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O IRC e a competitividade fiscal em Portugal

O tema da competitividade fiscal em Portugal tem vindo ciclicamente a ser colocado na agenda política, muitas vezes ao “sabor do vento” que impele os decisores políticos em cada momento. Neste contexto, o Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas (IRC) é um dos tributos que se avalia sempre quando se inicia uma discussão sobre […]
24 Setembro 2021, 00h00

O tema da competitividade fiscal em Portugal tem vindo ciclicamente a ser colocado na agenda política, muitas vezes ao “sabor do vento” que impele os decisores políticos em cada momento.

Neste contexto, o Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas (IRC) é um dos tributos que se avalia sempre quando se inicia uma discussão sobre melhorias do sistema fiscal, dado que estamos perante o imposto que incide sobre os rendimentos/lucros gerados pelas empresas, que são, muitas vezes, o motor e o coração da economia do país.

Desde 1989, data em que entrou em vigor no normativo jurídico-tributário em Portugal, o IRC tem vindo a ser alvo de múltiplas e sucessivas alterações, umas vezes por aperfeiçoamento legislativo em face da evolução natural da economia, outras vezes por razões de aumentar a receita tributária e outras ainda para acolher normas de Direito Comunitário que necessitam de transposição para a lei portuguesa.

As últimas grandes modificações ao nível do Código do IRC ocorreram no âmbito do processo de Reforma Tributária de 2014, no qual se visou dotar o imposto de uma maior transparência, competitividade e ainda um maior nível de comparabilidade com aquilo que se fazia ao nível dos principais países da União Europeia, minimizando desse modo o gap muitas vezes apontado por empresários que existia no sistema fiscal português, in casu, no que concerne ao IRC.

No entanto, e como as sociedades e as economias evoluem constantemente, nunca é demais refletir sobre o que se pode pensar ainda como possíveis formas de melhorar este imposto. Haverá ainda margem para que isso possa ser contemplado pelos decisores políticos? Certamente que sim, e por isso deixo aqui duas possíveis sugestões que podem servir para uma reflexão a esse nível. Trata-se apenas disso, i.e., de sugestões, pois um exercício de revisão ao Código do IRC carece de um estudo de maior profundidade, dada a complexidade inerente a um processo com estas características.
Uma primeira reflexão merecedora de alguma ponderação, passaria desde logo por rever o regime que regula a dedução de prejuízos fiscais, o qual encontra-se previsto no artigo 52º do Código do IRC. Desde logo, por esta ter sido uma área onde temos vindo a assistir a várias alterações ao longo dos últimos anos, sem que se perceba qual o fio condutor que norteia a estratégia do legislador nesta matéria, criando até alguma instabilidade junto dos diversos stakeholders, nomeadamente junto dos contribuintes, mas também junto da Autoridade Tributária e Aduaneira (AT).

Estou convicto que o atual contexto económico, o qual se deve caracterizar por criar algumas medidas de estímulo na área fiscal tendo por objetivo acelerar a retoma económica no período pós Covid-19, poderá ser propício a que se faça uma reflexão profunda nesta área, não apenas conjuntural, mas de natureza estrutural e que haja um “pacto de regime” no sentido de manter um regime legal de dedução de prejuízos fiscais estável e dentro daquilo que são as melhores práticas internacionais, promovendo igualmente Portugal como um País mais competitivo no domínio tributário.
De facto, com o processo de Reforma do IRC de 2014, o prazo de reporte para efetivar a dedução de prejuízos fiscais passou a ser de 12 anos. Contudo, isto apenas vigorou até ao final do exercício de 2016, sendo que a partir de 1 de janeiro de 2017 esse prazo foi reduzido para cinco anos. Esta inconstância e falta de estabilidade não ajuda a promover a competitividade fiscal de Portugal a nível internacional.

Assim, e tomando como exemplo comparativo a situação que temos em Espanha (dado ser um país muitas vezes utilizado para fazer comparações com Portugal), poder-se-ia contemplar uma alteração ao regime de dedução dos prejuízos fiscais que passasse por não impor qualquer regime temporal, nem quantitativo (a regra atual limita a dedução dos prejuízos fiscais a um valor correspondente a 70% do lucro tributável registado no ano) para se efetivar essa dedução. Ou seja, contemplar a possibilidade de o prazo de reporte para se efetivar a dedução de prejuízos fiscais fosse ilimitado.
Este princípio assenta numa premissa técnica geralmente aceite pela doutrina que ao nível do IRC existe um princípio de solidariedade entre os exercícios fiscais. É uma alteração ambiciosa, sem dúvida, mas certamente no caminho certo. Dentro deste contexto, poder-se-ia igualmente contemplar a possibilidade de se efetivarem as deduções de prejuízos para exercícios passados (por exemplo, limitar essa possibilidade aos últimos 4 anos, dado ser esse o prazo legal que AT dispõe para poder inspecionar os exercícios fiscais), corrigindo desse modo o imposto pago no passado (o processo internacionalmente apelidado de “carry back”).

Tudo isto obrigará por certo a uma discussão séria e a um “pacto de regime”, tal como anteriormente referido, e naturalmente a um exercício financeiro de medição de impactos ao nível das receitas do Estado, estando certo de que estas medidas poderiam sem quaisquer dúvidas contribuir para uma dinamização (e melhoria ao nível da competitividade) do sistema fiscal em Portugal.

Uma outra área de intervenção passaria por rever o regime atual das tributações autónomas. De facto, o regime das tributações autónomas em sede de IRC é uma inovação da legislação portuguesa que não encontra paralelismo em muitas jurisdições com as quais Portugal gosta de se comparar, nomeadamente ao nível da União Europeia.

É algo que até tem sido merecedor de alguma controvérsia, pois trata-se de uma forma de tributação que incide sobre despesas e não sobre os lucros, como seria normal, dado que o IRC é um imposto que deveria incidir sobre os lucros das Empresas.

Contudo, isso seria uma outra discussão que não aquela que se pretende neste artigo. Dando como inevitável a existência do regime das tributações autónomas, poder-se-ia equacionar uma maior flexibilização na aplicação das regras atualmente existentes.

Desde logo a penalização (quiçá excessiva) nas situações em que os contribuintes registam/apuram prejuízos fiscais. O que esta situação parece evidenciar é que o legislador entende que se uma empresa apura prejuízo fiscal terá de pagar um imposto agravado em sede de tributações autónomas (i.e. acréscimo em 10 pontos percentuais), pois presume-se que o mesmo possa resultar de alguma intenção/manipulação do contribuinte e não de uma situação de natureza empresarial. Tal presunção estará certamente errada na maioria dos casos. Uma coisa são situações de fraude e evasão fiscal, as quais devem ser combatidas em sede própria e serem ainda objeto de uma fiscalização rigorosa, outra coisa é penalizar ainda mais uma situação já por si débil de um ponto de vista económico (i.e. o apuramento de um prejuízo). Valeria a pena rever esta situação e acabar em definitivo com esta penalização excessiva e desproporcionada.

Outro aspeto a ter em conta é a utilização do regime das tributações autónomas enquanto forma de promover melhores práticas ambientais e de políticas de sustentabilidade, nomeadamente através da utilização de viaturas automóveis mais amigas do ambiente, como sejam viaturas movidas exclusivamente a energia elétrica e ainda viaturas híbridas plug-in. Se, por um lado, se saúda a inexistência de tributação autónoma no caso dos encargos suportados com viaturas movidas exclusivamente a energia elétrica, por outro lado, a existência de tributação autónoma (ainda que com taxas mais baixas) nas viaturas híbridas plug-in poderia ser revista de modo a diminuir ainda mais este tipo de incidência tributária. Há que passar uma mensagem clara de uma política de mobilidade sustentável e a utilização de viaturas híbridas plug-in são um passo certo nesse sentido.

Portanto, a ambição deve ser maior no sentido de se reduzirem substancialmente as taxas aplicáveis (i.e. atualmente cifram-se em 5% para viaturas com custo de aquisição inferior a 27.500 euros, em 15% para viaturas com custo de aquisição igual ou superior a 27.500 euros e inferior a 35.000 euros, e em 27,5% para viaturas com custo de aquisição igual ou superior a 35.000 euros). Por exemplo, reduzir em 50% as taxas atualmente aplicáveis a este tipo de viaturas.

Em suma, e ainda que muito mais se pudesse comentar neste domínio, fica claramente a ideia que os decisores políticos, querendo, podem de facto contribuir para aumentar o nível da competitividade fiscal em Portugal e que tal facto, certamente, poderia contribuir para a captação de um maior nível de investimento direto no país, promovendo dessa forma uma recuperação económica tão desejável (e necessária) pelo nosso tecido empresarial.

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