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Os auxílios de Estado e a Zona Franca da Madeira

Temos assistido recentemente ao apetite voraz da União Europeia para atacar regimes fiscais mais favoráveis, pelo que o desfecho do caso da Zona Franca da Madeira se afigura incerto e imprevisível, para ser otimista. No final, só teremos uns vencedores: os advogados que acompanham estes processos extremamente complexos.
31 Maio 2019, 00h00

Nem sempre se consegue perceber claramente o poder que a União Europeia tem para se sobrepor aos sistemas legais dos países que a integram. Determina a Constituição da República Portuguesa (CRP) que as “as disposições dos tratados que regem a União Europeia e as normas emanadas das suas instituições, no exercício das respetivas competências, são aplicáveis na lei interna, nos termos definidos pelo direito da União, com respeito pelos princípios fundamentais do Estado de direito democrático”. O princípio da tutela jurisdicional efetiva determina que “todos têm direito a que uma causa em que intervenham seja objeto de decisão em prazo razoável e mediante procedimento equitativo”.
A este propósito, a Comissão Europeia (CE) iniciou em 2015 um exercício de controlo “ex-post” ao 3º Regime da Zona Franca da Madeira (ZFM), ou seja, o que vigorou entre 1 Janeiro de 2007 e 31 de Dezembro de 2013. Só este facto suspende de imediato a caducidade do direito à recuperação de impostos, que para estes efeitos, e no âmbito da legislação comunitária, é de 10 anos. Uma empresa que tenha obtido a sua licença da ZFM em 2007 e que tenha operado até 2010, por exemplo, poderia, de acordo com a legislação fiscal Portuguesa, ser objeto de inspeção até 2014. Mas, agora, pode ver (pelo menos teoricamente) todos os benefícios fiscais de que beneficiou naquele período na ZFM sujeitos a uma obrigação de devolução por ordem da CE. E estamos em 2019, não convém esquecer.
Ou seja, a CE não fez qualquer acompanhamento do regime no período em que o mesmo vigorou. Beneficiando de um regime de suspensão da caducidade que ultrapassa tudo o que se pode considerar razoável, apoiando-se em critérios dúbios relacionados com a definição de postos de trabalho e colocando em causa os lucros tributáveis que, na sua opinião, não são resultantes de atividades efetiva e materialmente realizadas na Madeira, coloca em causa a sobrevivência de um regime que gera, hoje em dia, quase 200 milhões de euros em impostos, valor que não pode ser considerado irrelevante para um território ultra-periférico como é a Madeira.
Temos visto recentemente o apetite voraz da UE para atacar regimes fiscais mais favoráveis (ainda no mês passado ordenou a devolução parcial de impostos não pagos às empresas do Reino Unido que beneficiaram de um regime de Controlled Foreign Companies) pelo que o desfecho do caso da ZFM se afigura incerto e imprevisível, para ser otimista.
E, caso o desfecho seja negativo, o que acontecerá? Por certo, instala-se a confusão. O Estado Português será obrigado a reclamar impostos aos beneficiários das empresas que, à luz da nossa lei nacional, estão mais do que caducados. E que não foram pagos porque os contribuintes seguiram estritamente as leis fiscais aplicáveis (in casu, o estatuído no Estatuto dos Benefícios Fiscais) e instruções administrativas emanadas do mesmo Estado português. E que provavelmente terão que ser pagos e depois devolvidos, eventualmente muitos anos depois, por esse mesmo Estado, com juros. Lá se vai o princípio da tutela jurisdicional efetiva. Um atropelo à CRP de proporções épicas.
Não é certamente um exemplo edificante sobre o funcionamento das instituições europeias. E no final, só teremos uns vencedores: os advogados que acompanharão estes processos extremamente complexos do ponto de vista jurídico. Os grandes perdedores serão a ZFM, que assistirá a mais uma saída em massa de empresas, e os tribunais Portugueses que ficarão ainda mais entupidos, e agora com processos que, na verdade, não têm pés nem cabeça e com uma complexidade jurídica elevada.

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