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Jean Tirole: “UE está a perder a corrida mundial da inovação”

O diagnóstico é apresentado no relatório ‘How to escape the middle technology trap’, do Grupo de Análise das Políticas Europeias, que contou com as reflexões de Jean Tirole, professor de economia no MIT e Nobel da Economia em 2014.
8 Maio 2024, 07h30

“A União Europeia [UE] está a perder a corrida mundial da inovação”, diz Jean Tirole, professor de economia no norte-americano MIT (Instituto de Tecnologia de Massachusetts) e Nobel da Economia em 2014. O diagnóstico consta do relatório How to escape the middle technology trap, um estudo elaborado pelo Grupo de Análise das Políticas Europeias, em que o economista participou e que inclui recomendações para Bruxelas.

De acordo com o documento, a indústria europeia “investe menos do que os seus pares em I&D”, estando “muito para trás no domínio do software e da inteligência artificial [IA]”. Além disso, “a sua componente farmacêutica está em risco”.

Nas palavras de Jean Tirole, a “ausência total” do bloco europeu da lista das “vinte maiores empresas tecnológicas e das 20 maiores empresas em fase de arranque é preocupante”, criticando, por um lado, o baixo investimento em I&D, e por outro a concentração “em tecnologias intermédias”.

“Há mais de vinte anos que as mesmas empresas, na sua maioria do sector automóvel, dominam a atividade de inovação da UE. Chamamos a isto a armadilha da tecnologia intermédia”, é referido no documento redigido pelo ifo Institute – Leibniz Institute for Economic Research e pelo IEP@BU – Institute for European Policymaking at Bocconi University.

Numa análise para o Jornal Económico (JE), o economista Sandro Mendonça diz que os investigadores pintam uma Europa “insustentável” na economia da inovação, que “tem falhado na construção dos mercados futuros”.

“O relatório defende que os atuais esforços europeus, embora louváveis, são insuficientes, tanto em termos de quantidade como de qualidade. São necessárias reformas importantes para que a Europa possa competir no espaço de criação de valor”, analisa o Professor Associado do Departamento de Economia do ISCTE Business School, acrescentando que o documento redigido pelos economistas Clemens Fuest, Daniel Gros, Jean Tirole, .P. L. Mengel e Giorgio Presidente “critica o modelo burocrático da UE”.

De acordo com o documento, a “despesa em I&D de 3% do PIB tem sido tem sido um objetivo oficial da UE desde o lançamento da Estratégia de Lisboa em 2000”. “No entanto, a despesa interna bruta em I&D na UE é ainda de cerca de 2% do PIB, valor inferior ao registado noutras grandes economias, como os EUA, o Japão e a China”, aponta.

O atraso face aos outros mercados, explicam os investigadores, não se prende gastos menos expressivos em I&D. “Em 2020, a I&D financiada pelos governos ascendeu a 110 mil milhões de euros na UE (principalmente pelos governos nacionais) e 150 mil milhões de euros nos EUA, representando uma percentagem muito semelhante do PIB, cerca de 0,7%. Nas outras regiões do mundo, as despesas públicas em I&D são ligeiramente inferiores, situando-se em 0,5% do PIB”, é detalhado no relatório.

Os investigadores apontam como razão principal para a diferença transatlântica global “o menor empenhamento em I&D por parte do sector empresarial, cujas despesas ascendem apenas a 1,2% do PIB na UE, contra 2,3% do PIB nos EUA”.

Ainda sobre o documento, Sandro Mendonça diz que o que o surpreendeu mais “foi a explicita e mordaz critica ao estilo de gestão” comunitário, baseado num “modelo bastante burocrático”. “O estilo de fazer política de inovação está a falhar. É controlado por burocratas”, insistiu.

“Havia espaço para um esforço inovador mais robusto, mesmo na dotação que tem sido implementada. Essa maneira de implementar a política pública para a inovação tem sido incapaz de dar resultados. Não tem sido capaz de tornar o continente dinâmico”, analisa.

Como ilustração da assimetria, o economista português alude aos avultados investimentos em I&D pelas grandes tecnológicas norte-americanas.

“Se olharmos para os orçamentos das cinco maiores tecnológicas dos EUA, o I&D é maior do que todo o orçamento conjunto dos 27 Comissão Europeia, a sete anos”, exemplifica o economista, que coordenou o relatório The Futures of Big Tech para a Comissão Europeia (Directorate-General for Research and Innovation) publicado em 2024.

No caso da maior economia europeia, o investimento alemão anual em I&D é inferior ao da Amazon na mesma área, continuou.

Passando ao campo da política nacional, Sandro Mendonça entende que este cenário exige uma “convergência” entre três tutelas –  Ministério dos Negócios Estrangeiros (MNE), da Economia e da Educação, Ciência e Inovação -, defendendo uma “agenda comum” das pastas.

O cenário de “armadilha da tecnologia intermédia” havia sido anteriormente levantado pela China. “Os países que se desenvolvem mais tarde têm geralmente dificuldades na modernização industrial e na transição para rendimentos elevados, porque não dispõem de avanços tecnológicos próprios após a importação, imitação, absorção e rastreio de tecnologia”, apontou, em dezembro, a principal academia de Ciências do país.

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