A afirmação de que o “Programa Mais Habitação” foi recebido com aplausos seria tão exagerada quanto a notícia da morte de Mark Twain. As críticas ásperas, à esquerda e à direita, divergem entre si quanto ao diagnóstico dos problemas e quanto aos motivos de reparo – mas, na sua parcialidade, não deixam de se revelar em boa parte corretas.

Para uns, a garantia do direito fundamental a uma habitação condigna torna urgente uma intervenção incisiva do Estado no mercado imobiliário, trocando a inércia perante comportamentos desregrados de agentes especulativos por uma promoção efetiva do acesso e fruição da habitação, enquanto exigência básica da dignidade humana e da autodeterminação pessoal e familiar.

Para outros, mais à direita, as graves insuficiências e distorções do mercado da habitação constituem o culminar de décadas de intervenções estaduais demagógicas, casuísticas e de curto alcance, que destruíram a estabilidade e a confiança indispensáveis ao regular desenvolvimento da atividade imobiliária, fizeram medrar burocracias e comportamentos especulativos e oneraram os proprietários e demais agentes económicos com os sobrecustos de políticas sociais que devem ser suportados por toda a comunidade.

Passando do diagnóstico à crítica da terapêutica proposta pelo Governo, sublinha-se à esquerda, com razão, a escassa ou nula exequibilidade de muitas soluções, pelo menos em tempo útil. É o caso da afetação de edifícios e terrenos públicos a programas de habitação, que não passa de um voto piedoso quando se verifica que as entidades públicas nem sequer têm concluído o inventário dos seus bens, quanto mais a sua disponibilização.

O arrendamento coercivo, pouco mais do que simbólico, ficará nas mãos dos municípios, nada interessados em afetar os seus escassos recursos a intervenções com elevado potencial de conflitualidade, propensas a lides judiciais intermináveis e com resultado incerto. O pacote legislativo não proporcionará os níveis mínimos de garantia efetiva do direito fundamental à habitação, podendo violar desse modo o princípio constitucional da proporcionalidade na vertente da proibição do défice (de proteção).

À direita, afirma-se de forma igualmente certeira que a atual emergência habitacional foi criada, por ação e omissão, pelo próprio Estado, que agora a invoca para justificar o destempero de algumas medidas. De facto, sem um acréscimo drástico da oferta pública, a criação ou aumento compulsivos da oferta privada – por via da ameaça de confisco de (certas) casas devolutas e das restrições ao alojamento local e à fixação das rendas – representam uma lesão desproporcionada do princípio da igualdade e dos direitos fundamentais de propriedade e iniciativa privada. Logo, também aqui existirá violação do princípio da proporcionalidade – mas agora na vertente da proibição do excesso.

Pecando por defeito e pecando por excesso, a versão em consulta pública parece ser ao mesmo tempo inútil e prejudicial…