Houve mais alunos a entrar no ensino superior durante a pandemia, mas isso não significou mais igualdade. Antes pelo contrário. Um estudo do EDULOG, da Fundação Belmiro de Azevedo, divulgado esta sexta-feira, demonstra que as medidas excecionais adotadas durante a pandemia para o acesso ao ensino superior não eliminaram as desigualdades socioeconómicas e educativas existentes na sociedade portuguesa.
“Um aumento no número de estudantes no ensino superior possa parecer um indicador positivo, isso não implica forçosamente um avanço em termos de equidade”, afirma Orlanda Tavares, coordenadora do estudo. Na verdade, justifica, “as mudanças nas políticas de acesso ao ensino superior durante a Covid-19 não conseguiram aumentar a transição de alunos de grupos mais vulneráveis para o ensino superior, nem asseguraram condições de sucesso para aqueles que ingressaram. Por isso, mais não é necessariamente melhor”.
O estudo revela grande disparidade no número de alunos dos cursos científico-humanísticos e dos cursos profissionais que ingressaram no ensino superior. Em concreto, no ano letivo de 2021/2022, a proporção foi de 72% para 22%, mesmo existindo um concurso especial para estudantes provenientes das vias profissionalizantes.
Cerca de metade dos estudantes de cursos profissionais provêm de famílias que têm apenas até o 3º ciclo do ensino básico e preferem cursos práticos que promovem competências diretamente aplicáveis no mercado de trabalho e valorizam a independência financeira e experiências práticas. Já os alunos com pais diplomados, de escolas privadas e que obtiveram boas classificações na área científico-humanística revelam maior probabilidade de ingressar tanto em cursos técnicos superiores profissionais (CTeSP) como em licenciaturas e mestrados integrados. A expectativa de que o canudo lhes proporcione salários mais elevados aumenta significativamente a probabilidade de prosseguirem para o ensino superior.
Esta dupla realidade persiste quando se analisam as taxas de permanência, de abandono, de mudança e de conclusão do curso no tempo esperado. Segundo o estudo, nas licenciaturas e mestrados integrados, a proporção de estudantes mulheres, inscritas em 1º opção, com pelo menos um dos pais diplomados e bolseiros está associada a maiores taxas de permanência e conclusão. É junto dos trabalhadores-estudantes, estudantes admitidos via concursos especiais e estudantes internacionais que as taxas de abandono tendem a aumentar.
De acordo com o estudo, nas licenciaturas e mestrados integrados, a taxa de permanência nas universidades caiu em 2020/21 e só recuperou parcialmente no ano seguinte, enquanto nos institutos politécnicos a diminuição foi constante, acompanhada de um aumento no abandono. A taxa de abandono subiu em todas as áreas científicas, atingindo 14% nos cursos da área da Educação.
“Apesar de uma maior proporção de estudantes colocados na primeira opção e de bolseiros mostrarem taxas de conclusão mais elevadas, a pandemia reduziu as taxas de conclusão no tempo esperado também para estes estudantes”, refere-se.
Já nos mestrados de 2º ciclo, a proporção de estudantes que concluíram dentro do prazo esperado foi menor durante a pandemia, embora os cursos com maior proporção de mulheres e de estudantes com pais com ensino superior tenham apresentado melhores taxas de conclusão.
O que leva ao abandono?
A componente qualitativa do estudo, baseada em entrevistas com coordenadores de CTeSP, licenciaturas e mestrados, identificou vários fatores que contribuem para o abandono no ensino superior.
“Antes mesmo do ingresso no ensino superior, muitos estudantes enfrentam barreiras significativas, como uma preparação científica e académica inadequada, um contexto socioeconómico desfavorável e dificuldades em competências básicas, incluindo matemática, português e literacia digital”, descrevem os investigadores.
Prosseguem: “Uma vez nos cursos, os estudantes deparam-se com desafios adicionais que podem influenciar a sua decisão de abandonar os estudos. Entre estes desafios contam-se expectativas desfasadas em relação aos cursos, dificuldades financeiras combinadas com a necessidade de conciliar o trabalho e os estudos, uma dinâmica social e cultural insuficiente, particularmente marcante em cidades do interior, e as exigências académicas elevadas, especialmente em estágios e dissertações de mestrado”.
Recomendações
O EDULOG recomenda que se continue a investir na diversificação das modalidades de acesso de forma as adequar aos diferentes públicos, no aumento e alargamento das bolsas de estudo, assim como na criação de fundos de emergência, na oferta de apoio adicional em áreas como matemática, português e literacia digital, na implementação de programas de mentoria e tutoria para apoiar alunos em risco, e no desenvolvimento de redes de apoio psicossocial robustas que ofereçam aconselhamento e suporte emocional, ajudando os estudantes a gerir o stress e a saúde mental, entre outras várias medidas.
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