O sector das empresas de segurança atingiu, em março de 2022, uma faturação de 1.045 milhões de euros, o que corresponde a um crescimento de 9,8% face ao ano anterior, segundo dados do estudo da DBK. Em 2021, este sector contava com 86 empresas.
Em entrevista ao Jornal Económico (JE) Ana Reis Mota, secretária-geral da Associação das Empresas de Segurança (AES), faz um retrato deste sector, que foi fortemente atingido pela pandemia e que, apesar de já se encontrar num período de retoma, tem-se sido, na avaliação desta responsável, “penalizado pelo incumprimento da lei por parte do Governo e pela continua transgressão do Estado, que realiza concursos públicos em 2022 adjudicados a valores inferiores”.
Qual o retrato que se pode fazer deste sector em 2024?
Afigura-se difícil retratar o setor da segurança privada tanto em 2023 como 2024 considerando a ausência gritante de um elemento essencial: o relatório anual da segurança privada. Relativamente aos anos de 2022 e 2023, o sector não teve acesso a este importante instrumento que faz a fotografia da atividade.
O Governo incumpriu, uma vez mais, a lei e nem sequer convocou o Conselho da Segurança Privada, um órgão de consulta do ministro da Administração Interna, a quem cabe, nos termos do artigo 40 da Lei 34/2013 de 16 de maio aprovar esse instrumento.
Esperamos avidamente que a estabilização política traga concretização e operacionalização a esta atividade tanto do ponto de vista de cumprimento do que está (já) legalmente estabelecido, como a criação de estratégias e planos que permitam aprimorar o setor. Falamos, aqui, na regulamentação eficaz do setor para mitigar práticas ilegais como a venda com prejuízo.
Nunca é demais evidenciar que sem segurança não há liberdade e, consequentemente, este sector encerra uma importância extrema, tanto no panorama nacional e internacional, devendo ser tratado como tal.
Em todo o caso, dir-se-á que o setor teve um crescimento proporcional aos aumentos salariais verificados, negociados no âmbito dos instrumentos de regulação coletiva e deve pontuar-se a dificuldade de as empresas de segurança privada recrutarem novos talentos.
Em 2022 esperava-se que este estabilizasse e houvesse uma retoma. Isso aconteceu?
Houve, sem dúvida, uma retoma. Com o retorno gradual de eventos e grandes reuniões após a pandemia de Covid-19, houve uma demanda crescente por serviços de segurança privada para garantir a segurança e o bem-estar das pessoas.
Porém, o ano 2023 foi marcado pelo agravamento da incerteza advinda do ano 2022 e muito relacionada (também) com a letargia governamental que se agudizou no fim do ano transato.
Muito se tem falado da regulamentação da lei 46/2019, na qual se altera o regime do exercício da atividade de segurança privada e da autoproteção. Isso aconteceu?
A resposta é tanto óbvia como infeliz: não. Foram empreendidas alterações significativas na Lei que regula a atividade de segurança privada no final do ano de 2019. Alterações essas que, apesar de se afigurarem extremamente relevantes para o sector, careciam de ser reguladas, permitindo a sua implementação e operacionalidade. Infelizmente, o Governo não quis implementar as regras que ele próprio criou, designadamente a proibição da venda com prejuízo, as inspeções multidisciplinares e acionar a responsabilidade solidária quando esta deva ser aplicada.
O que é preciso para ser feita?
É essencial definir o conceito e aplicação de venda com prejuízo, no âmbito da segurança privada. No âmbito do último Conselho da Segurança Privada, a AES sugeriu o acolhimento de um novo normativo no sentido de prever que no convite à apresentação de propostas ou no programa do procedimento deva ser exigido às entidades participantes a demonstração da conformidade com o disposto na al. b), do n.º 2, do artigo 5 – A da LSP, o que permitirá, além do mais, prevenir a violação da venda com prejuízo.
A proposta alvitrada pela AES tem origem nos artigos 57-A do Código dos Contratos Públicos e que veio permitir à entidade adjudicante exigir no convite à apresentação de propostas ou no programa do procedimento que as propostas sejam constituídas por um documento demonstrativo da estrutura de custos do trabalho necessário à execução do contrato a celebrar, nomeadamente quando o mesmo respeite a setores em que o custo fixo do trabalho é determinante na formação dos preços.
Entende a AES que, no caso da segurança privada, a introdução de norma semelhante com carácter obrigatório faria com que as entidades adjudicantes fossem mais conscientes quando determinada empresa apresentasse preços predatórios que não permitem fazer face aos custos relacionados com o fator trabalho.
Quais são as principais preocupações e desafios que o sector enfrenta atualmente?
A escassez de mão de obra, a concorrência desleal e, ainda, a adaptação ao novo mercado tecnológico.
O que falta ser feito?
É pertinente e urgente a intensificação das ações inspetivas multidisciplinares, por forma a lutar contra a economia paralela, o dumping, a concorrência desleal e a fraude à lei na contratação de serviços de segurança, tendo em vista a concorrência transparente, e consequentemente a credibilidade, dignidade do sector e dos trabalhadores a ela afetos.
Feito isto, a atividade vai necessariamente tornar-se mais recrutável e, subsequentemente, mais atrativa aos trabalhadores. Não nos podemos esquecer que o mercado da segurança privada é, e bem-visto, como uma opção para pessoas que procuram um emprego estável num setor com um crescimento consistente. A aposta na formação profissional e melhoramento das condições salariais são motes essenciais para aumentar a atratividade da profissão.
Existem dados sobre qual o volume de serviços prestado por este sector? E sobre o número de empresas tem?
Segundo o mais recente estudo da DBK, em março de 2022, o setor da segurança privada atingiu uma faturação total na ordem dos 1.045 milhões de euros, mais 9,8% que no ano anterior. Segundo o Relatório Anual de segurança Privada, no ano de 2021, encontravam-se habilitadas à prestação de serviços de segurança privada 86 empresas.
Empreendendo uma análise ao setor da segurança privada verifica-se, entre 2010 e 2021, um crescimento do mercado de 19,6% e dos salários em cerca 25%, o que nada abona em favor de um crescimento sano do mesmo como se requere face à criticidade da atividade prestada, subsidiária e complementar da das forças de segurança do Estado.
Nesta área, houve um crescimento de 3% das mulheres desde 2022, em termos globais. Como o qualifica?
Estamos a falar de um total de 60.690 profissionais afetos à área da segurança privada, sendo que destes contabilizam-se apenas 9163 mulheres.
É um crescimento que entendemos ser bastante positivo, mas esperamos que essa percentagem aumente ao longo dos próximos anos, considerando que a diferença para o número de homens que operam no setor é bastante significativa.
Em 2022 falou-se de que o Estado, cliente, contratava abaixo do preço, isso ainda acontece?
De acordo com a última análise realizada pela AES, continua-se a verificar incumprimento em múltiplos concursos públicos.
Em 2012, a ACT calculou então os custos diretos do trabalho em € 6.019,68 por referência a um serviço de 24 horas em 7 dias, todos os dias do ano.
Continuamos a detectar concursos públicos em 2022 adjudicados a valores inferiores a este calculado em 2012.
Empreendendo uma análise ao setor da segurança privada verifica-se que entre 2010 e 2021 verifica-se que um crescimento do mercado de 19,6% e dos salários de vigilante em cerca 25%
Portanto, não podem existir dúvidas que as entidades públicas (que representam cerca de 30% do valor total do mercado) são as principais promotoras do dumping social e do incumprimento da lei e CCT.
A AES detetou essas irregularidades e comunicou-as à Secretaria de Estado do MAI, no âmbito dos contributos para o Relatório Anual da Segurança Privada do ano 2022. Esse relatório não foi, ainda, aprovado nem publicado.
Que melhorias precisa de ter este sector?
Existem inúmeras melhorias que podem ser implementadas no setor da segurança privada para aumentar a eficácia dos serviços prestados e melhorar as condições de trabalho dos profissionais. Algumas dessas melhorias incluem formação profissional adequada, aprimorar a regulamentação do setor, por forma a garantir que as empresas e os profissionais atendam a padrões elevados de concorrência sã, ética e profissionalismo que, em consequência, levará à promoção da confiança do público nos serviços de segurança privada; adaptação e incorporação de sistemas de tecnologia no auxílio do exercício da profissão e especial foco na melhoria generalizada das condições de trabalho; colaboração com as autoridades públicas através da promoção da cooperação estreita e eficaz entre as empresas de segurança privada e as autoridades públicas que pode ajudar a maximizar a eficácia dos esforços de segurança.
Por fim, a adoção de boas práticas que implementem a transparência das empresas de segurança privada. As empresas de segurança privada devem adotar práticas transparentes e estar sujeitas a processos robustos de fiscalização que garantam o cumprimento da Lei e do CCT.
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