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Israel: Rafah em marcha para mais um desastre humanitário

A cidade do sul de Gaza está a deixar de ter condições para proporcionar um mínimo de sobrevivência aos refugiados que ali permanecem. Entretanto, várias entidades tentam reverter a decisão dos EUA de parar o reabastecimento bélico de Israel.
9 Maio 2024, 07h30

Era suposto ser uma intervenção contida – tal como pedia a comunidade internacional – mas intervenções contidas não costumam fazer parte do léxico da guerra. A intervenção das Forças de Defesa de Israel (IDF) em Rafah, cidade que faz fronteira entre a Palestina e o Egipto, está a avançar como avançou a intervenção a norte: acabando com a possibilidade de vida dos milhares de palestinianos que ali então enclausurados. Segundo relatos de diversos meios de informação – entre eles a Al Jazeera, que foi expulsa de Israel – o mais importante hospital de Rafah está a entrar em colapso. O al-Najjar encerrou a sua atividade e as restantes instalações de saúde da cidade têm apenas três dias de combustível, diz a Organização Mundial da Saúde (OMS), que pediu a reabertura das passagens fronteiriças de Gaza.

No final de sete meses de êxodo constante, a próxima paragem dos palestinianos é agora o centro de Gaza, principalmente a cidade de Deir el-Balah. Um porta-voz do Comité Internacional da Cruz Vermelha disse, citado por várias fontes, que o grupo não poderá realizar as suas atividades em Gaza se a operação militar em Rafah continuar. “As nossas operações, apesar dos desafios, continuam em Rafah e na área circundante”, disse Hisham Mhanna à Al Jazeera. “No entanto, estamos extremamente preocupados porque não seremos capazes de manter as nossas atividades se a operação militar se expandir e a passagem de Rafah permanecer fechada”. Mhanna disse que a Cruz Vermelha está atualmente a apoiar centros alimentação (fornecendo refeições a milhares de famílias diariamente), hospitais, equipes de defesa civil que recuperam de corpos sob os escombros e outros serviços.

Entretanto, o embaixador de Israel na ONU, Gilad Erdan, disse não acreditar que os Estados Unidos deixariam de fornecer armas a Israel, mas classificou a decisão de Washington de suspender alguns carregamentos de armas como “muito decepcionante”, até frustrante. O presidente Joe Biden “não pode dizer que é nosso parceiro no objetivo de destruir o Hamas e ao mesmo tempo atrasar os meios destinados a destruir o Hamas”, disse Erdan em entrevista ao Canal 12 de Notícias de Israel.

Do seu lado, as IDF preferiram minimizar o bloqueio sem precedentes de um carregamento de armas norte-americanas. O principal porta-voz militar, o contra-almirante Daniel Hagar, descreveu a coordenação entre Israel e os Estados Unidos como atingindo “um propósito sem precedentes, acho, na história de Israel”.

Ao invés de se queixar, preferiu contemporizar: Erdan elogiou a escala da cooperação entre o quartel-general das IDF e o Comando Central das Forças Armadas dos EUA (CENTCOM) durante a guerra, dizendo que “há algo mais importante do que assistência de segurança, que é o apoio operacional”.

Recorde-se que o governo Biden confirmou na terça-feira que reteve um grande carregamento de bombas de elevado potencial porque temia que Israel pudesse usá-las numa grande operação terrestre na densamente povoada cidade de Rafah. Foi a primeira vez desde o início da guerra entre Israel e o Hamas que os Estados Unidos suspendem um carregamento de armas para as IDF, que fornecem de forma quase constante desde 7 de outubro. Washington opõe-se a uma grande ofensiva em Rafah – tal como sucede com um extenso número de países que costumam apoiar Israel – decisão a que não será alheio o facto de serem cada vez mais numerosas e ‘audíveis’ as manifestações internas contra o apoio às decisões de Israel.

De acordo com as autoridades de defesa israelita, quatro dos seis restantes batalhões do Hamas estão na cidade, juntamente com membros da liderança do grupo e um número significativo dos reféns que ainda se encontram nas suas mãos.

Do lado contrário está o influente grupo de lobby pró-Israel nos Estados Unidos, que descreveu a medida como uma “mensagem perigosa e contraproducente”. “Isso encoraja o Irão, o Hamas e o Hezbollah e mina os compromissos dos Estados Unidos com todos os nossos aliados”, disse o Comité Americano de Assuntos Públicos de Israel (AIPAC) nas redes sociais. “O Congresso deve exigir que o governo Biden reverta esse atraso e garanta que Israel tenha o que precisa para vencer esta guerra.” Segundo a imprensa, o AIPAC tem gasto milhões de dólares nas eleições norte-americanas para derrotar candidatos críticos das posições de Israel.

Ao contrário da maioria dos observadores, o AIPAC considera que “Israel está a trabalhar para melhorar a situação humanitária em Gaza”. Num comunicado divulgado esta quarta-feira, o grupo diz que “inúmeros palestinianos inocentes estão a sofrer por causa do Hamas. O grupo terrorista apoiado pelo Irão recusa-se a render-se e a libertar os reféns ou a concordar com uma pausa de curto prazo nos combates. Isso permitiria um aumento maciço de ajuda em Gaza e aliviaria os problemas de distribuição dentro da zona de guerra”.

“Por seu lado, Israel está a trabalhar para aumentar dramaticamente a quantidade de ajuda em Gaza – incluindo alimentos, água, medicamentos e suprimentos de abrigo – para aliviar a situação humanitária que resultou da guerra. Todos os dias, quantidades significativas de ajuda entram em Gaza. Israel continua a abrir novos pontos de entrada para ajuda em Gaza por terra, ar e mar”. A leitura do grupo influenciador não coincide em nada com as organizações internacionais que se encontram no terreno.

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