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Alemanha: Orçamento para 2024 com buraco de 60 mil milhões após decisão do Tribunal

O uso de parte da dívida que sobrou da resposta pandémica em fundos climáticos é ilegal, deliberou o Tribunal Constitucional alemão, o que significa que 60 mil milhões de despesa programada para 2024 terão de ser contabilizados no mesmo ano, e não em 2021, como o Governo pretendia. Decisão levanta dúvidas sobre adequação das regras orçamentais alemãs e sobre o futuro da coligação liderada por Scholz.
16 Novembro 2023, 07h30

O Tribunal Constitucional alemão declarou esta quarta-feira, 15 de novembro, ilegal a transferência de 60 mil milhões de euros feita pelo governo germânico de fundos pandémicos para utilização na resposta à emergência climática, uma decisão com jurisprudência e que representa um golpe sério nas negociações orçamentais para os próximos anos.

O Governo de Olaf Scholz canalizou dívida emitida durante a pandemia para a sua agenda climática, alocando os 60 mil milhões de euros a projetos relacionados com a melhoria da eficiência energética de edifícios públicos e a subsidiarização de sectores intensivos em energia, medidas que ficam agora em risco. Esta transferência apenas seria possível dado o travão colocado nos anos críticos da pandemia aos gastos públicos, embora o tribunal tenha esclarecido que tal viola a Constituição.

Apesar de ser dívida emitida em 2021, os gastos subsequentes seriam feitos em 2024, tendo, portanto, impacto no orçamento do próximo ano. Pelo contrário, o Governo de coligação liderado por Scholz havia contabilizado estes fundos como despesa de 2021, aproveitando assim a suspensão temporária das regras orçamentais internas que limitam o défice a 0,35% do PIB.

Tal significa que o Governo alemão “tem agora um buraco de 60 mil milhões de euros no seu orçamento”, resumem os analistas do banco ING. Ao mesmo tempo, “o orçamento para 2024 seguramente não será acordado esta semana”, tal como era esperado, dado que os parceiros de coligação do Partido Democrático Liberal já excluíram quaisquer aumentos de impostos.

Do ponto de vista legal e jurídico, a decisão parece fazer sentido aos especialistas do banco neerlandês, dado que “dívida acumulada em situações especiais ou de crise não pode ser usada para compensar outra”. No entanto, a decisão desta quarta-feira renova a discussão sobre a adequação dos limites orçamentais alemães, dado que o motor económico europeu “se debate com estagnação estrutural e uma longa lista de desafios e transições, muitas delas a requerer apoio orçamental”.

Também o presidente do Instituto Ifo, das organizações de análise económica mais respeitadas da Alemanha, discorda da regra constitucional para o défice e a dívida, argumentando que “está desfasada dos tempos atuais” e leva a “manobras absurdas” pela classe política para a contornar legalmente.

Apesar da postura tipicamente conservadora em termos orçamentais e dos recados deixados em contexto europeu sobre os gastos públicos de outros Estados-membros, a Alemanha aplica frequentemente a receita de estímulos e políticas acomodatícias em alturas de crise. Como tal, há ainda a possibilidade de o travão constitucional ser novamente suspenso este ano e no próximo, antecipam vários analistas no país, embora a decisão desta quarta-feira possa dificultar esta estratégia.

O ministro das Finanças alemão, Christian Lindner, havia já garantido ter um “plano B” para lidar com uma decisão desfavorável nesta matéria, embora não a tenha explicitado. No contexto europeu, o ministro alemão tem marcada para esta semana uma reunião com o seu homólogo francês para discutir disciplina orçamental na zona euro, isto quando o debate sobre a reintrodução das regras orçamentais tem esbarrado na insistência alemã em manter uma regra cega de redução da dívida por 0,5% anualmente.

Com esta dificuldade acrescida para finalizar a proposta orçamental para o próximo ano e as linhas gerais da política económica até 2027, a própria coligação no Governo pode ficar em risco. Olaf Scholz é visto cada vez mais como um político desacreditado, desgastado pela crise económica que o país atravessa e pelos avanços e recuos no apoio à Ucrânia, vendo a sua popularidade a cair cada vez mais; do lados dos parceiros de coligação, os Verdes pedem mais investimento para contrariar os efeitos da crise climática, enquanto os democratas liberais recusam disparos na despesa.

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