O discurso com que António Costa encerrou o debate parlamentar do Orçamento do Estado para 2022, minutos antes do chumbo da proposta de contas públicas apresentada pelo seu governo, mostrou o primeiro-ministro sem vontade de perder tempo, adiantando-se desde logo às eleições antecipadas decorrentes de uma dissolução da Assembleia da República que, a confirmar-se, só será decidida por Marcelo Rebelo de Sousa em meados da próxima semana.
Dirigindo-se às várias bancadas de uma oposição quase inteiramente congregada na reprovação do documento elaborado por João Leão, pois apenas os 108 deputados do PS votaram a favor, com os três deputados do PAN e as não inscritas Cristina Rodrigues e Joacine Katar Moreira a optarem por abster-se, o primeiro-ministro estabeleceu o objetivo de vir a alcançar uma “maioria reforçada, estável e duradoura” nas próximas legislativas.
Mesmo sem pedir explicitamente a maioria absoluta que não conseguiu em 2019, quatro anos após os acordos de incidência parlamentar que deram origem à ‘geringonça’ lhe terem permitido governar apesar de o PS ter ficado atrás da coligação minoritária formada pelo PSD e CDS-PP, Costa deu sinal de que a campanha eleitoral arrancou mesmo que tenha deixado claro que está preparado para governar por duodécimos se for essa a vontade do Presidente da República.
Garantindo que a direita “fechou para obras” e “continua a não estar preparada para governar” – apesar de ao longo dos dois dias de debate parlamentar ter agitado, tal como outros membros do Governo e da bancada parlamentar socialista, a ameaça de reversão das opções políticas dos últimos seis anos devido ao regresso do PSD e seus parceiros ao poder -, o primeiro-ministro admitiu voltar a colaborar com os partidos mais à esquerda numa próxima legislatura.
“Tenho orgulho naquilo que conseguimos fazer de 2016 até agora”, disse, abrindo a porta a novos entendimentos com vista a um “governo equilibrado e responsável que tem todo o potencial para construir o futuro”. No entanto, também deixou claro que via o chumbo do Orçamento do Estado para 2022, devido aos votos contra do Bloco de Esquerda, do PCP e do PEV, como um motivo de “frustração” e de “derrota pessoal”, acusando os habituais parceiros parlamentares de terem tomado a opção estratégica de reprovarem o documento para enfrentarem o PS nas urnas antes de 2023, quando o impacto do Plano de Recuperação e Resiliência se fizer sentir de forma mais acentuada na recuperação económica e social. “A madrugada de 22 de junho foi o dia em que muitos aqui à volta decidiram que era hora de mandar abaixo este Governo”, disse.
Passar para os partidos mais à esquerda o ónus pela anunciada reprovação logo na fase de generalidade foi uma das prioridades de António Costa antes e depois da votação, repetindo que o seu Governo “sai de cabeça erguida” e “com a serenidade e liberdade de quem está de consciência tranquila”. E apesar de o “passa-culpas” ter dominado o segundo dia do debate parlamentar, a insistência na atribuição de responsabilidades a bloquistas, comunistas e verdes pelo chumbo do “Orçamento do Estado mais à esquerda de sempre” mobilizou figuras do executivo como João Leão, Pedro Siza Vieira e Marta Temido. Sem se impressionar, a coordenadora do Bloco de Esquerda, Catarina Martins, retorquiu que a expressão “é tão oca que a direita a repete”.
Sendo certo que todos os partidos declararam estar prontos para irem a votos caso se mantenha o entendimento de Marcelo Rebelo de Sousa – que recebeu António Costa e Ferro Rodrigues na noite de quarta-feira no Palácio de Belém, seguindo-se contactos com os parceiros sociais na sexta-feira, com os partidos com representação parlamentar (e também o Livre) no sábado e a reunião do Conselho do Estado na quarta-feira -, o caminho para as eleições antecipadas ganha outros contornos no PSD e no CDS-PP, que têm em curso processos de escolha de liderança em que os incumbentes Rui Rio e Francisco Rodrigues dos Santos estão a ser desafiados, respetivamente, pelos eurodeputados Paulo Rangel e Nuno Melo.
Um e outro já deixaram claro que não aceitarão o adiamento da escolha de liderança, mas a verdade é que a sobreposição de calendários põe alguns problemas. A legislação eleitoral estabelece que as legislativas decorram 55 a 60 dias após a dissolução da Assembleia da República, mas também que as listas de deputados sejam entregues até ao 41.º dia anterior à data da ida dos eleitores às urnas. E tendo em conta que o congresso do CDS-PP está marcado para 27 e 28 de novembro, seguindo-se as eleições diretas do PSD a 4 de dezembro, com o congresso social-democrata agendado para 14 e 15 de janeiro, tornar-se difícil que as legislativas possam realizar-se antes do final de janeiro ou princípio de fevereiro sem que um atual líder eventualmente derrotado ficasse com a responsabilidade de escolher os deputados do seu partido.
Maior alívio existe no Chega e na Iniciativa Liberal, cujos presidentes e atuais deputados únicos aguardam uma multiplicação assinalável do número de mandatos nas próximas legislativas, tendo em conta os resultados que os dois partidos acusam nas mais variadas sondagens.
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