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“Pandemia e guerra obrigaram multinacionais e repensar a sua forma de atuação”

As novas regras dos preços de transferência visam acompanhar os padrões da OCDE e simplificar as obrigações declarativas. Pandemia e guerra levou empresas a adequar metodologias à sua nova realidade.
31 Março 2023, 08h00

João Cunha Guimarães fala ao JE sobre as mudanças na política de preços de transferência para os padrões da OCDE e aplaude a simplificação das obrigações declarativas das empresas.

O que levou à revisãoda legislação nacional sobre o tema dos preçosde transferência que se encontravam, desde 2001, ancorados a regras e procedimentos já muito pouco práticos?
Nos anos mais recentes, verificou-se uma evolução do contexto fiscal internacional, fundamentalmente, devido aos trabalhos desenvolvidos pela OCDE: (i) foi apresentado o Projeto BEPS, o qual impôs novos padrões de motivação económica e de substância das operações e (ii) foi criado o Projeto BEPS 2.0 com o intuito de estabelecer um conjunto de regras para enfrentar os desafios fiscais decorrentes da digitalização e globalização da economia mundial.

Neste sentido, sendo Portugal um dos Estados-membros da OCDE e defendendo as Autoridades Tributárias a aplicação dos trabalhos desenvolvidos por esta organização, era uma questão de tempo até a nossa legislação sofrer alterações significativas.

As alterações introduzidas visam não só acompanhar os trabalhos desenvolvidos pela OCDE como também simplificar as obrigações declarativas dos sujeitos passivos.
De um ponto de vista prático, a nova legislação simplifica o processo de documentação para empresas de dimensões inferiores aumentando o limiar de dispensa e introduzindo um modelo simplificado para empresas que, ainda que cumpram o referido limiar, sejam consideradas micro, pequenas e média empresas. No entanto, para os restantes sujeitos passivos, a nova estrutura de documentação introduz novos requisitos de reporte que resultam numa complexificação do processo de preparação do dossier, nomeadamente ao nível da sofisticação do tipo de análises requeridas para suportar o cumprimento do princípio de plena de concorrência num contexto económico muito mais complexo do que no passado.

Quais são as principais alterações ao nível da revisão de critérios de dispensa de organização de dossier? E ao nível da reestruturação do dossier?
A nova legislação de preços de transferência resultou em diversas alterações ao dossier como o conhecíamos. Por um lado, introduziu uma dualidade de critérios quanto à dispensa de organização do mesmo, a qual assenta no montante anual de rendimentos (superior a 10.000.000€ no período em análise) e nas operações vinculadas estabelecidas pelo sujeito passivo (por contraparte, superiores a 100.000€ e, na sua globalidade, 500.000€).

Por outro lado, alinhou a estrutura da documentação com a sugerida pela Ação 13 do BEPS introduzindo um modelo bipartido baseado num Dossier Principal e num Dossier Específico. Importa, no entanto, salientar que os elementos a incluir neste processo de documentação encontram-se especificamente elencados na legislação exigindo um nível de detalhe superior ao sugerido pela OCDE: informação financeira de todas as entidades constituintes dos grupos multinacionais, informação relativa aos últimos três períodos de tributação e a emissão de uma declaração de responsabilidade por entidades terceiras, relativa aos estudos técnicos elaborados.

Com a pandemia e os efeitos da guerra, as empresas foram forçadas a uma abordagem adequada à nova realidade ao nível dos preços de transferência?
O carácter atípico dos últimos anos, quer devido ao surgimento da pandemia de Covid-19, quer devido ao início do conflito militar entre a Ucrânia e a Rússia, criou importantes constrangimentos ao nível das cadeias de abastecimento das empresas multinacionais, obrigando-as a repensar a sua forma de atuação, tanto a nível operacional como financeiro, com consequências diretas na determinação dos seus preços de transferência.

Neste período ficou claro que as abordagens que se vinham a adotar a nível de políticas de preços de transferência estáticas e numa perspetiva one-side não eram suficientes para assegurar que, em períodos de crise, as empresas conseguissem demonstrar o cumprimento do princípio de plena concorrência. Considerando o exposto, as empresas foram obrigadas a implementar uma série de medidas para adequar as suas metodologias de preços de transferência à sua nova realidade: políticas mais flexíveis, dinâmicas e multi-sided, contratos com cláusulas de força maior, definição e reconhecimento de novos perfis funcionais, entre outros.

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