O Brexit tem sido uma caixinha de surpresas. Se é certo que os agentes económicos, designadamente as empresas, temiam a saída do Reino Unido da União Europeia (UE), a verdade é que não a esperavam, nem se encontravam preparadas para este novo paradigma europeu e para todas as implicações que tal facto acarretava.
A boa notícia (ou a menos má, dependendo da perspetiva) é que estão a decorrer negociações com vista a um Soft Brexit, procurando-se a todo o custo, e dentro dos limites possíveis num quadro negocial entre as partes, um acordo de saída do Reino Unido com a UE que permita mitigar os efeitos colaterais de um Hard Brexit. A má notícia é que o primeiro-ministro britânico já anunciou, em jeito de ultimato, que 15 de outubro é a data limite para a conclusão de um acordo pós-Brexit com a UE. Ora, se até essa data as negociações não estiverem concluídas, poderemos caminhar para um Hard Brexit, caracterizado por uma saída do Reino Unido não só da UE, como também do Mercado Único e da UE, caso em que o Reino Unido passaria a ser tratado pelos Estados-membros da UE como um País Terceiro, com os efeitos colaterais que tal acarretaria para a economia.
Neste contexto, com o presente artigo pretende-se apresentar uma breve reflexão genérica e preliminar sobre a forma como um Hard Brexit poderá afetar a tributação dos principais fluxos de rendimentos de e para o Reino Unido, dentro daquilo que podemos, nesta fase, antecipar. Lembrando que esta reflexão não esgota de todo a análise das implicações fiscais associadas a um eventual Hard Brexit, abordar-se-á nesta edição do Boletim Fiscal, algumas consequências fiscais que entendemos relevantes destacar desde já.
Ora, naturalmente que as relações económicas entre o Reino Unido e os Estados-membros da UE serão afetadas por um eventual Hard Brexit, constituindo um dos seus grandes sintomas. De facto, com o Hard Brexit, as liberdades de circulação de pessoas, bens, capitais e serviços entre os Estados que integram o Mercado Único deixarão de vincular o Reino Unido. Portugal, para além de ser Estado-membro da UE, apresenta um elevado grau de exposição ao Reino Unido, na medida em que é um dos países para quem o mercado do Reino Unido tem maior relevância, por razões históricas sobejamente conhecidas.
Relativamente à tributação dos principais fluxos de rendimentos de e para o Reino Unido num cenário de Hard Brexit, desde logo, todas as disposições comunitárias em matéria fiscal, designadamente a Diretiva sobre Juros e Royalties e a Diretiva Mães-Filhas, deixariam de ser aplicadas ao Reino Unido. Nesse sentido, os pagamentos feitos entre Estados Membros e o Reino Unido apenas poderiam ver a respetiva tributação atenuada pela aplicação de Convenções para Evitar a Dupla Tributação (CDT).
Ora, a este respeito, no caso dos juros pagos por uma sociedade portuguesa a uma sociedade associada do Reino Unido, os mesmos passariam a estar sujeitos a retenção na fonte em Portugal a qual, no limite, poderia ser reduzida pela aplicação da respetiva CDT. Tal facto será igualmente relevante numa perspetiva de estruturas de gestão integradas de propriedade intelectual que possam originar o pagamento de royalties de e para o Reino Unido, na medida em tais pagamentos poderão passar a estar sujeitos a retenção na fonte de imposto sobre o rendimento. Isto, em si mesmo, apresenta desde logo um forte constrangimento para eventuais estruturas que originem pagamentos destas naturezas envolvendo contrapartes no Reino Unido.
Quanto aos dividendos pagos a empresas do Reino Unido, uma vez que a lei portuguesa prevê um amplo regime de isenção de retenção na fonte (inserida no âmbito das regras do regime de participation exemption), cujo âmbito de aplicação não se restringe a empresas residentes na UE, não haverá, à partida, qualquer impacto negativo num cenário de Hard Brexit, desde que, naturalmente, verificados os requisitos formais e substantivos previstos na lei.
Para além disso, determinadas normais fiscais domésticas em Portugal que apenas se aplicam nas relações com entidades da UE (como, por exemplo, a aplicação do regime especial de tributação dos grupos de sociedades de forma horizontal), deixariam de beneficiar empresas residentes no Reino Unido, o que poderia ditar alterações profundas à composição do perímetro dos Grupos de sociedades, caso a estrutura corporativa do Grupo incluísse empresas sediadas no Reino Unido (ou caso uma empresa aí sediada assumir a qualidade de sociedade dominante do Grupo).
Por outro lado, iriam continuar a aplicar-se as disposições das CDT em vigor, a Convenção Multilateral e as próprias orientações da OCDE em matéria de tributação.
É neste contexto que as empresas portuguesas com relações comerciais e de negócio com o Reino Unido deveriam, com a maior brevidade possível, avaliar o impacto que um potencial Hard Brexit terá nas suas operações (caso ainda não o tenham feito) e estabelecer planos de reestruturação empresarial com alguma elasticidade e/ou flexibilidade que mitiguem os efeitos colaterais de um Hard Brexit cada vez mais latente. Como em quase tudo na vida, a existência de planos B ou planos de contingência são cada vez mais necessários, num mundo global em que a velocidade em que ocorrem mudanças é vertiginosa. As empresas e os empresários têm de estar alerta e, acima de tudo, preparados.
Taguspark
Ed. Tecnologia IV
Av. Prof. Dr. Cavaco Silva, 71
2740-257 Porto Salvo
online@medianove.com