Uma conversa entre António Costa, então primeiro-ministro, e João Galamba, ministro das Infraestruturas, foi apanhada pelas escutas do Ministério Público, em que os dois governantes abordavam o “inferno” que se vivia após se tornar pública a indemnização de 500 mil euros a Alexandra Reis. Nesta escuta, a que a “CNN Portugal” e “Correio da Manhã” tiveram acesso, o agora ex-primeiro-ministro sugeriu a saída de Christine Ourmières-Widener da liderança da TAP.
“Se isto se torna num inferno, é ela ou nós [Governo]”, disse António Costa a Galamba, ouvido na escuta no âmbito da Operação Influencer. Foi neste mesmo telefonema, a 5 de março de 2023, que Costa terá avançado com o nome do sucessor da gestora francesa: Luís Rodrigues.
“Os 500 mil [euros] já nos custaram muito. As pessoas precisam de sentir que o Governo não consente com merdas destas”, sublinhou Costa em relação à indemnização à antiga administradora da TAP, que entretanto foi despedida com a polémica indemnização, foi para a NAV e depois assumiu a Secretaria de Estado do Tesouro, liderada por Medina.
“Já falei com o Fernando [Medina, então ministro das Finanças] e politicamente nós não nos safamos mantendo a senhora, nem a senhora se safa politicamente”, apontou o ex-primeiro-ministro ao ministro das Infraestruturas no mesmo telefonema.
Foi então que surgiu o nome de Luís Rodrigues, então gestor à frente da açoriana SATA. “Um gajo muito bom”, disse Costa, referindo que o CEO seria um “fator de tranquilidade e descompressão” após as polémicas que levaram à Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI).
“E ele aceita?”, questionou João Galamba, à frente da pasta que gere a tutela da aviação. Sobre este tema, o ex-primeiro-ministro assentiu positivamente e assegurou já ter falado com Medina.
No dia seguinte, a 6 de março de 2023, chegou a notícia da demissão de Christine Ourmières-Widener.
“Pediram-me que me demitisse”, confirmou Ourmières-Widener, em resposta ao deputado Paulo Moniz (PSD), na CPI da tutela, em abril, um mês após o seu despedimento. A gestora reuniu-se então com o ministro das Finanças na véspera de ser conhecido o relatório da IGF.
“Disse-me que poderia ser boa ideia para a minha reputação demitir-me”, esclareceu, na altura.
Fernando Medina terá dito, segundo a gestora, que seria “difícil do ponto de vista do Governo que se prosseguisse com o mandato”. A conversa “foi muito difícil”, diz a CEO da TAP. “Sair desta forma, foi muito difícil”, salientou.
“O tom da reunião foi muito triste, dizendo-me que os meus resultados eram fenomenais e que eu tinha feito um trabalho fantástico, que era a pessoa certa para o cargo e que este processo [de indemnização a Alexandra Reis] tinha sido conduzido por mim com boa-fé, mas perante toda a pressão de diferentes partes, não restava ao Governo outra opção, não vendo a continuação do meu mandato”, disse Ourmières-Widener aos deputados na comissão.
Assim, a opção de demitir a gestora francesa serviu para ‘estancar’ o desagrado geral causado pela situação da indemnização a Alexandra Reis.
No entanto, esta escuta traz à luz do dia novas descobertas. A justificação formal que o Governo deu, evocando despedimento por justa causa, é agora posta em causa, e pode mesmo sair em favor de Christine Ourmières-Widener, que colocou o Estado em tribunal por contestar a alegação de justa causa.
Assim, e nas palavras de António Costa, a demissão de Christine serviu para o dossier da indemnização na TAP não “rebentar nas mãos” do Executivo.
A equipa de defesa da ex-CEO da TAP está preparada para utilizar as escutas telefónicas recolhidas da Operação Influencer a seu favor, uma vez que António Costa admitiu afastar Ourmières-Widener para conter os danos políticos que o caso da indemnização de Alexandra Reis estava a provocar ao Governo, especialmente depois de se saber que o ‘sim’ ao pagamento foi feito por WhatsApp.
Em declarações ao “Expresso”, a advogada da gestora, Inês Arruda, defende que as escutas agora divulgadas “reforçam a ideia de que o despedimento foi político e Christine Ourmières-Widener foi um bode expiatório”.
Já Paulo Sá e Cunha, advogado da gestora para questões do Tribunal de Contas e queixa no Ministério Público sobre a falsificação da renúncia de Alexandra Reis, diz que a conversa prova que a decisão já estava tomada antes dos factos serem avaliados.
“A decisão estava tomada antes de serem apreciados os factos, é o equivalente a um simulacro”, disse Paulo Sá e Cunha. Para o advogado, este é mais um argumento que prova que o despedimento da gestora da companhia aérea portuguesa “foi ilegal”.
Desta forma, a equipa de Ourmières-Widener vai utilizar as escutas para tentar obter a indemnização de 5,9 milhões de euros.
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