A Galp mantém os seus planos para a refinaria de lítio de Setúbal, conhecido como projeto Aurora, em parceria com uma companhia sueca. A energética portuguesa garante que os trabalhos prosseguem e que o objetivo é tomar uma decisão definitiva no próximo ano.
“Mantemos a parceria com a Northvolt e prosseguimos com os trabalhos de engenharia tendo em vista o objetivo de tomar uma Decisão Final de Investimento em 2024”, respondeu fonte oficial da Galp ao JE.
A unidade industrial vai ficar localizada no Parque Industrial Sapec Bay e implica um investimento de 700 milhões de euros e a criação de 200 postos de trabalho diretos. Ao abrigo do acordo, a Northvolt fica obrigada a comprar 50% da produção anual desta refinaria.
O projeto Aurora vai ter capacidade para produzir o hidróxido de lítio suficiente para equipar 700 mil veículos elétricos, numa capacidade de produção inicial entre 28 mil a 35 mil toneladas de hidróxido de lítio, material essencial para produzir baterias de ião-lítio.
Inicialmente, o consórcio luso-sueco tinha ideias de arrancar com a operação até ao final de 2025.
A Galp mantém assim os seus planos inalterados para o sector do lítio depois de ter sido revelado que o Ministério Público (MP) suspeita que João Galamba (ex-secretário de Estado da Energia) e João Pedro Matos Fernandes (ex-ministro do Ambiente) agiram ilegalmente para forçar a entrada da Galp na sociedade dona do projeto da mina de lítio em Boticas, distrito de Vila Real, que pertence aos britânicos da Savannah.
“Suspeita-se que o Estado possa ter imposto, de forma indevida, através de uma ação concertada entre os suspeitos Matos Fernandes, então ministro do Ambiente, João Galamba, então secretário de Estado da Energia, e Rui Oliveira Neves, então diretor da Galp, a entrada da Galp na participação da “Savannah Lithium” e a parceria da Northvolt com a Galp”, pode-se ler nos autos de busca do Caso Influencer a que o JE teve acesso.
Esta parceria, que previa a entrada da Galp no capital da mina, nunca saiu do papel e durou apenas seis meses.
Questionada sobre esta matéria, a Galp não quis fazer comentários.
Na apresentação pública da refinaria em abril de 2022, as empresas garantiam que o projeto não vai ficar dependente do lítio minerado em Portugal.
“Vamos importar a matéria-prima, o minério, e vamos importar do estrangeiro”, disse na altura o então presidente da Galp, Andy Brown. “Se for permitido em Portugal, vamos usar o português”, afirmou, referindo-se à eventual exploração de lítio no país.
Note-se que Portugal é atualmente o sétimo maior produtor entre os oito países que produzem mais lítio, sendo que o minério extraído no país destina-se sobretudo à indústria vidreira e cerâmica. O país conta com reservas disponíveis para ser exploradas avaliadas em 60 mil toneladas, a nona maior a nível mundial e a maior da Europa.
Já em relação a recursos de lítio (indisponível para exploração), Portugal conta com 270 mil toneladas e surge na 18ª posição entre os 23 países indicados no estudo do Serviço Geológico dos Estados Unidos da América. O ranking da produção é liderado pela Austrália, Chile e China; as reservas são lideradas pelo Chile, Austrália e Argentina; os recursos são liderados pela Bolívia, Argentina e Chile.
Com o mercado global dos veículos elétricos a crescer (está nos 14 milhões de automóveis vendidos este ano e vai passar para 30 milhões em 2030 (de acordo com o estudo da S&P Global Commodity Insight), Portugal poderá ter um papel importante a desempenhar já que o lítio terá que estar em todas as baterias que suportam estes veículos.
“Pode se ver mas não se pode fazer nada. Portugal arrisca transformar-se numa espécie de Disneylândia do lítio com uma política de não-investimento economicamente suicida”, de acordo com análise de Rui Pena Reis, especialista em geologia e investigador da Universidade de Coimbra, em entrevista ao JE.
Rui Pena Pires destaca ao JE que “tendo em conta o valor do lítio no mercado internacional, é difícil que não seja interessante a sua exploração”. “É óbvio que o processamento do lítio que é extraído vai acrescentar valor, tendo em conta o valor atual em bolsa. Permite transformar as nossas reservas num valor significativo após processamento, isto permite remunerar investimentos e fazer exportações”, segundo o geólogo.
Este especialista teme uma repetição do que aconteceu com o “desastre” do petróleo, que nunca avançou. “Estamos numa sociedade cheia de preconceitos e falsos temores, e o preconceito leva à ignorância e à pobreza”. “Cada vez que se quer investir na valorização dos recursos naturais existem oponentes. Politicamente, está-se a dar demasiada importância às opiniões contrárias em vez de se valorizar o recurso”, acrescenta.
Recorde-se que o Ministério Público questionou a legalidade das aprovações ambientais e administrativas nas minas de lítio, segundo os autos de buscas do Caso Influencer. Em causa estão as aprovações da mina dos portugueses da Lusorecursos em Montalegre, e da mina dos britânicos da Savannah em Boticas, ambas no distrito de Vila Real. As empresas foram alvo de buscas há duas semanas, mas não foram constituídas arguidas nem indiciadas, nem os seus responsáveis.
Na semana passada, o ministro do Ambiente garantiu que os projetos para as minas de lítio de Boticas e de Montalegre cumprem a lei. “É importante distinguir entre o momento de investigação e as conclusões relativamente a um conjunto de matérias. O país tem leis que regulam a avaliação de impacto ambiental. No nosso entender, nas minas de lítio foram cumpridos todos os passos que a lei exige. Ninguém mais do que nós sente frustração perante episódios” da semana passada que vão impedir o Governo de “continuar a desenvolver o programa de projetos no nosso país”.
No arranque da sua intervenção, o ministro do Ambiente defendeu a aposta do país na cadeia de valor do lítio: na mineração, transformação e uso do minério na produção de baterias.
“Devemos continuar a apoiar o investimento no lítio”, uma “cadeia de valor nacional, pode vir a representar nove mil milhões de euros de investimento. Gostávamos muito que os projetos do país fossem além das circunstâncias da semana passada” defendendo que não deve haver “um clima de suspeita e desconfiança relativamente a estas matérias”, afirmou o ministro do Ambiente, salientando que os dois projetos de lítio de Boticas e de Montalegre já têm parecer positivo da Avaliação de Impacte Ambiental (AIA).
O ministro afirmou que o Governo demissionário tinha o objetivo de lançar o concurso de lítio no início de 2024, procedimento que previa somente a pesquisa de lítio em seis áreas já definidas. O governante disse que até ao final do ano serão criadas “melhores condições para o desenvolvimento do lítio em Portugal”.
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