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Jogo eletrónico vale mais de 260 milhões de euros em Portugal

Lisboa tornou-se palco de eventos como o Blast Pro Series, o Girlgamer Esports Festival ou o Moche XL Esports, mas os videojogos continuam a precisar espaço de legitimação.
21 Julho 2019, 08h00

Portugal está longe de ser um dos principais mercados mundiais na indústria dos videojogos, mas começa a entrar no mapa dos gamers e a deixar a imagem de “n00b” (“newbie”). As receitas do jogo eletrónico em Portugal somaram 297 milhões de dólares (cerca de 265 milhões de euros) em 2018, colocando o país em 39º no ranking do “Global Games Market Report”, elaborado pela empresa de estudos de mercado Newzoo. Enquanto o jogo vai largando a retrógrada associação ao adolescente sedentário fechado no sótão e passa a ser fonte de conteúdo, meio de comunicação e foco de investimento, Lisboa recebe eventos internacionais como o Blast Pro Series 2018, o torneio de Counter-Strike, ou o Girlgamer Esports Festival 2018.

“Mesmo sem as mesmas condições de outras grandes potências mundiais, como Estados Unidos, Alemanha, França, Brasil ou Coreia do Sul, Portugal consegue alcançar feitos fantásticos, a nível coletivo ou individual. Para ajudar a este desenvolvimento é preciso criar cada vez mais e melhores condições para os atletas, clubes e eventos. É preciso investimento, feito de forma eficaz e sustentado, de modo a inspirar confiança às marcas e criar condições para que os parceiros contribuam”, alerta Raul Faria, coordenador de eSports da Federação Portuguesa de Futebol (FPF) ao Jornal Económico (JE).

Segundo o responsável da FPF, esta ainda é uma área “de paciência”, que requer, além de dinheiro, conhecimento e experiência. Mais do que organizar competições de videojogos (e-sports), é necessário pensar na saúde e dar espaço para que as entidades competentes desenvolvam iniciativas de legitimação do desporto eletrónico. “A FPF, no primeiro estágio da Seleção Nacional de Futebol Virtual, colocou a sua equipa de USP (Unidade de Saúde e Performance) a acompanhar os oito atletas que foram pré-convocados para a FIFA e Nations Cup, o que consistiu numa série de iniciativas para analisar a saúde e performance dos respetivos atletas durante a prática de esports. Os resultados foram positivos e comprovam que há espaço para os e-sports no mundo do desporto federado”, exemplifica Raul Faria.

A nível global, o mercado global de jogos eletrónicos vai aumentar a sua receita e gerar 152,1 mil milhões de dólares (perto de 136 mil milhões de euros) até ao final de 2019, mais 9,6% do que no ano passado, de acordo com o mesmo relatório. A disputa comercial entre as duas maiores potências do mundo sente-se até no gaming, e a China, que tem sido senhora e rainha nesta indústria, vai este ano perder (ainda que por pouco) a liderança para os Estados Unidos, que irão arrecadar 36,9 mil milhões de dólares (aproximadamente 33 mil milhões de euros) devido ao crescimento nos jogos de consolas e ao impacto do Fortnite na América do Norte. Não obstante esta luta de titãs, jogadores, marcas e fabricantes veem mais potencial no gaming português. Disso é exemplo o facto de continuarem a nascer “startups” made in Portugal nesta área (ver entrevista na página 4 deste suplemento) e de dois atletas portugueses que participaram na competição de futebol virtual FIFA eNations Cup – Diogo “Tuga810” Pombo e Gonçalo “Rastaartur” Pinto – fazerem parte do ‘Top 10’ mundial no ranking FIFA na PlayStation.

Videojogos já rivalizam com o cinema
“Organizam-se pouco a pouco as estruturas necessárias para o crescimento. Nunca antes vimos jogos de tão alta qualidade a serem produzidos em Portugal, ou a forma exponencial com que os eventos relacionados com o tema proliferam. Vemos finalmente o início da profissionalização dos meios de comunicação que divulgam estes temas do e para o mercado nacional”, afirma André Gonçalves, Relações Públicas e responsável de Gaming da Asus. No ano passado, a fabricante taiwanesa de hardware vendeu mais de 80 mil dispositivos pensados para jogos (computadores, portáteis, telemóveis, monitores, periféricos, placas gráficas, motherboards e dispositivos de rede), totalizando 22 milhões de euros. Para André Gonçalves, o caminho de desenvolvimento está traçado, mas continuará a depender bastante de condições externas. “É de louvar os recentes esforços do governo açoriano em atrair para a ilha Terceira empresas tecnológicas, muitas delas relacionadas com esta indústria”, sublinha ao JE.

A Federação Portuguesa de Desporto Eletrónico (FEPODELE) admite que pretende fazer de 2019 “o ano de participação ativa e positiva de todos” na organização de competições desportivas periódicas de videojogos e na destruição de mitos associados que ainda persistem. Há cerca de quatro meses, a FEPODELE iniciou a segunda ronda de contactos para desenvolvimento de trabalho federativo com os clubes com os quais a federação se reuniu no ano passado. “Em conjunto com os clubes desportivos portugueses, é objectivo comum a construção de um melhor sistema desportivo para os eSports em Portugal”, sustenta a mesma entidade. A lista é composta pelos seguintes clubes: ASP Esports, Elektronik Generation, Estoril Praia eSports, FTW eSports, Galactics Esports Club, GTZ Bulls ESports, Hexagone ESports, Infusion Gaming, K1ck Esports Club, ORO ESports, Panthers ESports, Reaperz ESports, Rusty Pandas, Sporting eSports, SamClan Esports e Tropa Suprema ESports.

Aliás, nem a Paddy Cosgrave escapam os avanços do jogo eletrónico, que hoje movimenta valores comparáveis aos de Hollywood. A organização da Web Summit revelou que a próxima edição desta cimeira tecnológica, que regressa à capital portuguesa entre os dias 4 e 5 de novembro, terá três áreas em destaque: videojogos, streaming e moda. Do leque de oradores consta o CEO da Xbox, Phil Spencer, que virá a Lisboa no âmbito dessa aposta no gaming. O conjunto de empresas e o painel de investidores que a Web Summit reúne no mesmo espaço pode ser mais uma oportunidade para quem se quiser lançar neste segmento – quer enquanto produtor de jogos quer enquanto distribuidor/fabricante de equipamentos.

A PlayStation Portugal acredita que esta indústria evoluiu após ter criado uma oferta diferenciada o suficiente para ser uma forma de entretenimento de públicos distintos. No entanto, para que o videojogo continue a ganhar tração em Portugal e seja capaz de conquistar mais públicos, as organizações precisam de desenhar um mapa de trabalho, apresentar uma estratégia que aloque parte do investimento no gaming. À parte modelos de negócio e cofres abertos, falta contar porque é que o desporto eletrónico suscita paixão e fomenta relações. A marca de consolas da Sony garante que coloca Portugal no radar ao investir na dobragem e legendagem dos exclusivos para português, ao promover a presença de estúdios internacionais nos eventos de lançamento, ao trabalhar para que as novidades de hardware e software cheguem ao país a day one e ao premiar empreendedores dos videojogos.

“Os videojogos são vistos cada vez mais como experiências de entretenimento altamente imersivas, em que um jogador de qualquer idade, género ou estrato social pode viver e participar em diferentes e emocionantes histórias. Atualmente rivaliza com as grandes produções do cinema, e cada vez mais se observam atores, realizadores e argumentistas de renome a colaborarem nas grandes produções da indústria do gaming”, realça João Lopes, da PlayStation. Apesar de não divulgar os dados referentes a Portugal, a empresa adiantou que, no ano passado, as vendas cumulativas de hardware PlayStation ultrapassaram as 525,3 milhões de unidades em todo o mundo (inclusive todas as consolas lançadas desde a sua chegada à indústria dos videojogos). Já em abril de 2019, só a PlayStation 4 ultrapassou os 96 milhões de unidades vendidas a nível mundial.

A estratégia da Altice Portugal passar por colocar a tecnologia ao serviço dos adeptos desta modalidade/entretenimento, pelo que promove o Moche XL Esports – o primeiro evento de gaming com emissão televisiva em Portugal usando a rede móvel de quinta geração (5G). “Este foi um grande passo para apresentar a milhares de fãs dos esports todas as vantagens desta nova tecnologia que, com velocidades ultra rápidas e baixa latência, leva a experiência de jogo para um outro nível”, assinala João Epifânio, Chief Sales Officer (CSO) da Altice Portugal para o segmento de consumo. “Hoje em dia, o gaming extravasa uma só geração. Em Portugal, milhões de pessoas jogam videojogos, seja no seu computador, consola ou no telemóvel”, diz o CSO da Altice Portugal, adiantanto que a dona da Meo aposta nesta modalidade numa lógica de acrescentar valor ao produto e trazer capacidade de projeção e dimensão de marca na área do gaming.

A Worten, que organiza o “Worten Game City”, vendeu mais de 100 mil produtos de gaming, ultrapassando os 6 milhões de euros de vendas no primeiro trimestre de 2019. A empresa de eletrónica de consumo do grupo Sonae assegura que pretende continuar próxima da comunidade gamer nacional através de eventos e de criação de conteúdo nas redes sociais, sobretudo no Twitter e no Twitch. “Acreditamos que o desenvolvimento deste mercado – que já representa 7% das vendas totais na Worten (2018) – passa por democratizar o gaming, mostrando-o de uma forma apelativa para todos, independentemente da idade e do nível de performance de cada um”, argumenta ao jornal António Fuzeta da Ponte, diretor de Marca e Comunicação da Worten.

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