Em resposta escrita aos deputados da Assembleia Legislativa da República (que pode descarregar aqui) o antigo presidente da AICEP, Ricardo Arroja, confirma que a 20 de junho foi comunicado pelo atual Ministro da Economia e da Coesão Territorial, Manuel Castro Almeida, a sua a intenção de ter alguém com “um perfil diferente” à frente da AICEP. O antigo responsável da instituição considera que o modelo de financiamento da instituição é uma manta de retalhos.
“Na ausência de razões que justificassem a minha demissão por vontade própria, seguiu-se a exoneração na 2a feira seguinte, dia 23/06/2025, nos termos do Estatuto do Gestor Público, pouco mais de um ano após o meu início de funções. Da exoneração, fui informado pelo gabinete do Ministro da Economia e Coesão Territorial, através de chamada telefónica daquele gabinete para o meu escritório em Lisboa, ocorrida cerca das 15h00, horas depois de ter sido dispensado por email, cerca das 13h00, de uma reunião de trabalho que estava agendada para o início dessa mesma tarde de 23/06/2025 e para a qual havia sido previamente convocado pela equipa do Ministro. Nessa reunião, para além de mim, estariam também o Presidente do IAPMEI e a Presidente do COMPETE”, diz Ricardo Arroja, em resposta escrita aos deputados da Comissão de Economia e Coesão Territorial.
Nas respostas aos deputados socialistas Ricardo Arroja afirma que as metas de investimento para 2024 foram superadas e classifica a sua relação com o antigo ministro da Economia, Pedro Reis, como sendo “cordata e profissional”, e que a sua relação com o atual ministro se “resumiu ao encontro” de 20/06/2025, data em que foi comunicado, nas palavras de Ricardo Arroja, a vontade de Castro Almeida em ter à frente da AICEP alguém com um perfil diferente.
Ricardo Arroja diz que o ano de 2024 terminou com um montante total de investimento apoiado pelo Estado, contratualizado através da AICEP, de cerca de 420 milhões de euros – dos quais, a quase totalidade contratualizada no final do ano de 2024, “superando assim a meta definida pelo Conselho de Administração, entrado em Junho de 2024, para a totalidade do ano” de 2024.
“Quanto a 2025, até ao final do seu primeiro quadrimestre, o montante total contratualizado pela AICEP ascendia já a 300 milhões de euros, conforme divulgado pelo Ministério da Economia em comunicado à imprensa no dia 28/04/2025; mais ainda, à data da minha saída em Junho de 2025, encontravam-se em análise diversos projetos de investimento passíveis de apoios financeiros e fiscais do Estado português, com o intuito de se atingir o objetivo delineado pelo Conselho de Administração da AICEP para o total do ano de 2025– a saber, 3.700 milhões de euros”, afirma Ricardo Arroja.
O antigo presidente da AICEP afirmou aos deputados que na sua liderança a atividade da instituição “cresceu em abrangência e em número de iniciativas – medido em missões ao estrangeiro, missões inversas recebidas em Portugal, contratualização de investimento com apoio do Estado português, bem como de outras iniciativas criadas e decorridas durante o tempo de exercício” do meu mandato, lembrando que o trabalho feito pela AICEP foi elogiado pelo antigo ministro a Economia, Pedro Reis e pelo atual primeiro-ministro Luís Montenegro.
“Em suma, o trabalho estava a ser desenvolvido com dinâmica, com resultados, e em coerência com o programa de Governo, sem qualquer sinal de insatisfação formal da tutela”, explicou Ricardo Arroja aos deputados.
Ricardo Arroja diz ainda que sob a sua iniciativa foi criado um Grupo de Trabalho interno em sede de verificação de incentivos e auditoria.
“Esta iniciativa – que identifico como a mais importante reforma interna realizada no meu mandato – teve início em meados de Junho de 2024, poucos dias depois do meu início de funções e imediatamente após o Conselho de Administração ter tido conhecimento do relatório de auditoria da Agência para o Desenvolvimento e Coesão (AD&C), a propósito da “Operação Maestro””, disse Ricardo Arroja aos deputados.
PRR e ao PT 2030 “Padecem de constrangimentos administrativos diversos”, diz Arroja
O ex-líder da AICEP defende que “lamentavelmente” o PRR e no PT2030, “têm padecido de constrangimentos administrativos diversos, designadamente a ausência, em tempo útil, de ferramentas informáticas para análise e tramitação de candidaturas, que as autoridades de gestão são responsáveis por fornecer (atempadamente) aos organismos intermédios de gestão”. Na prática, explica na resposta aos deputados, isto traduz-se em avisos concursais que são publicados pelas autoridades de gestão “de forma insuficiente, sem a concomitante disponibilização das ferramentas informáticas – indispensáveis numa área em que o rigor máximo tem de ser a máxima de serviço –, prejudicando a tramitação dos processos e a exequibilidade dos prazos de análise (que começam a contar com a publicação dos avisos, haja ou não forma de proceder à análise)”. Ricardo Arroja recorda que estes avisos concursais geram habitualmente muita procura junto do tecido empresarial, podendo produzir, em cada aviso, dezenas de candidaturas conjuntas (associações) e centenas de candidaturas individuais (empresas).
E pelo meio ficaram ainda críticas entre aquele que é o discurso político e depois a realidade no terreno.
Ricardo Arroja sublinha nas respostas aos deputados que “independentemente da pressão política que possa existir para agilizar apoios, na ausência de instrumentos de trabalho, são inviáveis maiores níveis de serviço”, acrescentando que “esta deficiente realidade, que choca com o discurso político vigente e coloca um ónus indevido sobre organismos intermédios de gestão como a AICEP”, foi por si publicamente sinalizada em entrevista em novembro de 2024, na qual deixou “críticas à cúpula do todo o sistema de atribuição de fundos europeus em Portugal – sob tutela do Ministério da Coesão Territorial (liderado então pelo Ministro Castro Almeida)”.
O economista esclareceu também que após a sua saída ficou o dossier estratégico que ficou pendente à data da minha saída “foi a revisão” do modelo de financiamento [da AICEP]. Ricardo Arroja adiantou também que a atual Presidente do Conselho de Administração da AICEP, Madalena Oliveira e Silva [que fazia parte da equipa de Ricardo Arroja] que “possui longa experiência na AICEP, era conhecedora dos dossiers estratégicos que, de resto, foram sendo discutidos de forma colegial e consensual” no seio do Conselho de Administração. Sobre a sua relação com Madalena Oliveira e Silva, Ricardo Arroja diz que foi “profissional e respeitadora da sua autonomia funcional enquanto administradora executiva responsável pelas direções de incentivos (DINC), de angariação (DA) e de custos de contexto e PIN (DCCPIN)”.
Ricardo Arroja confirma também que existiu uma taxa de conversão de referência de 10% para o investimento [rácio entre total de intenções de investimento e o total de investimentos efetivamente realizados].
Quanto ao domínio das exportações/internacionalização, avança que o cálculo de conversão “é mais granular, sujeito não só a efeitos desfasados no tempo, mas também à disponibilização desfasada dos dados para efeito de cálculo dos rácios de conversão, e tornado também mais complexo pela existência de diferentes modalidades de conversão da atividade comercial da AICEP em medidas de avaliação de impacto”.
Ricardo Arroja disse ainda aos deputados que o resultado líquido negativo em 2024, a exemplo de exercícios anteriores, “teve origem num modelo de financiamento que é incompatível com princípios de boa gestão, mormente, numa altura em que se pedia à agência um reforço” da sua atividade. […] “Lamentavelmente, o modelo de financiamento da AICEP constitui uma manta de retalhos desde há muito”.
“Nos últimos anos, incluindo em 2024, o modelo de financiamento da AICEP ficou marcado pelo não recebimento de transferências correntes que lhe estariam destinadas, pela utilização de saldos de gerência para financiamento de iniciativas que deveriam ser financiadas com receitas efetivas consignadas para o efeito (v.g., Expo de Osaka 2025) e, também, pela utilização de fundos europeus (v.g., SIAC’s – Sistemas de Incentivos a Ações Coletivas –, dirigidos por convite à AICEP), em vez de receitas correntes do Orçamento do Estado, para financiamento de atividades de promoção externa que constituem área nuclear – logo, desejavelmente estáveis e previsíveis – da agência”, revelou Ricardo Arroja.
“Na sequência dos esforços desenvolvidos pelo Conselho de Administração por mim presidido, em 2025 foi possível assegurar um reforço de receitas correntes, provenientes do IAPMEI, no valor de 18,25 milhões de euros, mantendo-se inalteradas as restantes fontes de financiamento corrente (v.g., o Turismo de Portugal e o Fundo para as Relações Internacionais). Tratou-se de um reforço essencial, atendendo ao persistente desequilíbrio nas contas da agência, à expansão de atividade que lhe havia sido solicitada pelo Governo (via RCM nº70/2024), e como solução de transição até à implementação do novo modelo de financiamento (que se antecipava para 2026). Todavia, para 2025 não foi possível alterar o modo de financiamento da Expo Osaka 2025, que se manteve através de saldos de gerência da AICEP – uma infeliz formulação, consagrada na RCM nº149/2022, de 29 de dezembro, que delapida a tesouraria da agência e os seus resultados líquidos”, acrescentou o antigo presidente da AICEP.
Atualizado às 13h34
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