fotógrafo, evoluímos para um “vamos ver como fica o plano”, que diz depois do flash disparar sucessivamente. Sentamo-nos num muro, abrigados de nuvens ameaçadoras, mas ao relento de fortes rajadas quase contínuas.

Regressamos ao jornalismo para Alberta explicar que a escolha da profissão foi tão pensada quanto um “isto é capaz de ser giro”. Licenciou-se em Relações Internacionais, “de forma um bocado inconsciente”, tendo a atividade do repórter de guerra na mira. Esteve destacada no conflito da Bósnia, em 1996, para depois regressar e sentar-se “a virar frangos”. É o termo que utiliza para o que faz à frente das câmaras, “no sentido em que são muitas notícias; tem a ver com a rapidez – umas atrás das outras. Gosto da ideia de não perdermos tempo”.

Alberta Marques Fernandes fala no star system dos jornalistas, algo que “apenas existia com atores de telenovelas brasileiras ou cantores do Festival da Canção”. Aí começaram as regras do jogo em que participa há quase um quarto de século. As redes sociais vieram exacerbar os fracassos e os méritos, mas a pivot permanece fiel à sua abordagem descontraída. “Não me levo nada a sério”, diz, entre risos. “Há coisas terríveis; essas sim devem preocupar-nos. Acho que os portugueses são demasiado sisudos e se levam demasiado a sério”, diz a jornalista de origem angolana.

Esta flexibilidade do ser leva Alberta Marques Fernandes a querer testar outras áreas. O talk-show. “Uma coisa que nem sequer propus por algum receio, mas acho que já tenho background profissional e técnico suficiente; e gostaria de experimentar outro registo”. O apelo vem das conversas que gosta de ter com as pessoas, para as conhecer melhor, não tivesse a entrevistada inquirido o entrevistador antes de as perguntas começarem. “Quando se é jornalista é-se jornalista sempre”.

“É uma condição que nos acompanha sempre. Agora estou aqui e acontece alguma coisa; deixo imediatamente de estar de folga ou de férias e ponho-me a trabalhar. Já me aconteceu, quando estava de férias em S. Tomé e Príncipe. Houve um golpe de Estado e nem pensei duas vezes, ninguém me mandou ir trabalhar. Senti que o devia fazer. Façamos ou não façamos de jornalista, fica impregnado em nós – não posso ignorar a notícia”.

Foi a partir de conversas que escreveu o seu primeiro livro, ‘As Primeiras-Damas’. “É disso que gosto; de conhecer as pessoas, saber quem são, perceber o seu contexto, ir ao fundo do ser”. Um segundo livro está na calha e apenas nos revela que será no mesmo registo – “uma biografia”, trabalho jornalístico, claro, “baseada em grandes entrevistas”.

É com a filha, de quem fala de coração cheio, que gosta mais de conversar. Alberta nunca escondeu que gostaria de ter tido mais filhos, mas vive uma maternidade plena. “É uma miúda muito engraçada” e não é só por ser filha da Alberta Marques Fernandes, assegura a jornalista. “Tem um poder de argumentação muito forte e neste momento quer ser política. Preocupa-se com questões sociais e de igualdade de género”, algo que é tema em casa.

A jornalista faz questão de que a educação seja também religiosa, não só pelos valores que representa. “Tenho mesmo fé em Cristo. Acho que a sua mensagem é revolucionária”. Alberta traça um esboço do mapa religioso para chegar “ao catolicismo envergonhado” que diz que se vive: “este é um país que se diz maioritariamente católico, mas já não o é; são uma minoria os católicos que se assumem.”

Alberta Marques Fernandes justifica essa vergonha também com o pouco conhecimento que as pessoas têm do catolicismo – “é possível ser cristão e católico sem acreditar nos milagres de Fátima”. “Há uma série de regras à volta da Igreja, mas não tenho de acreditar em todas elas, era o que faltava”, comenta. “Se na nossa vida civil fazemos a primária, secundário, licenciamo-nos e às vezes até fazemos mestrados e doutoramentos, por que é que com a fé ficamos pela creche? Temos de investigar, de ir mais fundo, para conhecer a nossa doutrina”.

A fé da jornalista está sempre presente e mais ainda nos momentos que testam a nossa a resiliência de sermos humanos. Daí vem a sua postura menos séria perante a vida; vive-a despreocupada, porque já viveu “coisas muito dramáticas”: “Perdi os meus pais muito cedo; o pai morreu em casa, com um ataque cardíaco, aos 54 anos. A minha mãe morreu com 55, com um cancro que durou quatro anos. A minha filha nasceu prematura, correu risco de vida, teve uma meningite…”.

“Eu sei o que é dramático e sei o que é sofrer; chego aos 49 anos com várias dores já vividas e por isso quero aproveitar o que a vida tem para me dar. Se estou a viver um bom momento tenho de o saborear ao máximo”, sublinha, numa postura positiva e despreocupada que foi denominador comum durante toda a conversa.

Há três anos que Alberta Marques Fernandes deixou de fumar. Uma das batalhas que trava na vida está vencida. Há outras ainda por ganhar. “Estou sempre em guerra com a balança”, diz sem complexos. “Gosto daquilo que se chamam as coisas boas da vida. Gosto imenso de conviver à mesma, da nossa gastronomia; isso torna difícil conciliar [com outros objetivos]. Às vezes ganho eu, outras vezes ganha a balança”, consta, sorrindo.

A abordagem é descontraída: “A maturidade traz uma reconciliação connosco próprios que quando somos jovens não existe – é mais fácil gostarmos de nós próprios. Acho imensa graça, porque de certeza que com 20 anos era muito mais magra do que sou agora e tinha imensos problemas que, agora, vejo que não o eram de todo.”

A vida de Alberta Marques Fernandes é assim mesmo. E uma amiga sua descreve-a numa curta frase para gravar na lápide, porque também há que falar da morte naturalmente, como tudo na vida. “Uma grande amiga minha já escreveu o meu epitáfio: ‘Sorveu a vida à maluca; foi-se a rir’. Tento rir ao máximo, a vida é bonita, é boa e ninguém cá fica”. À primeira vista, Alberta parece ser a personificação das contradições. Só à primeira vista.

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