A Guiné-Bissau começou 2025 a pedir eleições, foi a votos sem oposição e sem incidentes, mas o processo resultou num golpe sem consenso ou certezas acerca da origem e objetivo.
A tomada de poder pelos militares em 26 de novembro tem tido várias interpretações por diferentes setores, com a conclusão comum de que é diferente dos golpes “tradicionais”.
“Um golpe sem nome” é como o classifica Sophia Birchinger, a investigadora alemã do PRIF, um dos principais institutos de pesquisa para a paz, que integra o grupo de investigação dedicado a questões africanas, focada em países como a Guiné-Bissau.
Na reflexão que faz à Lusa sobre o balanço de 2025, destaca o acontecimento marcante na Guiné-Bissau e aponta as quatros narrativas que surgiram publicamente.
A dos lideres militares que tomaram o poder sobre a descoberta de um plano de políticos nacionais e barões da droga para desestabilizar o país e alterar o resultado das eleições.
O “golpe falso” foi a classificação dada pelas organizações da sociedade civil e os políticos da oposição, que acusam o Presidente cessante de orquestrar o golpe para evitar a sua derrota, a publicação dos resultados eleitorais e a vitória da oposição.
Há ainda aqueles que defendem o Presidente cessante e deposto pelos militares e, “há também uma resignação e habituação generalizada entre os guineenses”.
Dos factos resulta que três dias depois das eleições gerais, presidenciais e legislativas, de 23 de novembro, e depois de um tiroteio sem vítimas, um Alto Comando Militar tomou o poder, o Presidente cessante foi deposto e saiu do país, a Constituição e o processo eleitoral foram suspensos.
Os guineenses esperavam por eleições desde que a Assembleia Nacional Popular foi dissolvida, há dois anos, pelo chefe de Estado, e foi afastada do poder a maioria PAI-Terra Ranka, liderada pelo Partido Africano para a Independência da Guiné e Cabo Verde (PAIGC).
As legislativas antecipadas foram convocadas e adiadas, em novembro de 2024, e a meio do ano, o Presidente Embaló anunciou eleições gerais para 23 de novembro.
A oposição já reclamava eleições e o fim do mandato presidencial, que defende terminou em 27 de fevereiro, enquanto o chefe de Estado apontava 04 de setembro, a data em que o Tribunal decidiu, em 2020, o diferendo dos resultados eleitorais das presidenciais de 2019, contestados pelo adversário Domingos Simões Pereira.
Simões Pereira apresentou-se novamente à corrida presidencial de 2025, mas foi excluído, assim como a coligação PAI-Terra Ranka e outra coligação da oposição, a API Cabas Grandi, pelo Supremo Tribunal de Justiça.
O duelo destas eleições foi protagonizado por Umaro Sissoco Embaló e Fernando Dias da Costa, que avançou como independente e ganhou o apoio do histórico PAIGC, que pela primeira vez não foi a eleições.
Um dia depois do ato eleitoral, Dias reclamou vitória à primeira volta sobre Embaló, ainda antes da divulgação dos resultados oficiais pela Comissão Nacional de Eleições, que tinha anunciado para 27 de novembro.
A investigadora Sophia Birchinger descreve o atual momento da Guiné-Bissau como “golpe lento”, sustentando que “os críticos afirmam que, nos últimos cinco anos, Embaló manipulou e tornou as instituições ainda mais autocráticas, construindo um ecossistema à sua volta”.
A investigadora lembra ainda a expulsão da missão de mediação da Comunidade Económica dos Estados da África Ocidental (CEDEAO), em março de 2025.
“Um ano negro, esperança adiada e futuro incerto”, é o balanço feito por Mamandin Indjai, analista e jornalista guineense, que reconhece as “iniciativas de infraestruturação de uns quilómetros de estradas, da imagem presidencial no concerto das nações”, nos últimos anos, mas destaca que os guineenses “clamam pela liberdade” e que “a fome e precariedade dos serviços públicos têm afetado significativamente as vidas”.
Indjai aponta “violações dos direitos humanos (…), raptos, agressões, mortes sem explicações, perseguições de vozes críticas, nomeadamente jornalistas, advogados e ativistas dos direitos humanos”.
“As organizações da sociedade civil rejeitam as novas autoridades militares (…), a maioria das estruturas cívicas subscrevem a divulgação dos resultados eleitorais, assim como os observadores e as organizações regionais, a CEDEAO e a União Africana”, acrescenta.
As duas organizações regionais africanas suspenderam a Guiné-Bissau e a Comunidade dos Países de Língua Portuguesa (CPLP) irá tomar uma decisão na cimeira de chefes de Estado e de Governo, com a recomendação de nova escolha para a presidência, atualmente ocupada pela Guiné-Bissau.
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