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José Coutinho: “Sabemos que há um grande risco de sismos, mas só cerca de 10% da população tem seguro”

Em entrevista ao Jornal Económico, José Coutinho, Chief Underwriting Officer da Zurich Portugal, alerta para a multiplicação de eventos extremos, relacionados com as alterações climáticas, mesmo no curto prazo, e para um enquadramento que não é o melhor para se lidar com o tema.
12 Junho 2024, 08h45

O Global Risks Report, produzido pelo Fórum Económico Mundial em parceria com o Zurich Insurance Group e a Marsh McLennan, aponta que, a prazo, os principais riscos que teremos de enfrentar estão relacionados com as alterações climáticas e com os eventos extremos.

Em entrevista ao Jornal Económico (JE), José Coutinho, Chief Underwriting Officer da Zurich Portugal, alerta para a multiplicação de eventos extremos, mesmo no curto prazo, e para um enquadramento que não é o melhor para se lidar com o tema.

“A frequência destes eventos é maior e a sua magnitude também é maior”, diz José Coutinho, acrescentando que “ainda temos uma lacuna de proteção em Portugal, muitas pessoas não estão protegidas para esse tipo de eventos”.

“Dependemos demasiado do governo para enfrentar as consequências”, sublinha.

Coutinho dá o exemplo dos sismos, em que, embora sabendo-se do risco, cerca de 90% da população não está protegida por seguros. “A literacia financeira não é normalmente tão alta como noutros países, e também há um aspeto económico, pois as pessoas não investem muito nos seguros”, explica.

“Por isso, sim, temos de certificar-nos de que investimos mais na prevenção”, defende.

 

Dos riscos apontados no Global Risks Report 2024, quais são aqueles que devem preocupar mais Portugal a curto e a longo prazo?

A longo prazo, nos quatro primeiros lugares vemos os riscos ambientais, mas a curto prazo também surgem os eventos climáticos extremos, e temos a desinformação no topo dos riscos a dois anos. Temos esses dois fenómenos. Também temos a polarização social. Em Portugal, não sendo um país de risco, também vemos este movimento de classes mais altas e classes mais baixas, sem uma classe no meio. Isso cria mais pressão na sociedade. É uma sociedade que vem do período da [pandemia de] covid-19, da pressão da inflação e das taxas de juro a aumentarem.

Dos riscos, o que provavelmente destaco mais é o dos eventos climáticos extremos, que já observámos aqui em Portugal, é o mais tangível para as pessoas.

No passado, tivemos sempre os incêndios em Portugal no verão. Mas quando pensamos em cheias, habitualmente pensamos na Europa Central; quando pensamos em tornados, pensamos na Florida [nos EUA]. Agora, vemos isso em Portugal, isso está a acontecer aqui. Há 10 ou 20 anos não era assim. Agora, temos mais de 20 eventos climáticos extremos. A frequência destes eventos é maior e a sua magnitude também é maior. As pessoas estão a começar a aperceber-se mais disto. Vemos regiões do país com falta de água, como no Algarve. As pessoas estão a sentir a pressão, têm de racionar a água. Isto tem impacto no sector económico.

Estes são os riscos que a curto prazo vamos ver em Portugal, são aqueles que mais enfrentámos nos últimos anos, e o risco dos eventos climáticos extremos é provavelmente o mais acrescido.

Que papel pode desempenhar o sector segurador português na resposta a estes riscos?

Primeiro, enquanto sector segurador somos um sector resiliente em Portugal. Nos últimos anos ultrapassámos algumas crises financeiras, a covid-19. Temos conhecimento para partilhar com os clientes e empresas sobre como podem prevenir estas mudanças. As coisas estão a mudar e temos de garantir que o conhecimento que temos enquanto indústria deve ser colocado ao serviço do cliente. Temos uma visão de que temos de estar onde e quando o cliente precisa de nós. É claro, o sector segurador tem de estar lá para isso. Mas não é apenas para remediar, tem de ser para prevenir, certificarmo-nos que ajudamos os clientes. Como sector, também temos de pressionar os decisores políticos, como o governo e as associações, para agirmos em conjunto. Enquanto entidades individuais é difícil fazer as coisas, mas enquanto sector podemos fazê-lo. Temos de ter mais poder para agir. Pode ser ajudando na regulação, assegurando que temos seguros para proteger mais.

Ainda temos uma lacuna de proteção em Portugal, muitas pessoas não estão protegidas para esse tipo de eventos. Dependemos demasiado do governo para enfrentar as consequências e depois quando grandes eventos acontecem há um grande fosso entre o que estava coberto pelo seguro e os danos sofridos. Penso que é algo que como sector segurador temos de concretizar. E, claro, também o conhecimento. O mapeamento de cheias, por exemplo. Como sociedade devemos perceber como podemos ajudar as pessoas, aconselhando-as a não construírem as suas casas em determinados locais, ou aconselhando as empresas a não construírem as suas instalações em certos locais. Dizer-lhes para o fazerem noutro sítio porque ali existe o risco de cheias. Coisas simples como estas, que no final vão proteger negócios, salvar vidas e também evitar que se desperdice todo este dinheiro para responder aos danos.

Que medidas tem implementado a Zurich Portugal para mitigar o impacto dos eventos climáticos extremos?

Extremos e incomuns. É algo a que não estávamos habituados. Tivemos grandes cheias em Lisboa, aconteceu também no Norte do país. As pessoas compreendem que algo está a mudar. Primeiro, tivemos de ser capazes de reagir rapidamente. É importante que a todo o momento sejamos uma empresa orientada para o cliente e que estejamos próximos dos clientes para os apoiar. Estar lá para eles. Mas também aprendemos com isso, percebemos o que podemos fazer de forma diferente, como estar preparados e como podemos prevenir mais pessoas. Começámos a enviar mensagens às pessoas para avisá-las do risco de cheias, das tempestades de vento. Agora, contactamos diretamente o cliente. É este conhecimento que conseguimos providenciar ao cliente em termos de prevenção.

No caso das empresas, temos trabalhado com os nossos engenheiros de riscos para estarem em contacto com as empresas e analisarem onde estão sediadas e que tipo de proteção podem implementar nas suas instalações de forma a mitigarem alguns riscos. Acho que em Portugal e globalmente temos serviços de engenharia de riscos realmente bons, que ajudam os clientes, compreendem as suas necessidades e mostram como podemos ajudá-los, não só para reparar danos, mas principalmente para preveni-los e mitigá-los.

Na resposta ao nível governamental, o investimento na prevenção é fundamental para minimizar o impacto das alterações climáticas?

Sim, claramente. Tem de haver consciencialização. Acho que a população portuguesa não é, provavelmente, a população mais consciente dos riscos. A literacia financeira não é normalmente tão alta como noutros países, e também há um aspeto económico, pois as pessoas não investem muito nos seguros. Por isso, sim, temos de certificar-nos de que investimos mais na prevenção.

Também temos de dar apoio às pessoas relativamente à forma como se podem proteger mais e temos igualmente de pensar como podemos reagir.

Há alguns anos tivemos o incêndio em Pedrógão, foi em 2017. Nesse ano, que foi um ano terrível, morreram mais de 100 pessoas. Tivemos mais de 200 pessoas feridas. As perdas foram superiores a 200 milhões de euros para as companhias de seguros, mas os prejuízos foram muito mais elevados. Ainda hoje algumas pessoas estão à espera da compensação por aquilo que perderam na altura. É importante perceber como podemos criar mecanismos para respondermos no momento e como podemos dar condições às pessoas para se prevenirem, para garantir que estão mais protegidas.

Há um evento que, felizmente, não temos visto muitos pedidos às seguradoras, que são os sismos. Em Portugal, sabemos que há um grande risco de sismos, mas ao mesmo tempo temos cerca de 10% da população coberta pelos seguros contra este risco. Isso significa que, se acontecer, não há proteção. É algo em que temos de trabalhar de forma coletiva para perceber como podemos fazer com que mais pessoas estejam protegidas por seguros e para dar-lhes mais condições.

Em Portugal, a criação de um fundo comum para enfrentar os eventos catastróficos tem sido referida. É uma solução?

É pelo menos uma solução que devemos analisar e considerar. Devemos ter um mecanismo que assegure que temos mais pessoas protegidas. Hoje fiamo-nos nas empresas de seguros, a todos os níveis. Um fundo, em que toda a população estivesse protegida, acredito que isso é importante. A nível governamental, é algo que tem sido tentado várias vezes ao longo do tempo, e nunca se concretizou.

Na Zurich estamos disponíveis para contribuir com algum conhecimento e definir qual seria o melhor processo a seguir, tendo em mente a proteção das pessoas. Compreendemos que é uma lacuna que existe e temos de garantir que a colmatamos.

 

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