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Fernando Alvim: O “grupie do futuro”

Há sardinhas para escolher, mas antes disso vamos à água com o comunicador para tentar perceber a história do “produtor das histórias” que há 15 anos ouve nos estúdios da Antena 3 e fora deles. Colocámos ainda Fernando Alvim à beira do abismo e anotámos revelações de fobias e felicidade do também apresentador de TV… que escolheu não ver televisão.
23 Abril 2017, 11h00

Entretemo-nos durante 20 minutos a visitar os espaços do Hotel Evolution, na praça do Saldanha, enquanto aguardamos por Fernando Alvim, que está ligeiramente atrasado. Piscina e sauna vistas, decidimos rapidamente os melhores ângulos para tirar as fotografias, algo que, no entanto, viria a sofrer algumas alterações.

Um pedido de desculpas pelo atraso e um “não tem importância” encetam a interação – a pessoal –, que já havia começado por telefone na semana anterior. A propósito, Fernando Alvim sublinha uma convicção que muitas vezes refere: as entrevistas começam sempre antes de o gravador, microfone ou câmara de televisão estarem ligados. Esta não é exceção.
Ao telefone o comunicador tivera uma ideia (algo não raro na sua vida): fazer um “Sair com” em que as pessoas percebessem logo que era mentira. “O que era giro era fazermos isto num grande palácio… para dar a ideia de que sou muito rico… que obviamente não sou…”, sugere.

Gostámos da proposta, mas os palácios não são assim de tão fácil acesso como se possa julgar. Fomos tornando a hipótese mais verosímil e chegámos ao spa. Fernando Alvim gosta de spas. Nesse momento sublinhamos que íamos então para dentro de água com ele. Disse que sim. Mas, no dia marcado, apareceu sem fato de banho.

“Eu arranjo já uns calções”, diz Alvim, evocando o espírito tão português do desenrascanço. Prevenidos, tínhamos dois pares connosco. “Boa!”, comentou, enquanto pegava nuns para se mudar. Da sauna para a piscina, Fernando Alvim ainda sugere a passagem pelo banho turco. Desafiando o fotógrafo, várias são as fotografias que tentamos fazer com vapor pelo meio. Não é tarefa fácil, mas a tarefa parece aliciante. Começamos a transpirar. As ideias para fotografias vão surgindo à velocidade da luz. Na piscina, fora de água, no elevador, com e sem pernas assentes no chão.

Não era suposto Fernando Alvim estar ali àquela hora. Mal chegara comentou connosco que tinha de ir escolher sardinhas. Não percebemos muito bem a que se referia, mas também não demos muita importância a uma preocupação que viria a ser denominador comum durante a conversa. Até que surgiu a ideia (mais uma): “Epá, vocês podiam era vir comigo! É já ali, no S. Jorge… é que eu devia ir mesmo lá…” Minutos mais tarde estava o fotógrafo em cima da mota de Fernando Alvim.

Autor da “Prova Oral”, há 15 anos na Antena 3, com um programa de televisão no Canal Q e uma série de eventos a realizarem-se há muito tempo – “organizo um festival há 22 anos” –, Alvim gere tudo pessoalmente.  “Se assim não fosse, se tivesse uma assistente, por exemplo, não decidia a minha própria vida”, diz. “Faço questão de ser eu a contactar as pessoas que vou entrevistar para de imediato encurtar a distância”, conta, recuperando a razão por que as entrevistas começam antes de algo ou alguém estar a gravar.

“Não há, portanto, a figura do produtor; eu falo com os convidados, dou o meu número… as pessoas falam comigo e, assim, crio de imediato uma proximidade”. Esse será um dos méritos da “Prova Oral”. “Um programa diário no ar há 15 anos… temos de estar a fazer alguma coisa bem”, frisa, enquanto abordamos como o programa acaba por moldá-lo. “Sou um produto de todas as pessoas que passam por mim, da mesma forma que o somos com as nossas vivências, dos livros que lemos e dos filmes que vemos… sou resultado das pessoas que me rodeiam”, defende.

Cabelo seco e subimos até ao topo do Evolution, acompanhados por um membro da segurança, para termos acesso ao terraço, mas Fernando Alvim não está muito entusiasmado. “Eu não consigo ir para aí”, diz-nos, referindo-se ao espaço em que sobram poucos centímetros de chão que é teto. “Tenho síndrome vertiginoso”, confessa. A posição de pés e costas em cada uma das paredes do elevador parece-lhe mais confortável do que esta, em que está simplesmente de pé. Um disparo de flash e abandonamos o terraço repleto de tubagens e condutas de ar.

Com os pés bem assentes no rés-do-chão, recuperamos a ideia original: para que queria Fernando Alvim o dinheiro caso fosse muito rico? Comprar um iate não lhe interessa nada. “Só vejo o dinheiro como possibilidade de fazer coisas que se materializam em eventos, ideias megalómanas, muito no domínio do surrealismo. Há muitas ideias que não coloquei em prática, mas espero vir a fazer”, diz.

Entre as mais conhecidas estão o jogo de ténis às escuras com bolas fluorescentes; ideias para Portugal, como, por exemplo, uma comitiva de cinco pessoas a viajar pelo mundo fora à procura do que de melhor se faz lá fora com o intuito de implementar em território nacional; e a estas junta-se aquela que considera “ser a mais difícil de todas”: “Um jogo de futebol em que os melhores avançados do mundo jogam numa equipa contra outra com os melhores defesas do planeta”. “É uma ideia demasiado boa para não ser concretizada. É difícil, mas já está na FIFA”, confessa, enquanto sublinha que as suas ideias não têm limites. Entre o orgulho do que realiza e a frustração de não conseguir fazer, o sentimento escolhido é o primeiro: “Dá-me mais orgulho, porque a maioria das ideias que tenho concretizo-as e começo a ficar conhecido por isso; também acho que uma ideia sem ser concretizada não serve para nada… só se for para rir, de tão surreal que seja”.

Rádio, televisão, eventos, ideias… já não falta tudo na vida do comunicador, natural de Mafamude, Vila Nova de Gaia. Sobra a música e não há espaço para mais para quem quer “ter uma vida”. E tal como na vida, também a passar som Fernando Alvim tem uma atitude descontraída: “Sou um mete-discos; é aquilo que me considero. Para ser DJ implica saber fazer misturas, ensaiar, levar aquilo demasiado a sério… e eu não estou para isso”, diz. Ainda assim, não descura a responsabilidade que tem de poder salvar ou arruinar uma noite.

Poderia pensar-se que aquele é um ambiente propício ao surgimento de ideias, dada sugestão que o álcool e a noite têm para o pensamento fora da caixa. Mas Fernando afasta esse cenário: “95 por cento das minhas ideias… até diria mais – 99% das minhas ideias tenho-as completamente sóbrio”. Aos 42 anos, Alvim ainda tem muita coisa para fazer, “cada vez com mais ideias”, e não se vê a abrandar. Acima de tudo, procura histórias. É isso que tem ouvido durante 15 anos de “Prova Oral” e tantos mais de convivências com “pessoas mais inteligentes” do que o próprio.

Alvim vai olhando para o telemóvel ao longo da conversa. Devia estar a escolher sardinhas para nomear os trabalhos vencedores do concurso Sardinhas 2017, para as Festas de Lisboa. Como um dos jurados, tem de dar a sua opinião sobre quais lhe apelam mais esteticamente. Seguimos então para o S. Jorge, como havia sugerido, mas não sem antes perceber como é que um apresentador de TV não vê televisão.

“Isso acontece porque tive de escolher entre ver televisão ou ler livros; optei pelos livros. É aquilo que eu faço no tempo em que não estou a ver TV: Leio livros, estou na internet e tenho uma vida, achei que devia ter uma vida… não dá para fazer as três diariamente”, afirma. “A televisão faz parte da minha vida porque é um dos meus empregos, mas não faz enquanto espectador, o que é mau, porque devia ver mais para perceber melhor o meio”.
Fernando Alvim empresta um capacete ao fotógrafo e o jornalista segue em veículo próprio. São 365 dias por ano a andar de mota, conta Alvim. Rapidamente estamos com os colegas da organização, que recebem um pedido de desculpas pelo lapso de agenda. Na sala deparamo-nos com 33 sardinhas desenhadas e já selecionadas entre milhares submetidas a concurso. “São todas muito boas… são todos muito giras”.

As histórias que foi ouvindo ao longo dos anos tornaram Fernando Alvim num contador de contos – do que viveu, do que lhe contaram e do que sonhou, provavelmente. A escolher sardinhas desenhadas lembra-se de uma peixeira que havia prometido ao marido, aquando da sua morte, que não ia vender sardinhas no Santo António – tinha de as oferecer. “Eu queria comprar-lhe umas sardinhas e ela não me deixou! Eu insisti que queria pagar e ela disse que se tratava de uma promessa e, portanto, não podia aceitar dinheiro naquele dia”.
São contos rápidos. Não têm de ter moral. Mas quase sempre batem num denominador comum: pessoas que lhe despertam interesse. Quando não são narrativas, são ideias: “Era muito giro isto (faltou uma lâmpada a acender-se por cima)… sabes o que devia haver?”, pergunta a um jurado, “Um jantar pago pelo júri a quem ganhasse por voto popular… ou então… destacar aquelas que não ganharam o jogo, mas fizeram uma bonita jogada – como no futebol, não marcou golo mas fez um bonito lance”.
Fernando Alvim está sempre a pensar no que fazer a seguir. “Não sou saudosista. Sou um grupie do futuro! Mas também não sou metódico ao ponto de o delinear com assertividade. As minhas ideias têm, acima de tudo continuidade”, frisa. “Os meus eventos têm todos cinco, sete, nove anos… acabo por ter relações duradouras a nível profissional… só ainda não me casei nem tive filhos”, diz, para depois acrescentar: “Não é uma prioridade nem faz falta”. “Não é uma prioridade na minha vida…”, explica-nos, enquanto olha para baixo, pensa, repete as palavras; reavalia a decisão e mantém-se fiel: “Aquele objetivo que é normal as pessoas terem – um lar, família… nunca tive essa ideia. A minha ideia de felicidade é a que eu vivo – ser livre desta forma. Também se pode ser livre com 12 filhos. Há duas possibilidades, eu escolhi esta”.

Livre. Assim o deixamos no meio de sardinhas, amigos, ideias e histórias. No dia seguinte terá mais para contar – está de partida para os Açores. Irá e voltará “desprendido”, tal e qual como é – “Não me levo demasiado a sério, mas também não sou nenhum tonto”. O que é então? Alguém sempre pronto a entreter, aprender e, claro, a tirar duma história uma ideia. l

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