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Ordem dos Veterinários considera “erro histórico” transferência da tutela dos animais de companhia para o Ministério do Ambiente

A entidade representativa dos veterinários contesta esta decisão e sublinha que o Governo não teve em conta a opinião de técnicos especialistas nacionais e internacionais, nem as orientações da Organização Mundial da Saúde Animal (OIE) e a Federação dos Veterinários da Europa (FVE)
26 Março 2021, 15h45

A Ordem dos Médicos Veterinários consideram um “erro histórico” a transferência da tutela dos animais de companhia para o Ministério do Ambiente, na sequência do Conselho de Ministros ter aprovado ontem, dia 25 de março, a transferência das competências dos animais de companhia da Direcção-Geral de Alimentação e Veterinária para o Instituto da Conservação da Natureza e Florestas.

A entidade representativa dos veterinários contesta esta decisão e sublinha que o Governo não teve em conta a opinião de técnicos especialistas nacionais e internacionais, nem as orientações da Organização Mundial da Saúde Animal (OIE) e a Federação dos Veterinários da Europa (FVE).

“A Ordem dos Médicos Veterinários (OMV) considera ‘um erro histórico, de consequências imprevisíveis’, a transferência de competências aprovada esta quinta-feira em Conselho de Ministros e apela ao Presidente da República e aos municípios para que revertam ‘uma má decisão do Governo’. Em causa está a passagem da tutela dos animais de companhia – incluindo dos animais errantes – para a alçada do Ministério do Ambiente e da Ação Climática, mais concretamente para o Instituto da Conservação da Natureza e Florestas (ICNF)”, assume um comunicado desta organização profissional.

Recorde-se que até ontem esta competência era da alçada da Direcção-Geral de Alimentação e Veterinária (DGAV) e do Ministério da Agricultura.

“Esta alteração orgânica é desastrosa para a execução dos planos de controlo e para os sistemas de alerta de doenças e terá consequências graves para a saúde pública, nomeadamente a possibilidade de ressurgirem em Portugal doenças já erradicadas, como a raiva”, afirma Jorge Cid, bastonário da OMV, recordando que “o Governo ignorou a opinião de técnicos especialistas nacionais e internacionais, que consideraram, publicamente e de forma unânime, que a saúde das populações e dos próprios animais pode ficar em risco.”

Segundo os responsáveis da OMV, “desde que o Governo tornou pública a sua intenção de realizar esta transferência de competências, a decisão foi contestada por vários agentes políticos, de todos os quadrantes, e da sociedade civil. A Assembleia da República aprovou – com os votos favoráveis do Bloco de Esquerda, PEV, PSD, CDS e Iniciativa Liberal – um Projeto de Resolução do PCP que recomendava que esta reformulação orgânica não se efetuasse. Mais de 40 associações e confederações subscreveram uma carta aberta dirigida ao primeiro-ministro e ao Presidente da República, alertando para as consequências negativas que poderiam resultar desta transferência de competências”, assinala o comunicado da OMV.

De acordo com o mesmo documento, “mais recentemente, a Associação Nacional de Municípios Portugueses (ANMP), chamada a pronunciar-se sobre as iniciativas legislativas (…) aprovadas, e que têm fortes repercussões nas competências dos municípios em matéria de gestão de populações de animais errantes e salvaguarda da saúde pública e segurança das pessoas, foi altamente crítica sobre esta alteração orgânica, questionando mesmo a capacidade do ICNF para lidar com matérias tão complexas e diversas do seu campo de atuação habitual, mostrando mesmo grande preocupação pelo afastamento da DGAV da definição de orientações estratégicas que envolvem aspetos que vão desde a saúde pública à segurança de pessoas e bens”.

“Segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS), as oito doenças que representam maior risco para a saúde pública são doenças transmitidas dos animais para os humanos (zoonoses). Estas representam 70% das doenças infecciosas que surgiram nos últimos 30 anos, sendo o exemplo recente mais expressivo o da Covid-19. Separar as competências de saúde e bem-estar animal em dois organismos autónomos, um para os animais de companhia e outro para os animais de produção, coloca em causa a saúde pública”, acrescenta o bastonário da OMV.

A Ordem dos Médicos Veterinários considera ainda que “esta decisão contraria as orientações de instituições europeias e internacionais sobre a matéria, desde logo a Organização Mundial da Saúde Animal (OIE) e a Federação dos Veterinários da Europa (FVE), que encaram a organização dos serviços oficiais de veterinária como um fator de absoluta importância para a gestão e o controlo de crises sanitárias”.

Para Jorge Cid, a alteração orgânica com base em opções políticas contrárias às opiniões técnicas, sem qualquer estudo ou planeamento, põe também em causa a segurança das populações: “o risco de assistirmos ao aumento do número de animais errantes e consequente registo de ataques a pessoas é significativo”, afirma.

O responsável refere ainda que esta decisão poderá também “afetar a reputação do país enquanto Estado-Membro da União Europeia e a sua relação com os restantes Estados-Membros, conduzindo mesmo à imposição de restrições às movimentações de animais de companhia do e para o estrangeiro”, o que, considera, se revela mais danoso para a imagem de Portugal num momento em que o país preside ao Conselho da União Europeia.

“Assim, a Ordem dos Médicos Veterinários apela ao Presidente da República e à Associação Nacional de Municípios Portugueses para que, dentro das suas competências, tudo façam para evitar este erro histórico, razão pela qual já pediu uma audiência junto da Casa Civil e do representante dos municípios portugueses”, revela o mesmo comunicado.

A OMV critica ainda o facto de o Conselho de Ministros de ontem ter aprovado dois diplomas relacionados com o bem-estar animal, com  iniciativas legislativas relativas ao Provedor do Animal e ao Programa Nacional para os Animais de Companhia, sem ter ouvido os médicos veterinários sobre nenhum dos diplomas.

“Encaramos com apreensão o afastamento da Direção-Geral de Alimentação e Veterinária deste Programa Nacional para o bem-estar animal, saúde pública e segurança e tranquilidade das populações e consideramos que a figura do Provedor do Animal é conflituante com a atuação da DGAV, nomeadamente em áreas como a participação no processo de elaboração de legislação”, conclui Jorge Cid.

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