De tempos a tempos, a imprensa espanhola dedica muita atenção às Ilhas Selvagens, arquipélago de Portugal, perto das espanholas Ilhas Canárias. Desta feita, é o jornal “El Economista”: “O arquipélago português que Espanha considera seu desde o séc. XV”.
Com apenas 2,73 km2 em três ilhas e ilhotes, Madrid tem um grande interesse nas Selvagens, não pelo território em terra, mas pela questão em torno da Zona Económica Exclusiva (ZEE), isto é, o território de um país no mar que lhe dá direito a explorar os recursos nas suas águas, e do alargamento da plataforma continental, em análise nas Nações Unidas (ONU).
Situadas a 165 km a norte das Canárias e a 250 km a sul do Funchal na Madeira, dista 250 km a oeste da costa africana e a mil km da Europa. É aqui, no ponto mais a sul de Portugal, que vive a maior colónia de cagarras do mundo.
A questão atual é se as Selvagens têm direito ou não a uma ZEE em redor das ilhas. Portugal considera-as ilhas, logo têm direito a ZEE; Espanha considera-as rochedos, logo não teriam direito.
Se tiver direito, segundo a avaliação a ser feita pela ONU, a fronteira marítima entre Portugal e Espanha seria traçada a meio das 82 milhas entre as Selvagens e as Canárias. Se for considerada um rochedo, tem direito apenas a um mar territorial de 12 milhas e uma zona contígua até às 24 milhas, explicava o “Funchal Notícias” em 2015. E a ZEE espanhola a partir das Canárias ficaria a norte das Selvagens (respeitando o mar territorial). A decisão está nas mãos da Comissão de Limites da Plataforma Continental (CLPC) da ONU e pode acabar no Tribunal Internacional do Direito do Mar. No caso do alargamento da plataforma continental, a sobreposição entre as propostas dos dois países acontece a oeste da Madeira, não envolvendo as Selvagens.
Em 2013, Espanha reconheceu formalmente a soberania portuguesa sobre as Selvagens, mas no mesmo ano escreveu uma carta oficial às Nações Unidas: “Espanha não aceita que as Ilhas Selvagens gerem de modo algum uma Zona Económica Exclusiva; mas aceita em troca que gerem mar territorial, já que se consideram rochas com direito unicamente ao mar territorial”, recorda o jornal espanhol. Em resposta, Portugal garantiu que as Ilhas Selvagens “não estão, em qualquer circunstância, refletidas na submissão portuguesa” à ONU, escrevia o “Diário de Notícias” em 2015.
Foi precisamente em 2013 que Cavaco Silva realizou a terceira visita oficial de um Presidente da República às Selvagens, juntando-se a Mário Soares (1991) e a Jorge Sampaio (2003). A visita teve lugar apenas duas semanas depois de Madrid ter contestado na ONU a proposta de Lisboa para a extensão da plataforma continental.
No entanto, foi o primeiro PR a passar uma noite nas Ilhas, uma posição que serviu de aviso à navegação a Madrid que Lisboa iria manter a sua posição de defesa da soberania nacional.
“Além de acompanhar o trabalho em curso das missões científicas e de contactar com dirigentes de instituições que promovem uma exploração sustentada do mar, o Presidente da República reunir-se-á com os responsáveis da Reserva Natural das Ilhas Selvagens, que se tem dedicado a preservar várias espécies, o ecossistema e a biodiversidade”, dizia então a Presidência da República sobre o objetivo da visita, citada pelo então correspondente madeirense do jornal Tolentino de Nóbrega (1952-2015).
Em 2015, um ligeiro avanço, quando Espanha comunica à ONU que não levanta objeções ao projeto português de extensão da plataforma continental na região da Madeira, o que permite aumentar a soberania portuguesa sobre o leito e o subsolo marinhos das 200 milhas para as 350, escreveu na altura o “Diário de Notícias”, reiterando uma posição que já tinha tido em 2009 de que Madrid não levantava “nenhuma objeção” às intenções lusitanas.
O cenário então era que Lisboa e Madrid iriam negociar uma fronteira marítima comum depois de ONU aprovar as propostas de Portugal e de Espanha para aumentarem as suas plataformas continentais.
Em 2016, foi a vez de Marcelo Rebelo de Sousa visitar a Selvagem Grande, o ponto mais a sul do território nacional, tornando-se no quarto Presidente a visitar as Selvagens para desespero de Madrid.
Na sua visita em 2016, Marcelo Rebelo de Sousa dizia existirem “novos argumentos de Portugal sobre a extensão da plataforma continental e é importante conhecê-los. Do lado espanhol, a partir de 2015, há sinais muito simpáticos sobre as pretensões portuguesas de extensão da plataforma continental”, afirmou então.
Em 2016, surgiu precisamente nova polémica. O jornal espanhol “ABC” escrevia que a instalação de uma estação meteorológica na ilha grande era uma “fronteira virtual camuflada”, escreveu o “Público” na altura.
Nos últimos meses, o tema tem regressado à imprensa espanhola. O “Huffpost” escreveu em março: “as ilhas dos 500 anos de conflito que Portugal tirou a Espanha”.
Em maio, foi a vez do “As”: “a ilha que não se sabe se é de Espanha ou de Portugal”.
Em outubro de 2023, foi a vez da publicação regional “Hoy Aragon”: “o pequeno arquipélago que tem levado ao confronto entre Portugal e Espanha durante séculos”.
A proposta portuguesa para alargar a plataforma continental foi entregue por Portugal na ONU em 2009. Em 2019, a proposta esteve a ser analisada na ONU, não tendo havido ainda nenhuma decisão. A proposta nacional visa o aumento da PC para cerca do dobro face aos atuais 1,8 milhões de km2.
Foi a 17 de julho de 1971 que o Estado português comprou as Ilhas Selvagens que pertenciam até então a Luís da Rocha Machado, por um milhão de escudos, recordava o “Diário de Notícias da Madeira” em 2021.
Antes, as Selvagens tinham sido detidas pela família Cabral Noronha desde 1560. Mas em 1903, o banqueiro Luíz da Rocha Machado comprou-as a um membro da família por dívidas de jogo, segundo o livro “Salazar na crise da banca madeirense: uma teia de muitos nós” do economista João Abel de Freitas, segundo o “Jornal de Negócios”.
Porque é que o Estado decidiu efetuar então a compra? Uma teoria é que Lisboa temia que a União Soviética negociasse com os donos para instalar uma base de submarinos nas Selvagens. Outra teoria é que a organização ambientalista World Wildlife Fund (WWF) iria comprar as ilhas para as transformar num santuário para as aves, contava o “Negócios” em 2017.
Na sua tese de doutoramento sobre esta questão – “A importância das ilhas no quadro das políticas e do direito do mar – o caso das Selvagens”, publicada em 2014 -, Pedro Quartin Graça defende que as Ilhas Selvagens fazem parte de Portugal.
“Da investigação que realizámos não nos restam, porém, quaisquer dúvidas quanto à soberania lusa sobre as mesmas, sendo as ilhas Selvagens pertença de Portugal. As Ilhas Selvagens, por força da sua descoberta por parte de Portugal, a posse ininterrupta das mesmas ao longo de séculos por parte de
cidadãos nacionais e, depois, a partir de 1971, por parte do Estado português, são, de um ponto de vista jurídico e de direito, parte integrante do território nacional e parcela de território que, sem quaisquer interrupções temporais conhecidas, sempre esteve sujeita à sua efectiva jurisdição ou senhorio territorial, independentemente do facto de, até ao ano de 1970, terem sido objecto de propriedade privada por intermédio de cidadãos nacionais portugueses que, sem excepção, nelas sempre exerceram cabalmente os seus direitos de senhorio, até à data em que as mesmas foram adquiridas pelo Estado”, escreveu na sua tese.
“Existe uma enorme responsabilidade por parte do Estado português: a de tentar satisfazer, pese embora as conhecidas limitações orçamentais, as exigências naturais e bastas vezes reivindicadas, com justiça, diga-se, pela Região Autónoma da Madeira e o seu Parlamento regional, em sede de necessidade de aumento da vigilância e fiscalização da vastíssima ZEE, em que as ilhas Selvagens se incluem. É um desejo compreensível e legítimo de quem almeja a defesa de um território contra todo o tipo de ameaças que sobre ele, diariamente, impendem. E, em boa verdade, as ilhas Selvagens merecem-no. E Portugal e os portugueses exigem-no”, defende o autor.
Sobre se são habitadas e se geram atividade económica, dois temas cruciais para serem consideradas ilhas, Pedro Quartin Graça argumenta que “também foi possível chegar à conclusão de que as Selvagens foram, ao longo do tempo, objecto de exploração económica, quer a que foi efectuada por portugueses da Madeira, quer aquela que teve, inclusive, os habitantes das Canárias por protagonistas”, pode-se ler.
“Em matéria de habitabilidade das ilhas conclui-se que as ilhas Selvagens são habitadas, ainda que de forma numericamente escassa, na justa medida em que na Selvagem Grande residem, em permanência, dois vigilantes da natureza afectos ao Parque Natural da Madeira, e na Selvagem Pequena residem, durante os meses do Verão, dois outros vigilantes. A estes habitantes acrescem os visitantes ocasionais e a presença significativa da família Zino a qual, em longos períodos do ano, ocupa a sua residência particular da Selvagem Grande”, acrescenta.
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