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Governo exonera provedora da SCML, por ser “incapaz” de enfrentar problemas financeiros

Ana Jorge está no cargo desde maio do ano passado, substituindo Edmundo Martinho que saiu antes de ter terminado o mandato. Governo justifica que “não tomou as medidas adequadas que se impunham, para inverter rapidamente a situação financeira de extrema gravidade e os riscos de insustentabilidade da SCML”.
30 Abril 2024, 07h30

O Governo exonerou a mesa administrativa da Santa Casa da Misericórdia de Lisboa (SCML) esta segunda-feira, 29 de abril, por ter sido “incapaz de enfrentar os graves problemas financeiros e operacionais da instituição”.

Com esta decisão cai também a provedora Ana Jorge que tinha tomado posse há menos de um ano – a 2 de maio de 2023 e a quem foi pedido, já pela atual ministra, um plano de reestruturação para ser apresentado em duas semanas, um prazo que aquela terá considerado demasiado apertado.

O despacho de exoneração deverá ser publicado esta terça-feira, abrindo-se, assim, a perspetiva da nomeação de novos dirigentes para a instituição tutelada pelo Ministério do Trabalho, Solidariedade e Segurança Social.

“O Governo decidiu exonerar, com efeitos imediatos, todos os membros da Mesa da Santa Casa da Misericórdia de Lisboa, agradecendo-lhes a disponibilidade para prestar funções em tão relevante instituição”, adiantou o Governo, em comunicado divulgado pela Presidência do Conselho de Ministros.

A saída de toda a mesa administrativa, de que fazem parte também Sérgio Cintra, Teresa do Passo, João Correia e Nuno Miguel Alves, surgiu no mesmo dia em que o jornal “Público” noticiou que a ministra Maria do Rosário Palma Ramalho, a 12 de abril, na reunião formal de apresentação de cumprimentos, tinha exigido à provedora um plano de reestruturação urgente para a instituição que gere a Santa Casa Global, a empresa responsável pela internacionalização dos jogos de fortuna ou azar.

Falta de resposta

A governante terá determinado que o plano fosse apresentado no prazo de duas semanas, mas a provedora terá considerado o período muito apertado, disseram ao Jornal Económico fontes conhecedoras do processo. Aliás, no comunicado divulgado, o Governo aponta que, “instada a prestar informação solicitada pela tutela, a mesa cessante demonstrou incapacidade de o fazer em tempo”. A exoneração veio a seguir.

O Governo justifica que a equipa liderada por Ana Jorge “apesar de ter detetado, em junho do ano passado, uma iminente rutura de tesouraria” (…) “não tomou as medidas adequadas que se impunham, para inverter rapidamente a situação financeira de extrema gravidade e os riscos de insustentabilidade da SCML”.

“Ao longo do último ano, não foi apresentado um plano estratégico ou de reestruturação, nem tão pouco um plano para fazer face às fortes quebras sentidas pela diminuição das receitas provenientes dos jogos sociais, principal fonte de rendimento da instituição”, acusa, acrescentando que se verificam “receios fundados sobre a (falta da) diligência necessária da atual mesa para resolver eficaz e celeremente a exposição à atividade internacional ruinosa da SCML, designadamente através da SCML Global”.

Acrescenta, ainda, que se multiplicam “os alertas de redução significativa da atividade da ação social da SCML em território nacional”.

Perdas a acumularem-se

A SCML acumula saldos de tesouraria negativos desde 2019, num total de 176 milhões de euros: 15,7 milhões negativos em 2019; perdas de 67,6 milhões em 2020; de 54,1 milhões em 2021; e mais 38,8 milhões negativos em 2022. Isto fez com que se recorresse ao saldo de gerência que em 2019 era de 217 milhões de euros e que em 2022 ficou reduzido a 41 milhões. No fim de 2023, a SCML tinha apresentado resultados positivos de 10 milhões de euros, mas terá tido receitas abaixo do orçamentado no primeiro trimestre deste ano.

Ana Jorge está no cargo desde maio do ano passado, substituindo Edmundo Martinho que saiu antes de ter terminado o mandato. Depois de ter tomado posse, foram mandadas realizar pelo anterior governo, do PS, duas auditorias, uma interna, às contas de 2021 e 2022, e outra externa, a cargo da consultora BDO, para averiguar as contas da Santa Casa Global. Terão sido os investimentos nesta empresa que terão feito cambalear as contas da SCML que Ana Jorge nunca conseguiu endireitar.

O ano passado, perante o sufoco financeiro, foi necessário que, em agosto, o Instituto de Segurança Social transferisse 34,6 milhões de euros para os cofres da instituição que, à data da transição, apresentava resultados líquidos negativos de 4,6 milhões de euros.

A ordem da auditoria partiu do Ministério do Trabalho, Solidariedade e Segurança Social (MTSSS) em junho do ano passado por haver indícios de irregularidades na contabilidade da empresa, tendo ordenado, ao mesmo tempo, que após a dita auditoria forense, se “reavaliasse”, com detalhe, as contas da própria SCML, a empresa-mãe, relativas a 2021 e 2022, por carecerem ainda de homologação ministerial, também por dúvidas contabilísticas. A SCML cumpriu a ordem e, em agosto, contratou a BDO – entidade Revisor Oficial de Contas (ROC) – para avançar com a tal auditoria forense. Acontece que a BDO foi o ROC que em 2021 certificou as contas da SCG, ainda que com algumas reservas, mas atestando que “não foram identificadas incorreções materiais”.

Em 2020 e 2021 a instituição apresentara resultados negativos de 52 milhões de euros e de 20,1 milhões de euros, respetivamente. A estes prejuízos acresceu um desastroso investimento na Santa Global – criada para apresentar lucros com a internacionalização dos jogos sociais, acabando por somar prejuízos ainda não totalmente apurados.

Representando os jogos sociais 85% dos lucros da SCML, o desinvestimento nas apostas por parte dos portugueses, ainda pouco familiarizados os jogos online, justificou então a aposta na Santa Casa Global, para a qual, em 2021, a SCML transferiu mais de 8,5 milhões de euros, fazendo o mesmo numa outra empresa – a Sociedade de Apostas Sociais (SAS) – transferindo para esta, no mesmo ano, 3,2 milhões. A SAS é a proprietária da Placar.pt, uma plataforma de jogos online, de fortuna ou azar, de que são sócios também a União das Misericórdias Portuguesas, a Caritas Portuguesa, a Fundação Montepio, e a ACAPO (Associação de Cegos e Amblíopes de Portugal) – todas instituições de solidariedade social sem fins lucrativos. Nas contas de 2021, a Misericórdia não deixou refletido qualquer proveito com a SAS.

Um relatório preliminar da BDO revelava existirem 80 “desconformidades” na internacionalização dos jogos, e apontava responsabilidades a todos os membros da mesa liderada pelo ex-provedor Edmundo Martinho e aos gestores da Santa Casa Global.

Embora tenha terminado o ano de 2022 com resultados positivos a rondar os 10,9 milhões de euros, o certo é que a SCML foi obrigada, pelo Governo, a responder às urgências de todos os cenários da pandemia provocada pela doença covid-19 que custaram muitos milhões de euros, sobretudo na área dos idosos, crianças e sem-abrigo – em 2020 e em 2021. A instituição nunca tinha sido ressarcida financeiramente pelo esforço suplementar realizado naquele período complicado da vida mundial, altura em que os ganhos com os jogos sociais também baixaram consideravelmente. Os 34,6 milhões da segurança social serviram para ressarcir quele esforço.

Segue-se o parlamento

Ana Jorge recebeu o legado do seu antecessor Edmundo Matinho que o PSD tentou, pelo menos por três vezes, que fosse ouvido no Parlamento sobre as contas da SCML, mas nunca conseguiu a aprovação do PS, que tinha a maioria parlamentar. Agora Edmundo Martinho não deverá escapar à audição. O PSD prepara-se para o chamar à respetiva comissão parlamentar.

Também a IL anunciou, na semana passada, que quer ouvir na Assembleia da República os responsáveis que agora cessam funções, mas os anteriores gestores e decisores políticos ligados à Santa Casa da Misericórdia de Lisboa por causa dos projetos da internacionalização.

Esta segunda-feira, o PS anunciou que vai chamar a ministra Maria do Rosário Palma Ramalho, com caráter de urgência, para ser ouvida sobre a exoneração da mesa da SCML.

O provedor da SCML é nomeado por despacho conjunto do primeiro-ministro e do titular da pasta do Trabalho, Solidariedade e Segurança Social.

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