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Gavin Eccles: “Estratégia de preços é a mais poderosa alavanca de crescimento e lucro das empresas”

A Porto Business School vai realizar em maio uma formação em Pricing Strategies para gestores e executivos. O responsável é o especialista em marketing estratégico e gestão de receitas, antigo diretor comercial da SATA, Gavin Eccles, que explica ao JE como as grandes marcas ganharam com a inflação e reagem agora à desaceleração.
22 Abril 2024, 07h30

“Um pequeno aumento nos preços pode levar a aumentos significativos nos lucros. Por isso, definir o preço correto e implementá-lo de forma eficaz é, naturalmente, muito importante. Porém, muitas empresas e gestores carecem de uma forma estruturada de pensamento e de implementação da estratégia de preços”. Quem o afirma é Gavin Eccles, diretor do Programa de Formação Aberto em Pricing Strategies que a Porto Business School vai realizar em Maio.

O programa totalmente lecionado em inglês é composto por três sessões, nos dias 21, 22 e 23 e destina-se a gestores, profissionais de marketing, finanças, IT (tecnologias de informação) e todos os que estão envolvidos no desenvolvimento de sistemas e estratégias de preços, nos mais variados mercados de consumo, como hotelaria, companhias aéreas, energia, automóveis, eletrodomésticos, farmácias e retalho.

Gavin Eccles acumulou expertise na British Airways, foi diretor comercial da transportadora açoriana SATA e atualmente atua como consultor de gestão, fornecendo soluções em marketing estratégico e gestão de receitas para empresas em vários sectores de atividade. Agora quer passar aos participantes do programa conhecimento sobre um conjunto de ferramentas e metodologias necessárias para que desenvolvam abordagens sustentadas e devidamente informadas. O plano curricular do curso foca-se na adoção de abordagens de acordo com o contexto empresarial e mercados de consumo, orientando-se para compreender como clientes e consumidores percecionam os preços, conhecer estratégias de preço que aumentam receitas, aprender sobre ferramentas de identificação de preços baseadas no valor do produto e serviço e identificar as diferenças estratégicas entre preços B2B e preços B2C.

Gavin Eccles explica ao Jornal Económico qual a importância da estratégia de preços na estratégia de uma empresa, analisa a forma como as grandes marcas ganharam com a inflação e reagem agora à desaceleração dos preços e o impacto da chamada “inflação gananciosa” no consumidor.

Que importância tem a estratégia de preços na estratégia global da empresa?
A estratégia de preços é a mais poderosa alavanca de crescimento e lucro das empresas, tendo o poder de aumentar ou destruir rapidamente as margens. De acordo com um estudo da consultora global McKinsey, um aumento de 1% no preço pode proporcionar um aumento de até 11% nos lucros. Assim, tendo em conta este facto, como pode uma empresa não olhar para a precificação como sendo a chave para o seu sucesso?

As grandes marcas ganharam ou perderam dinheiro com a elevada inflação dos últimos dois anos?
É evidente que as grandes empresas dos sectores da energia e dos produtos alimentares contribuíram para aumentar a inflação nos últimos dois anos, implementando aumentos de custos mais elevados do que o necessário para proteger as suas margens e isso provocou a crise do custo de vida. Uma boa política de preços não se limita a aumentar os preços para proteger as margens, mas deve ser construída em torno de uma visão de quem somos e do que consideramos ser uma forte proposta de valor para os nossos clientes.

Assim, as grandes marcas dos sectores do petróleo e do gás, da produção alimentar e dos produtos de base registaram lucros nominais, em média, 30% mais elevados no final de 2022 do que no final de 2019. De acordo com o Instituto de Estudos Fiscais, esses lucros não significam necessariamente que as margens de lucro globais tenham aumentado, mas que os consumidores foram capazes de suportar preços mais elevados. E essas empresas com poder de mercado parecem ter conseguido proteger as suas margens ou mesmo colher “lucros excessivos”, fixando preços mais elevados do que seria social e economicamente benéfico.

O mesmo relatório sublinha que os lucros das empresas não foram o único motor da inflação e não causaram o choque no mercado da energia após a invasão da Ucrânia pela Rússia em fevereiro de 2022. Contudo, os autores argumentam que o chamado “poder de mercado” não foi suficientemente tido em conta no atual debate sobre as causas da inflação, especialmente quando comparado com o impacto do mercado de trabalho e do aumento dos salários.

Em termos económicos, se os custos fossem igualmente partilhados entre os assalariados e os proprietários das empresas, seria de esperar que a taxa de rendibilidade baixasse, uma vez que as empresas não aumentam totalmente os preços para compensar os custos mais elevados e os assalariados não acompanham totalmente a inflação. Mas não foi isso que aconteceu. Em vez disso, as empresas utilizaram o seu poder de fixação de preços como forma de proteger a sua margem e acreditaram que a marca era suficientemente forte para que os clientes não mudassem para alternativas com preços mais baixos.

Em Portugal, em concreto?
Em Portugal, os retalhistas alimentares foram questionados sobre os seus aumentos de preços e a proposta de valor não foi respondida. Aquilo a que estamos a assistir é à grande ascensão dos discounters, em particular do Lidl, à medida que procuram novas lojas no centro das cidades; e, mais recentemente, à introdução do grupo espanhol Mercadona e à crença de que quanto maior for o negócio, maior pode ser a oferta e, por conseguinte, a repercussão dos benefícios em termos de custos para o cliente.

Como estão a gerir este indicador agora que entrámos numa fase de desaceleração?
Com a descida da inflação, e se os governos tiverem de intervir e aumentar as taxas de juro, acontecerá o inevitável: as pessoas terão menos para gastar e passaremos à deflação. Os preços podem começar a descer, mas as pessoas podem não comprar. Por isso, a visão de construir uma proposta forte para o cliente é fundamental. Se as empresas ganharam demasiado dinheiro graças aos clientes, é altura de voltarem à realidade e “viverem os valores da sua marca”. Isto pode significar a introdução de novas versões de produtos a preços mais baixos no mercado e garantir que as empresas gerem todos os diferentes segmentos de clientes em conformidade. A título de exemplo, poderemos ver os grupos de supermercados a comercializar produtos de luxo numa extremidade do espetro e o que podemos chamar de marca própria na outra – garantindo que os clientes podem misturar e combinar o que compram, de acordo com a situação que enfrentam nesse dia.

Trata-se de uma mudança na psicologia do consumidor. O que poderíamos chamar de “comprar alto” e “comprar baixo”. Um consumidor, mas duas escolhas de marca diferentes. Isto foi evidente há alguns anos no sector do vestuário, quando o grupo GAP, sediado nos EUA, apresentou a Banana Republic como a marca de roupa de gama alta e a Old Navy como a marca de baixo custo. Posso comprar uma t-shirt branca de 10 dólares para ir ao ginásio e uma t-shirt branca de 40 dólares para usar debaixo de um casaco de fato. Esta é a chave para sair da crise do custo de vida – dar opções de preço e valor aos seus consumidores.

E Portugal, neste contexto?
No caso de Portugal, podemos questionar-nos: será que os grupos de supermercados vão explorar o modelo de gestão de gamas alta-baixa? E sobre o oligopólio de preços a que assistimos nas telecomunicações, o que é que pode quebrar o ciclo aqui? Por vezes, chamamos a isto “sticky-pricing”, ou seja, aquilo com que nos podemos safar – por vezes, mudar não vale a pena, uma vez que o negócio para o qual estamos a mudar é o mesmo. Assim, é necessária uma nova visão sobre o topo de gama e o segmento inferior, que garanta que o consumidor possa estar dentro de uma família de marcas, mas que faça as suas compras de acordo com o que considera ser o melhor valor em cada uma das decisões de compra.

Qual a percepção que os consumidores têm disso e como lidam com a situação?
O impacto da chamada “inflação gananciosa”, ou seja, o facto de as empresas aumentarem os preços mais do que o necessário para protegerem as suas margens dos custos mais elevados dos fatores de produção e dos movimentos do mercado, tem sido muito contestado. Os consumidores veem essa ganância nas empresas que aumentam os seus preços e justificam os seus custos mais elevados. As empresas do sector do petróleo e do gás e os grupos de supermercados têm registado lucros recorde, enquanto o consumidor tem tido dificuldades. Isto significa que as pessoas estão a procurar alternativas de preços mais baixos e põe em causa a noção-chave de preços baseados no valor, colocando o consumidor a questionar se valerá mesmo a pena pagar o que está a ser cobrado.

Em 2023, o diretor financeiro da PepsiCo afirmou que, apesar de a inflação estar a baixar, os seus preços não baixariam. A Pepsi aumentou os preços em dois dígitos e anunciou planos para os manter elevados em 2024. Se a Pepsi fosse desafiada por uma concorrência mais forte, os consumidores comprariam algo mais barato, mas o único grande concorrente da PepsiCo no sector dos refrigerantes – a Coca-Cola – também anunciou aumentos de preços semelhantes, quase ao mesmo tempo que a Pepsi e também manteve os seus preços elevados. É o que se designa por preços de oligopólio. A equiparação de preços baseia-se no facto de ambos terem um número suficiente de consumidores fiéis, que pagarão os preços definidos.

Também aqui pedimos o seu olhar sobre o mercado português.
No mercado português, assistimos aos aumentos excessivos dos preços dos combustíveis e à convicção de que não são apenas os impostos do Governo que estão a provocar os aumentos, mas sim os lucros excessivos das petrolíferas. Quem vive perto da fronteira com Espanha tem vindo a encher os depósitos e a aproveitar a oportunidade, em alguns casos, de poupar até 20 cêntimos por litro de gasóleo. É claro que se trata de uma pequena percentagem da população que se dá ao luxo de fazer compras além-fronteiras, mas, à medida que as empresas se tornam ainda mais gananciosas, podemos contar com duas condições psicológicas por parte dos consumidores: ou comprarão menos ou procurarão alternativas. Assim, a visão do valor é distorcida, no sentido de comprar mais barato, o que, no entanto, pode não significar comprar melhor. Como tal, para as empresas, é crucial reforçar o seu processo com afirmações fortes sobre o porquê de nos comprarem e sobre o que proporcionamos, mais do que o custo de aquisição.

 

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