O presidente da Delegação Regional da Associação Nacional Movimento TVDE (ANM-TVDE) na Região Autónoma da Madeira, Walter Pereira, criticou a postura que o Governo Regional tem para com o setor. “O Governo tem um problema grave com o setor do Transporte Individual de Passageiros em Veículo Descaracterizado (TVDE)”, afirma o líder regional da associação, ao Jornal Económico (JE), denunciando também o atraso que a Região possui ao nível da implementação de lei que já se encontra em vigor no território continental.
Walter Pereira defende que a Região deve avançar com medidas que regulem o setor perante o caos que se instalou depois do fim do contingente [de viaturas TVDE] na Região, que aconteceu em 2024.
O presidente da Delegação da Madeira da ANM-TVDE defende ainda que deve existir um limite de viaturas por empresa, manifesta-se contra a integração de táxis nas plataformas TVDE e também diz ‘não’ à possibilidade dos rent-a-car poderem fazer atividade TVDE.
Walter Pereira dá conta dos processos colocados pela ANM-TVDE em tribunal. Um deles está relacionado com a integração dos táxis nas plataformas onde se podem solicitar serviços TVDE, que deu entrada em dezembro de 2024. Existem ainda mais dois processos que a associação pretende colocar em tribunal. Um deles é um pedido de indemnização às empresas que ficaram de fora do contingente imposto pela Região no setor (contingente que, entretanto, já deixou de existir na Madeira) e abrange os danos empresariais causados às empresas excluídas desse contingente. O outro processo relaciona-se com a continuidade dos táxis nas plataformas TVDE.
Walter Pereira menciona também que a Madeira está atrasada na implementação da obrigatoriedade de realizar um exame, exclusivamente em português, no IMT para operar como motorista TVDE, algo que já ocorre no território continental. Anteriormente, esse exame era feito nas Escolas de Condução ou nos Centros de Formação, explica Walter Pereira.
Entre as reivindicações da ANM-TVDE está a definição, pelo Governo a nível nacional, de uma tarifa mínima por tempo e quilómetro, estabelecendo 80 cêntimos por quilómetro e 35 cêntimos por minuto.
O setor dos TVDE tem sofrido algumas alterações na Madeira. A começar pelo facto de já não existir um contingente que limite o número de viaturas TVDE a operar na Região Autónoma da Madeira. Contudo, segundo a associação, isso tem provocado algum caos no setor na Região. Que medidas defende a vossa associação para dar resposta a este problema?
É preciso regular as empresas, estabelecendo que cada empresa deve ter, por exemplo, até três viaturas. É uma questão de sustentabilidade empresarial e de igualdade para todas as pequenas e médias empresas. Deve haver um regulamento que defina um determinado número de viaturas para cada empresa. Essas viaturas devem ser registadas no Instituto da Mobilidade e dos Transportes (IMT), como se fazia antigamente, quando existia o contingente de viaturas na Região. É necessária uma nova obrigatoriedade de registar as matrículas e certificar os carros específicos para a TVDE.
Caso contrário, há empresas que pedem contingentes, mas têm frotas de 16 ou 18 carros. Existem algumas empresas regionais que querem limitar o setor a 80 viaturas na Região Autónoma da Madeira, mas depois têm apenas 20 carros no total. Desses quatro ou cinco operadores que querem limitar as viaturas no setor, no total têm 80 carros juntos. Portanto, se existem 80 carros a dividir por cinco empresas, a minha pergunta é: o que acontece com as outras empresas?
Isso criaria monopólios…
Exatamente. E isso não pode ser. A lei que foi declarada inconstitucional pelo Tribunal Constitucional afirmou que monopólios não são aceitáveis. A ANM-TVDE não quis monopólios e lutou para que isso não acontecesse.
Ou seja, desde que a Madeira decidiu adotar um contingente de 40 viaturas TVDE, a vossa associação foi contra…
Isso estrangula a lei da concorrência e limita o investimento privado. Foram normas europeias que foram restringidas. Daí o Tribunal Constitucional ter declarado como inconstitucional essa lei na Região. E há quem queira voltar a esses tempos. Mas nós não. Queremos uma regulamentação. O setor tem que ser regulado.
Quais seriam as medidas concretas que defenderiam?
Queremos que o setor seja sustentável, mas de forma equitativa. Não é aceitável que eu tenha 20 carros e você tenha uma empresa e só possa ter um. Tem de haver igualdade para todos.
Como se preveniriam, por exemplo, para a abertura de empresas paralelas?
Existem pessoas que têm dentro da mesma morada cinco empresas e possuem 20 viaturas. O que se pode fazer? Aí entra a parte da regulamentação que está em falta nos TVDE.
A regulamentação deve estabelecer que um agregado familiar só pode ter direito a uma empresa, independentemente de ser indivíduo A, B ou C, mas todos na mesma morada.
A partir do momento em que se acabou, na Madeira, com os contingentes, como se tem comportado o setor TVDE?
Antes eram 16 empresas e 40 viaturas. Passou-se de 16 empresas para cerca de 250.
Isso demonstra o apetite que existia por este setor dos TVDE na Madeira…
Exatamente. Entrou de forma desregulada, como sempre foi. Por exemplo, na minha perspetiva e na visão de muitos sócios, somos contra as rent-a-car poderem ter licenciamento de TVDE.
Isto é uma completa banalização do setor.
O setor está desregulado devido a estas lacunas. As rent-a-car invadiram a Madeira há três anos com 50 mil carros e ninguém fala do assunto.
Quando se fala de mobilidade, o problema recai sempre sobre os TVDE. Mas não é. Ninguém menciona os 50 mil carros de rent-a-car que entraram na Região. Isso é que é grave.
Eu já tive um acidente com um carro de rent-a-car que nem seguro tinha.
Como é que isso é possível?
Fiz uma pesquisa e encontrei carros a alugar de rent-a-car por dia a cinco euros.
Por quê? Têm tantos carros parados que querem colocar esses carros na rua.
Mas como é que entram 50 mil carros?
Em 2022, foram registadas na Madeira cerca de 120 rent-a-car. Em 2023, nos primeiros seis meses, foram mais 53 empresas. Em 2023, de março a setembro, ninguém conseguia mandar vir um carro para a Madeira.
Todos estavam reservados para rent-a-car. Os barcos que vinham de cargueiros do Continente para cá eram todos reservados para rent-a-car.
Veio uma frota e outra frota para rent-a-car. Ok Mobility e Cassianos são todos do mesmo dono e têm uma frota de quase 500 carros cada. Estamos a falar de mil carros. Isso sem contar as outras rent-a-car que operam na Região.
Isso é preocupante. Por exemplo, já me confrontei com uma situação em que, para fazer o percurso Poiso-Ribeiro Frio, levei quase meia hora. Por quê? É só carros de um lado e do outro.
Há um estudo feito pela ANM-TVDE no ano passado em Lisboa que afirma que um TVDE retira quatro carros particulares da rua. Portanto, o problema não é o TVDE.
A Madeira precisa de ser regulada, mas os TVDE, principalmente.
Ou seja, vocês são contra as rent-a-car operarem no setor TVDE…
Exatamente. Uma rent-a-car está licenciada. Eles colocam os dísticos [TVDE] e seguem em frente. É mais um carro na rua.
Vão inserindo carros descontroladamente. Não existe um regulamento que proíba, por exemplo, que uma empresa TVDE tenha outros Códigos de Atividade Económica (CAE).
Eu suponho que os CAE de rent-a-car e TVDE sejam diferentes…
Sim, são CAE diferentes. Se de hoje para amanhã não há turistas na Madeira, tudo vai para TVDE. E os que já estão aqui e fazem disso a sua vida? Os TVDE geram emprego e movimentam a economia regional.
Uma rent-a-car do que precisa? Apenas de um rececionista, alguém para lavar o carro e mais nada. E têm 500 carros. Os TVDE precisam de pelo menos dois motoristas para garantir a sustentabilidade do negócio.
A minha empresa tem três carros. São seis motoristas. Comigo, dá sete, porque eu trabalho nas folgas dos meus motoristas. Os meus motoristas são obrigados a folgar ao domingo. É uma regra minha. Não podem fazer mais de 40 horas semanais. Essa é uma regra que estabeleci. Têm de ter um dia opcional de folga, mas ao domingo é descanso obrigatório.
Eu rentabilizo a minha empresa desta forma.
Se um empresário que investe numa rent-a-car quiser investir no setor TVDE, isso não deveria ser permitido?
Não deveria ser possível. É isso que causa a situação atual da Região.
Ou seja, no que diz respeito à Madeira, na vossa opinião, houve exagero. Por um lado, foi imposto um contingente nos TVDE, e por outro, quando esse contingente deixou de existir, não se procedeu à devida regulamentação do setor…
Tem que haver regulamentação para garantir a sustentabilidade para todos.
Sou contra limitar o número de viaturas. Podemos limitar as empresas, para que uma empresa como, por exemplo, a Blue Walk, com 100 ou 200 carros, não invada o mercado. Isso não. Não quero que se passe nos TVDE o que acontece no setor de táxis, onde uma licença custa hoje em dia 120 mil euros.
Uma licença de táxi no Funchal custa 120 mil euros, apenas pela licença. Por quê? Estão limitados. Como limitaram o setor de táxis a um número específico de viaturas (neste caso, foram criados contingentes municipais na Madeira). Mas os táxis têm outras formas de se deslocar, como apoios estatais, transportes de doentes e transfers.
A Bolt criou uma parceria que permite aos táxis entrarem na sua plataforma. A ANM-TVDE entregou um processo em tribunal manifestando-se contra este tipo de prática…
O movimento é contra por um simples motivo. A lei é clara ao afirmar que “nenhum táxi pode fazer TVDE”. A mesma empresa pode licenciar-se para TVDE, mas tem que ter uma viatura descaracterizada.
Porque é que o táxi não pode? Porque o táxi é equiparado a transporte público de passageiros. Logo, tem apoio do Estado. Tem desconto nas aquisições e um preçário completamente diferente dos TVDE. É um preçário fixo. Tem tarifas de retorno já incluídas no valor que pagamos. Pagamos uma viagem, e se for ao preço justo do Funchal para o Aeroporto, vai dar entre 45 e 50 euros. Por quê? Cada trajeto é 25 euros. Isto foi estabelecido na convenção regional dos táxis, que afirma que o preço não pode ultrapassar os 25 euros por trajeto. Do Funchal ao Aeroporto, não pode ultrapassar os 25 euros. Quanto à tarifa de retorno, quando entramos no táxi, o preço que pagamos significa que o táxi saiu da praça, fez o seu serviço, mas é pago para voltar. Nos TVDE, não é assim; é ponto A a ponto B.
São favoráveis à introdução de uma taxa de retorno que cubra o local onde está a viatura até ao local da recolha do passageiro?
Tivemos uma reunião com a Bolt em que esse tema foi discutido, e a Bolt explicou o motivo de isso não poder acontecer. Trabalhamos através de um algoritmo. Normalmente, 90% das vezes, é o motorista que está mais próximo do passageiro que recebe a viagem.
Se é o que está mais próximo, se esse motorista rejeitar a viagem, como pode cobrar ao passageiro, uma vez que o outro motorista está mais longe? Não pode. O que falta aqui? Falta haver um ajuste e uma regulamentação novamente do Governo nacional. Tanto assim é que houve uma manifestação em Lisboa à frente da Assembleia, a pedir que isso acontecesse. Reivindicamos que o Governo delineie uma tarifa mínima por tempo e quilómetro, que seja de 80 cêntimos por quilómetro e 35 cêntimos por minuto, para dar alguma rentabilidade às empresas.
É uma reivindicação nossa que já existe há três anos.
A vossa associação reivindica também a obrigatoriedade de exame no IMT para os TVDE, feito exclusivamente em língua portuguesa…
Fizemos uma manifestação em setembro do ano passado para que a obrigatoriedade desse exame seja feita no Instituto da Mobilidade e dos Transportes (IMT). Trata-se de um exame para se poder operar como motorista TVDE. Anteriormente, esses exames eram feitos nos Centros de Formação ou nas Escolas de Condução.
Na vossa opinião, deveria ser o IMT, porquê?
Já é o IMT. Mas isso ainda não foi implementado na Madeira. Em dezembro, saiu uma portaria da Secretaria de Estado dos Transportes e Mobilidade (portaria 344/2024/1 de 19 de dezembro). A Secretaria reuniu connosco mais do que uma vez para tentar perceber o motivo pelo qual pedimos isso.
Queremos uma regulamentação e temos de começar por algum lado.
Não basta ir a um centro de formação, estar duas semanas, quatro horas por dia, dentro da Escola de Condução ou de um Centro de Formação, fazer um exame online e ficar habilitado para trabalhar. As características do território da Madeira são diferentes das do território continental.
Tem que haver outra forma de formação. E uma melhor forma de limpar a má imagem do setor. Aqui na Madeira, ainda não se vê tantos indostânicos a trabalhar no setor. A associação tem trabalhado arduamente junto das Escolas e dos Centros de Formação para tentar que isso não aconteça, porque a lei é clara quando diz que o exame tem que ser feito em português.
Sendo assim, como é que um indostânico chega aqui e faz um exame em português? Com a transferência para o IMT, este seria a entidade que certificaria o motorista através de um exame final com 30 perguntas, tal como acontece com o exame de código, onde só pode errar três.
Se errar mais de três questões, tem até 10 dias para fazer um novo requerimento para o exame. Se não passar, tem que voltar à Escola. Esta é uma forma de conseguirmos começar a regular o setor TVDE.
O que acontece? As primeiras renovações começam agora, este ano, após cinco anos. O nosso licenciamento é de cinco anos, como motoristas. Ou seja, os novos motoristas são obrigados a fazer exame, e os que estão a renovar a carteira profissional farão o exame em português. Isso ajudará a regular uma parte do setor. Esta foi uma forma que a associação conseguiu para começar a regular o setor.
Isto deveria ter sido implementado na Região, mas ainda não foi. Já foi feito ao nível nacional; só falta à Região Autónoma da Madeira fazer o seu trabalho.
E têm, por parte do Governo, uma estimativa sobre quando isso será resolvido?
O Governo Regional tem um problema grave contra o setor TVDE. Mas esquece-se dos milhões que recebe anualmente dos TVDE.
Mas, na sua opinião, qual seria esse problema do Governo Regional?
O problema? Eu ainda não percebi. Nós enviamos mais de um e-mail a solicitar reuniões com Rui Gonçalves, do IMT. Não respondem. Já enviamos um pedido para o presidente do Governo, Miguel Albuquerque, e não obtivemos resposta; ele ignora. Apenas afirma que o TVDE é um mal comum para a Madeira.
Mas porque é que os TVDE são considerados um mal comum quando, no ano passado, geraram nove milhões de euros para os cofres da Região? A minha pergunta é: quanto é que o setor de táxis deixou ao Estado nos últimos 50 anos? Se o presidente do Governo Regional soubesse responder a essa pergunta, seria ótimo.
Na vossa opinião, o setor TVDE gera muito mais receitas do que o setor de táxis?
Claro. Os TVDE não têm apoios de combustíveis. Os TVDE não têm apoios na aquisição de viaturas. Os TVDE pagam o Imposto Único de Circulação (IUC). Os TVDE têm um seguro com uma franquia de 50 milhões de euros, de responsabilidade civil para cada viatura. 50 milhões de euros é quase 3.900 euros de seguro por ano para cada viatura.
Um seguro para um táxi é de 7,8 milhões de euros. Consegue-se seguros por 800 euros por ano para o setor de táxis. O setor de TVDE não consegue esses valores.
Os apoios estatais entregues ao setor de táxis provêm da economia do setor TVDE. Está estipulado no regulamento criado pelo presidente do Governo Regional, ou por quem ele comandava, que “todo o valor canalizado pelo setor de TVDE é entregue ao setor de transportes públicos” da Região Autónoma da Madeira.
Nós trabalhamos para o setor de táxis e para o setor dos transportes em geral, para que tenham os apoios que recebem. Somos nós que contribuímos para esse valor. Portanto, não percebo qual é o problema que o Governo Regional tem com o setor dos TVDE. E até o dia em que formalmente eu seja chamado à Quinta Vigia, ou onde o presidente do Governo Regional achar por bem se reunir, gostaria que ele me explicasse isso.
Ou seja, nunca foram recebidos?
Não.
Nem por nenhum elemento do Governo?
Só por Pedro Fino [secretário regional dos Equipamentos e Infraestruturas]. Mas foi numa conversa informal, como se os TVDE fossem um mal.
Ou seja, em termos formais, nunca foram recebidos…
Exatamente.
Tanto que temos agora um problema com o projeto de resolução do PSD ao nível nacional, que contém uma parte muito interessante, onde se afirma que o setor de táxis pode operar dentro do setor TVDE.
Esta proposta é defendida pelo deputado do PSD na Assembleia da República, Paulo Neves, com unhas e dentes.
Por quê? Porque é a única forma de que o processo que a ANM-TVDE colocou em tribunal, é a única maneira que eles têm de vencer esse processo [a continuidade dos táxis nas plataformas TVDE].
Porque o Governo sabe que está a cometer uma grande ilegalidade na Região desde setembro de 2022, com a integração dos táxis nas plataformas TVDE. Estamos a preparar outro processo de pedido de indemnização às empresas TVDE, pois este acontecimento lesou várias centenas de euros a muitas empresas do setor que operam na Região.
Consegue quantificar esse prejuízo?
Nós tivemos uma queda de rentabilidade nas empresas de TVDE, quando o setor de táxis entrou, e a perda de rentabilidade foi quase de 50%. É bastante. Depois, houve campanhas misteriosas nas plataformas TVDE, com descontos de 50% para táxis. Quando andar de táxi é mais barato do que andar de TVDE, o que escolhe o consumidor? Escolhe o táxi e não o TVDE.
Tentaram arruinar muitas empresas no ano passado, quando, durante o mês de novembro e metade do mês de dezembro, houve um desconto de 50% apenas para táxis.
Isso aumentou a oferta e a disponibilidade dos táxis, deixando os TVDE de lado, o que é outra ilegalidade, e isto irá a tribunal. Estamos a elaborar um processo de pedido de indemnização às empresas que operam no setor, pela continuidade dos táxis na plataforma TVDE.
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