[weglot_switcher]

Paz e batatas fritas: os sonhos de Gaza para o novo ano

À medida que o novo ano vai entrando em funções em todos os países do mundo, os povos vão acordando apercebendo-se que o mundo novo não tem, em alguns lugares, nada de novo: é o mesmo de sempre. Uma reportagem da Al Jazeera sobre os sonhos dos palestinianos para 2024.
1 Janeiro 2024, 09h03

Está muito frio em Deir el-Balah, na Faixa de Gaza, e as pessoas estão tentando construir abrigos para se protegerem num novo campo de refugiados ali montado. No acampamento, que fica perto do Hospital dos Mártires de Al-Aqsa, as crianças correm de tenda em tenda levando mensagens ou procurando alguém com quem brincar.

A Al Jazeera, pela mão de Maram Humaid, conversou com cinco palestinos do novo campo sobre as suas esperanças e temores para 2024. Um Shadi, uma mulher de 62, de Bureij, disse: “Tivemos uma vida boa, mas agora estamos sujos, desesperados, como mendigos” – enquanto o barulho de um drone israelita enchia o ar. Um Shadi contou os horrores das últimas semanas: “Movemo-nos o mais rápido possível para ficarmos em segurança, quando fomos atingidos, a casa da minha filha foi atingida, tudo foi atingido”, disse.

A família chegou a Deir el-Balah na semana passada, depois de o exército israelita lançar panfletos na escola em que estavam abrigados, dizendo que todos tinham de sair e seguir para o sul. “Então corremos, pegámos nas crianças e corremos”, disse Um Shadi.

“Passámos a primeira noite ao ar livre. Toda a gente acordou doente porque estava muito frio. Um homem maravilhoso deu-nos uma barraca, e estamos a tentando encontrar madeira para queimar para obter calor e materiais para fechar melhor a barraca.

“Para o ano novo, rezo pelo ‘faraj’ [alegria ou alívio após tristeza e calamidade]. As crianças recebem uma refeição por dia, no máximo. Tínhamos uma bela casa em Bureij. O meu marido era empreiteiro. “Que Deus nunca perdoe o mundo, as nações do mundo que estão apenas sentadas a ver o que nos está a acontecer.”

Wael, uma criança de sete anos, neto de Um Shadi, explicou que “quero que a guerra acabe”, disse, caindo em silêncio novamente pontuado por tímidos “Sim” quando lhe perguntavam se desejava segurança para si e para os seus familiares – mas depois calou-se e ficou apenas a olhar a desordem em seu redor.

Em vez de uma tenda, Aida el-Shouli, uma jovem de 29 anos, de Jabalia, e a família têm quatro postes de madeira com tecido esticado à sua volta para fazer um recinto quadrado aberto. No chão, Aida faz massa para fazer pão para os filhos – dois rapazes e uma rapariga reunidos à sua volta, que seguravam o irmão mais novo, uma bebé de seis semanas. Aida deu à luz numa escola administrada pela Agência das Nações Unidas de Assistência aos Refugiados da Palestina (UNRWA) em Nuseirat, para onde a família se havia fugido.

“Sou do campo de Jabalia, mas fomos deslocados. Fomos para Mughraqa, depois Nuseirat, e agora para Deir el-Balah. “Eu estava grávida e caminhei 4 km de Mughraqa a Nuseirat, puxando um carrinho carregado com as nossas coisas. Chegámos a uma escola e eu vi a aglomeração, as pessoas em todos os lugares, a sujidade, o estado dos banheiros. “Acho que o choque me fez entrar em trabalho de parto.”

No meio da destruição, Aida teve um ‘sebou’ (celebração realizada sete dias após o nascimento de um bebé) para a filha, com flores e ramos de árvores como enfeites. “Comemorámos um pouco. Quer dizer, era tudo o que eu podia fazer. Eu nem tinha roupa para ela. O que ela tem vestindo agora foi caridade. Quero que essa guerra acabe para que possamos voltar para casa. Sei que já não temos casas, mas estaríamos em casa. Os vizinhos ajudam-se mutuamente; aqui não conhecemos ninguém”.

Noor el-Bayed, uma rapariguinha de sete anos com uns olhos luminosos, e a família são de Jabalia, mas estão em Deir el-Balah há cerca de uma semana, o seu segundo campo de deslocamento desde que deixaram Nuseirat. A menina esforçava-se por sorrir enquanto descrevia o medo dos bombardeios, dos barulhos de armas pesadas e explosões que ainda estão por toda a parte, mesmo neste campo em Deir el-Balah. Ela também sente falta da escola, segundo disse. “Quero que este próximo ano seja bom”, disse. “Quero poder comer e beber. “Antes da guerra eu podia comprar batatas fritas, chocolate e sumos. Eu comeria tudo”, disse, acrescentando que, de todas essas coisas boas, são batatas fritas com sabor a queijo aquilo de que sente mais falta.

“Para o ano que vem quero batatas fritas, chocolate e sumo de morango”, declarou, acrescentando que queria ter tudo isso na sua própria casa e em tempos de paz. Muito provavelmente, não terá batatas fritas nem sumo nem chocolate – mas de certeza que não terá casa.

Copyright © Jornal Económico. Todos os direitos reservados.