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Crimeia: Seis anos depois da anexação russa, tensão regressa à península

O incidente no estreito de Kerch fez renascer velhas feridas na península da Crimeia. A Rússia vai mobilizar novas tropas para a região, como resposta à “provocação” ucraniana de invadir as suas águas territoriais. Do lado ocidental, a Ucrânia prepara-se também para responder a uma eventual ofensiva. A tensão está ao nível de 2014, quando a Crimeia foi anexada pelo regime russo.
18 Dezembro 2018, 07h20

Se as relações entre a Ucrânia e a Rússia já estavam tremidas, então o incidente ocorrido no último fim de semana no estreito de Kerch, que liga o Mar Negro ao Mar de Azov, veio agitar ainda mais as águas. A Rússia acusa o país vizinho de “provocação”, ao violar as regras marítimas internacionais, e anunciou que vai reforçar os mecanismos de defesa junto à fronteira. A chegada de novas tropas russas à península da Crimeia está a alarmar a Ucrânia e os seus aliados ocidentais, que temem que a guerra de palavras entre os dois países venha a reavivar velhas tensões na região e incentivar novas ambições expansionistas por parte da Rússia.

O presidente russo, Vladimir Putin, tem ignorado os pedidos internacionais para que sejam libertados os três navios da marinha ucraniana – duas pequenas lanchas blindadas e um rebocador – e os 24 tripulantes  que foram capturados pela guarda costeira da marinha de guerra da Rússia no passado domingo. O serviço de segurança russo FSB defende que o incidente foi provocado pelos navios ucranianos, que ignoraram os avisos da guarda costeira e entraram em águas territoriais alheias. No entanto, a Ucrânia garante que os seus navios estavam em águas neutrais e que, em momento algum, foram violadas as leis internacionais. A esta “invasão” da Ucrânia, a guarda costeira russa respondeu com vários disparos, que deixaram três tripulantes feridos.

Ao Jornal Económico, Maria Raquel Freire, investigadora do Centro de Estudos Sociais e professora de Relações Internacionais da Faculdade de Economia da Universidade de Coimbra, explica que “em causa está a afirmação das políticas de parte a parte”. “A Rússia procura afirmar a sua posição no panorama internacional e, em termos internos, quer afastar o foco das manifestações que surgiram no país, após a alteração da idade da reforma. Já na Ucrânia, a popularidade de Poroshenko tem vindo a cair a pique e como as eleições estão a aproximar-se, trata-se também de uma questão de conquistar votos. Há ainda a componente externa, em que a Ucrânia quer sinalizar o Ocidente de que precisa da sua ajuda para lidar com as ameaças externas”, explica a investigadora.

Segundo um acordo assinado em 2003, os navios russos e ucranianos podem navegar livremente no mar de Azov. No entanto, com a ocupação russa da península da Crimeia, o estreito de Kerch passou a ser controlado pelos russos, que têm vindo a limitar o acesso de cargueiros aos portos ucranianos. Após o incidente do fim de semana passado, o governo russo anunciou que vai reforçar os mecanismos de defesa na Crimeia, com o envio de um sistema de mísseis antiaéreos S-400, que deve juntar-se aos três já instalados na zona, o que fez soar os alarmes no território vizinho.

O chefe de Estado ucraniano, Petro Poroshenko, acusa a Rússia de ter aproveitado a ocasião para reforçar a sua presença militar junto à fronteira. O país teme que os russos estejam a colocar em marcha uma política de asfixia, semelhante ao que fizeram com a Geórgia em 2008 e que levou à perda de controlo de partes da Abecásia (25%) e Ossétia do Sul (40%). Para responder ao que considera uma “ameaça de invasão iminente”, a Ucrânia declarou lei marcial no país, por 30 dias. O decreto presidencial concede mais poderes aos militares, mas não se traduz na mobilização obrigatória de tropas.

Maria Raquel Freire descarta a possibilidade de estarem em causa novas pretensões territoriais da Rússia na região. “A anexação da Crimeia e a presença russa no leste do território ucraniano já servem os propósitos russos, quer em termos de afirmação do seu poder, quer das suas capacidades militares. Tendo em conta a situação económica da Rússia, que não está muito robusta, não me parece que esteja nos planos da Rússia a expansão territoral”, afirma. A investigadora diz ainda que o facto de não estar prevista a entrada da Ucrânia na NATO, a curto ou médio prazo, é por si só um motivo para a Rússia não invadir a Crimeia, tal como aconteceu em 2008 na Geórgia. “Trata-se apenas de uma demonstração de força e nenhum dos dois países quer entrar realmente num conflito armado”, defende.

Enquanto a NATO veio manifestar “total apoio à integridade e soberania territorial da Ucrânia”, a agência russa de inteligência FSB (antiga KGB) abriu um processo criminal para apurar os motivos da “entrada ilegal dos navios em águas territoriais russas”. O Kremlin acusa os ucranianos de terem agido em conluio com os Estados Unidos e a União Europeia para justificar mais sanções ao país e alimentar o sentimento anti-Rússia. A dar razão à teoria da conspiração russa, a Ucrânia veio apelar de imediato a novas sanções. “Tendo em conta esta escalada das tensões, é bastante possível que as sanções venham a ser revistas e quem sabe aumentadas”, sublinha a investigadora.

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