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“Aquela merd* é quase intocável” e “temos agora a APA a armar-se em parva”. Como o centro de dados de Sines foi desbloqueado ambientalmente, segundo o MP

O MP suspeita que o centro de dados de Sines obteve uma autorização ambiental após Diogo Lacerda Machado, Afonso Salema e Rui Oliveira Neves da Start Campus exercerem “influência” junto de João Galamba, Vítor Escária e Nuno Lacasta que, por sua vez, pressionaram várias entidades.
Cristina Bernardo
12 Novembro 2023, 15h05

A primeira fase do projeto (NEST) do centro de dados de Sines (o projeto Start Campus) foi dispensada de Avaliação de Impacte Ambiental (AIA) por ser construída fora da Zona Especial de Conservação (ZEC).

Após a dispensa de AIA na primeira fase, Afonso Salema e Rui Oliveira Neves avançaram para a elaboração do Estudo de Impacte Ambiental (EIA) relativamente à segunda fase e final do projeto (REST).

Os dois administradores do Start Campus “encetaram contactos” com João Galamba e Nuno Lacasta (entre almoços e jantar) “por forma a garantir que o procedimento de AIA prosseguiria em termos favoráveis à Start Campus, mormente que fosse o mais rapidamente possível emitida decisão de impacte ambiental favorável”, segundo o despacho de indiciação do Departamento Central de Investigação e Ação Penal (DCIAP) do Ministério Público, a que o JE teve acesso.

Devido a “vicissitudes e obstáculos”, Afonso Salema, Rui Oliveira Neves, Diogo Lacerda Machado e Vítor Escária intercederam junto dos dois arguidos João Galamba e Nuno Lacasta e do ministro do Ambiente Duarte Cordeiro (não é arguido).

A APA entendia que a Start Campus devia apresentar Estudo de Impacto Ambiental do centro de dados e da central solar (que iria fornecer energia limpa ao projeto) ao mesmo tempo, mas Duarte Cordeiro e João Galamba “manifestaram entendimento de que o data center podia funcionar sem o parque solar e, consequentemente, este último componente poderia ficar de fora do EIA, o que por seu turno facilitava todo o procedimento de AIA e
permitia mais facilmente a emissão de uma decisão favorável”.

Perante a “resistência inicial” da APA, a “influência” de João Galamba junto de Nuno Lacasta, levou a que a central solar “fosse autonomizada do procedimento de AIA do REST”.

Em outubro de 2023, o” projecto relativo ao parque solar foi aprovado por parte da DGEG com dispensa de EIA, por forma a não ser necessário parecer do ICNF, conforme foi transmitido prévia e informalmente ao arguido Rui Oliveira Neves por João Bernardo da DGEG”.

No entanto, permaneceu uma discussão em torno da ZEC, pois “praticamente toda a área do REST permanecia dentro dessa zona”.

A 2 de junho de 2022, Afonso Salema disse a Rui Oliveira (citando Filipe Costa da AICEP Global Parques, depois de uma reunião com este) que ontinua a existir “a guerra das ZEC’s”, que o Duarte Cordeiro (Ministro do Ambiente) está a tentar defender a posição do ICNF, mas que o Ministro da Economia, o das Infraestruturas e o Primeiro-ministro,
aprovaram a desclassificação daquilo, ZEC (Zonas Especiais de Conservação).”

A 26 de maio de 2022, “por pressão exercida pelos arguidos João Galamba e Vítor Escária”, realizou-se uma reunião elementos dos ministérios do Ambiente e da Economia, com a presença de Galamba e de Escária, e também com a de Nuno Banza, presidente do ICNF.

A 26 de maio, Nuno Banza ligou para Nuno Lacasta:

Banza – “eles querem isentar aquilo de AIA.”

Lacasta –  “Sim, não há… aquilo já está isentado de AIA, nesta fase, agora no futuro não faço ideia se, se é isentada ou não. Aquele triângulo aquilo que me disseram é que eles querem é é o a discussão hoje é o triângulo, não é?”

Lacasta – “Vamos lá ver o projeto nós estamos já completamente organizados com o promotor, há meses, há um ano e tal, em que nós em que eles tem sete módulos, desses sete módulos estão agora a construir dois, acho eu a vão construir já foram isentados de AIA já está resolvido esse tema, percebes? Isso já está resolvido e há um……compromisso do promotor que foi e há um compromisso do promotor que depois fará um AIA pra o resto da da coisa, mas são, são sete módulos é uma coisa gigante, são não sei quantos hectares, portanto isso está tudo resolvido, está tudo feito, está tudo tratado, está tudo tranquilo, não tem nenhum tema.”

Nuno Banza – “É uns charcos temporários, aquilo tem lá umas espécies prioritárias e uns habitats prioritários.”

Nuno Lacasta – “E tu não consegues fazer uma espécie de compensação … (impercetível) mas, ali perto?”

Nuno Banza – “Não consigo porque aquilo é…… porque os prioritários não consegues. Percebes? Tu conseg… tu consegues fazer isso para os habitats da diretiva, desde que não sejam prioritários. O que risco de fazer isso, os prioritários normalmente a produção em, em estado de conservação muito desfavorável. E tu num estado de conservação muito desfavorável, é pá, aquela merda é quase intocável, ‘tás a ver? Porquê, porque depois tu podes não conseguir reproduzir… BANZA: Mas, o Datacenter, o terreno do Datacenter, olha uma coisa o tereno do Datacenter é todo ZEC, é todo Zona Especial de Conservação, atão nunca podes isentar de AIA”.

Nuno Lacasta – “Sim, mas eu já isentei a, o primeiro pavilhão, já está feito.”

Nuno Banza – “Como é que isen… como é que isentas-te o primeiro pavilhão… … está dentro da ZEC?”

Nuno Lacasta – “Não sei, não deve estar. Mas eu sei que já foi isentado e foi um não assunto.”

Nuno Banza – “Pronto! É porque não está dentro da ZEC.”

Nuno Lacasta – “O resto não o resto não, mas o resto também não á… o resto para eles não é o tema, eles, eles tem o estudo, mais do que preparado a preparado ou em vias de preparação.”

Nuno Banza: “Um estudo sobre? Não a questão não é essa…a questão (impercetível) é que eu vou ter que lhes dar parecer desfavorável eu … (impercetível) avaliou eu vou ter que lhe dar … (impercetível) é pá. Eu vou, vou eu vou ter que lhe dar parecer desfavorável e eu e eles se quiserem avançar com aquilo tem que fazer aquele, aquele processo de infração de declarar o edifício… de utilidade pública.”

Nuno Lacasta – “Mas espera! Os gajos tem que construir o Datacenter junto à central térmica, isso é garantido.”

No próprio dia, João Galamba contactou Nuno Banza após a reunião.

João Galamba – “eu discordo de ti, discordo do João Paulo Catarino [secretário de Estado da Conservação da Natureza e Florestas ] como tu bem sabes e portanto eu não vou falar na reunião e colocar… contra um colega meu do Ministério..”

Nuno Banza – “para resolver isto, olha uma coisa João, isto resolve-se em sede de AIA e se no limite chegares…… ao final…”

João Galamba – “é o que diz a Eugénia [chefe de gabinete de João Galamba] a Eugénia perguntou-te isso naquela reunião e tu não respondeste. (…) A Eugénia disse-te assim, tu, tu a certa altura, naquela reunião que tivemos há um ano e tal dizes assim, ó pá, na na… e a Eugénia respondeu-te assim. Ó ó Nuno Banza eu até compreendo o teu argumento no sítio da central e ao lado do parque do carvão. E tu aí…”.

Nuno Banza – “Houve uma coisa, isso é, foi assim foi… e eu não percebi e e não respondi, não foi porque não quis; e, vou-te dizer agora a questão é tão simples quanto isto, eu todos os dias licencio coisas em zona de rede natura, todos os dias o que interessa, não é se está em zona de rede natura ou se estão identificados valores para lá e eu no parque do carvão e na zona da central, não tenho qualquer valor identificado e portanto, nunca haverá nenhum problema na central e no parque do carvão, estás a perceber?”.

João Galamba – “repara o o quê que é o pedido da AICEP Global Parques, é vamos desclassificar aquela zona em torno da central…”.

Nuno Banza – “… não é, não é esse o pedido, não é esse o pedido é que eles estão a pedir para desclassificar uma zona na qual estão identificados habitats e o que eu te estou a dizer é que eu não preciso de desclassificar, eu posso na mesma, fazer o projeto lá e posso compatibilizá-lo em sede de AIA e aquilo continua dentro da ZEC e eles fazem o projeto na mesma e eu se precisar de medidas de compensação adoto-as em sede de aia…”

João Galamba – “estou a falar contigo em privado na mesma maneira que falei com o Duarte [Cordeiro], em privado.

Nuno Banza – “… claro, mas ó pá, por isso é que te estou a dizer, tu tens que me ajudar a meter na cabeça desta gente, tu tens que me ajudar a meter na cabeça desta gente que a solução não é eu ir perguntar nada a Bruxelas. A solução eu, eu fazer o o processo de avaliação de impacto ambiental, é é pensar se houver necessidade de pensar nas medidas compensatórias, propor as medidas compensatórias, fechar o processo, licenciá-lo e deixar lá estar a ZEC na maior,
tás a ver?”.

João Galamba – “a pessoa que classificou agora foi lá a mesma pessoa da Universidade de Évora que no início dizia que havia, agora diz que não há taxativamente e demonstra que não e não sei o quê”.

Nuno Banza – “Ó João, João esquece isso, não há, ainda bem o gajo mete esse gajo na… faz assim: metes esse gajo no processo de avaliação de impacto ambiental, ‘tás a ver? O gajo faz esse levantamento no processo de avaliação de impacto ambiental e a gente aprova o projeto assim”.

João Galamba – “Ok, atão, pronto, ok!”

A 22 de dezembro de 2022, Vítor Escária garantiu a Afonso Salema e a Diogo Lacerda Machado que o AIA teria “decisão favorável”, segundo o MP. Na ocasião, Vítor Escária garantiu a Afonso Salema que “não haveria oposição por parte do ICNF, mas que, se ainda assim surgirem dificuldades, devia o arguido Afonso Salema pedir a sua intervenção”.

O MP afirma que Afonso Salema relatou que Vítor Escária ““ofereceu tudo, e do resto do AIA também, disse que o ICNF está agora sobre aviso, que lhe foi dito que o ICNF já não pode dizer que não, que a única coisa que pode dizer é como. Porque os usos de solos não podem automaticamente serem incompatíveis, tem de encontrar uma forma de compatibilização/compensação e que se for preciso intervir ele também ajuda, que com o Duarte [Duarte Cordeiro, Ministro do Ambiente] em princípio a coisa deve estar bem encaminhada”.

Desta forma, fruto das pressões exercidas junto de Nuno Banza por “João Galamba e Vítor Escária” e “apesar de inicialmente ter entendido que não eram admissíveis medidas compensatórias quanto aos habitats afectados, o ICNF inverteu a sua oposição e, sem sede de parecer da comissão de avaliação, admitiu tais medidas e propôs a admissão de decisão favorável”.

Outro episódio em sede de AIA, teve lugar quando a Águas de Santo André “manifestou reservas em virtude de discordância no entendimento jurídico da Start Campus quanto à utilização das suas infraestruras”.

Nuno Lacasta contactou então o ministro Duarte Cordeiro e com Marcos Sá, presidente do conselho de administração da Águas de Santo André “no sentido de o demover da objecção manifestada por esta entidade, tendo a DIA sido emitida sem qualquer condições relativa à questão suscitada por essa entidade”.

Em abril de 2023, a APA notificou a Start Campus para fornecer elementos adicionais. Um mês depois, Afonso Salema contactou Diogo Lacerda Machado para desbloquear a questão.

A 10 de maio, Diogo Lacerda Machado começa por dizer: “eu queria ver se ia falar com o Escária e portanto precisava de se calhar de me sentar meia hora consigo para fazer, apanhado”.

Afonso Salema responde: “nós temos que falar urgente, mas que é mas é urgente (…) temos agora a APA a armar-se em parva ou seja tivemos aquelas coisas todas e de repente aparece lá alguém nos seus recônditos, dos armários da APA, a dizer eu só aprovo quando tiver o estudo definitivo de integração paisagística”.

Em agosto de 2023, “fruto de diversas pressões por parte dos arguidos João Galamba, Vítor Escária e Nuno Lacasta junto das entidades envolvidas na sequência da influência exercida pelos arguidos Diogo Lacerda Machado, Afonso Salema e Rui Oliveira Neves, a Start Campus logrou obter uma Declaração de Impacto Ambiental [DIA] favorável, sem oposição do ICNF, com vista à construção das restantes fases do projecto”, conclui o Ministério Público.

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