O pacote anticorrupção aprovado a 20 de junho pelo Parlamento deve ser aprovado pelo Governo esta quinta-feira, embora seja ainda incerto que medidas ficarão pelo caminho. As medidas relativas à regulamentação do lobbying são das com maior probabilidade de aprovação, uma iniciativa vista como um bom ponto de partida e um reforço da confiança dos cidadãos e empresas no processo legislativo, argumenta a especialista Rita Serrabulho Abecasis ao JE.
O pacote de medidas contra a corrupção deverá ser hoje aprovado pelo Governo, isto após, a 3 de junho, a ministra da Justiça ter apresentado a agenda anticorrupção ao Conselho de Ministros e a recolha de contributos de várias entidades do sector como da Procuradoria-Geral da República, o Conselho Superior da Magistratura, o Mecanismo Nacional Anticorrupção e ainda a Associação Sindical dos Juízes Portugueses.
Uma das medidas que é já dada como certa é a da regulação do lobbying, defendida por todos os partidos da oposição, com o PCP e BE a darem sinais de serem os únicos a demarcarem-se da iniciativa.
“Este pacote pode ser um pontapé de saída para haver uma perceção de que estamos a fazer algo” para reforçar a credibilidade e transparência do processo legislativo, afirma Rita Serrabulho Abecasis, managing partner da Political Intelligence Portugal. Tal torna-se ainda mais importante numa altura em que o país pode ter em António Costa nova figura de relevo no panorama internacional, pelo que é fundamental “que sejamos vistos como um país confiável e que transmita segurança a quem quer investir e quem nos representa lá fora” [leia a entrevista na íntegra aqui].
Recorde-se que os partidos que suportam o Governo querem regular esta atividade com dois mecanismos, um sistema de registo dos representantes de interesses legítimos e uma agenda pública de interações entre estes e os representantes das instituições públicas.
Os sociais-democratas querem que este novo sistema de registo funcione junto da Assembleia da República, público, gratuito e acompanhado de um código de conduta. Ao JE, a deputada única do PAN, que na semana passada apresentou novo projeto de regulamentação do lobbying, avançou que na apresentação do pacote de medidas contra corrupção pela ministra da Justiça nesta quarta-feira foi sinalizada “abertura para esta regulamentação com o mesmo conceito do PAN, de registo de interesses”.
Inês Sousa Real realça, porém, que enquanto o PAN defende a criação de um registo único, centralizado e obrigatório, que ficaria a cargo da Entidade para a Transparência, o novo Executivo pretende este registo funcione na Assembleia da República o que, diz, diverge do que o defende o PAN “por uma questão de otimização de recursos [que já existem na Entidade para a Transparência] e para evitar a duplicação de perecimento de formulários”.
Além da regulamentação do lobbying, o plano de medidas deverá ainda prever ainda a reestruturação dos chamados megaprocessos. Objetivo: acelerar os procedimentos judiciais e evitar que os processos complexos se arrastem durante anos nos tribunais. Mas há propostas da oposição que ficaram de fora da agenda anticorrupção como como o reforço das molduras penais de alguns crimes e a extensão dos prazos de prescrição, reclamados por partidos como CDS-PP e o Chega.
O Chega sinalizou ontem que o Governo mostrou abertura para avançar com o confisco de bens e com a regulamentação do lobbying, no conjunto de medidas anticorrupção, mas admitiu que esperava um pacote “mais robusto” do executivo.
“Ficámos satisfeitos com o facto de que a ministra pretende avançar com a regulamentação do lobbying, portanto, para o Chega é um ponto relevante. Outro ponto muito relevante diz respeito ao confisco de bens, que foi uma das prioridades do Chega na sua campanha”, explicou aos jornalistas a deputada do Chega Cristina Rodrigues, após a apresentação do pacote de medidas contra corrupção pela ministra da Justiça nesta quarta-feira, 19 de junho, no Parlamento.
Segundo esta deputada, o Governo avançará também com a agilização dos chamados “megaprocessos” para torná-los “menos morosos”, ressalvando que foi dada a indicação por parte da ministra de que todas estas propostas irão ainda a Conselho de Ministros, pelo que nada está ainda garantido.
Cristina Rodrigues do Chega lamentou já a alegada falta de interesse do Governo em “mexer na prescrição dos crimes, em não mexer no aumento das penas e também não fazer qualquer alteração àquilo que hoje existe, que é uma interdição de praticar cargos públicos quando se foi condenado por corrupção”
Rita Alarcão Júdice reuniu ontem de manhã com os grupos parlamentares do PS, Chega, Iniciativa Liberal, Bloco de Esquerda e PAN. Esta ronda de reuniões fechou, simbolicamente, uma primeira fase – a da elaboração da agenda anticorrupção, um documento que vai orientar a atividade legislativa do Governo no combate à corrupção.
Esta era uma medida emblemática do programa eleitoral da AD, aspeto salientado por Rita Serrabulho Abecasis, que elogia a rapidez com que o Executivo avançou para esta legislação.
A proposta da coligação que suporta o Governo passa pela criação de um Registo de Transparência, “uma base de dados que inclua todos os representantes (individuais ou coletivos) de interesses legítimos que pretendam contactar entidades e decisores públicos, incluindo órgãos de soberania, administração pública e reguladores”, pode-se ler no programa eleitoral.
Este registo far-se-á acompanhar de um código de conduta que defina claramente regras gerais para as relações entre representantes de interesses legítimos e entidades públicas, impedimentos e incompatibilidades.
Além disto, a coligação propunha a “adoção da Agenda Pública que regista e divulga as interações formais ou informais entre os titulares, dirigentes ou representantes das instituições públicas e os representantes de interesses legítimos”. Esta incluirá “também a obrigação de publicitar as reuniões de todos os titulares de cargos políticos e altos cargos públicos com grupos de interesse (com eventual hiato de tempo devido a eventuais questões de segurança ou reserva temporária indispensável ao interesse público), com indicação de reuniões, entidades envolvidas e com um arquivo da correspondente documentação que delas tenha resultado, designadamente presenças, tópicos focados e decisões adotadas”.
Para Rita Serrabulho Abecasis, ficam a faltar ainda alguns detalhes. Por um lado, é necessário esclarecer a definição de lobbyista, dados os vários registos em que é praticado o lobbying; por outro, é necessário definir sanções para quem viole esta regulamentação, de forma a torna-la eficiente; por fim, fica por saber se haverá classes excluídas da proposta, como é o caso dos solicitadores e advogados na maioria dos projetos de lei (exceto o do PAN).
Ao longo dos últimos dois meses o Ministério da Justiça recolheu contributos de cerca de 30 entidades de diversa natureza e selecionou as medidas com maior probabilidade de gerarem consenso.
“O Governo pretendeu desenhar uma agenda que seja eficaz, exequível e realista – e para isso, é preciso saber construir consensos”, justificou a ministra da Justiça.
Segundo a governante, algumas medidas que “possam criar mais resistência”, não foram incluídas nesta agenda, mas, os partidos mantêm a prerrogativa da iniciativa legislativa para apresentarem propostas de legislação, se assim o entenderem.
“Mas se conseguirmos concretizar – e acredito que sim – as medidas sobre as quais se gerou um consenso alargado, já estaremos a fazer muito pelo combate à corrupção em Portugal”, acrescentou Rita Alarcão Júdice, adiantando ainda que o pacote anticorrupção prevê “mais de 30 medidas” e que está assente em “três eixos – prevenção, educação e repressão”.
A 3 de abril, no seu primeiro Conselho de Ministros, o Governo liderado por Luís Montenegro decidiu como primeira medida mandatar a ministra da Justiça para falar com todos os partidos com assento parlamentar, agentes do setor da justiça e sociedade civil com vista à elaboração de um pacote de medidas contra a corrupção, num prazo de 60 dias.
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