[weglot_switcher]

“Só o MP não percebe que” Lacerda Machado “passou de melhor amigo” de Costa a “ativo tóxico”

Defesa de Lacerda Machado entregou resposta ao recurso do MP às medidas de coação, com várias críticas incluindo o alegado risco de fuga de um “homem de 62 anos, com um passado sem mancha, com serviços prestados ao país e enorme prestígio pessoal e profissional”: “Para o Ministério Público, Portugal são 10 milhões de Rendeiros?”.
José Sena Goulão/Lusa
27 Fevereiro 2024, 14h23

A defesa de Diogo Lacerda Machado (DLM) respondeu ao recurso do Ministério Público (MP) contra as medidas de coação aplicadas no âmbito do caso Influencer. O MP recorreu para o Tribunal da Relação de Lisboa das medidas de coação decretadas pelo juiz Nuno Dias Costa e agora a defesa do consultor pronunciou-se neste recurso.

No documento, a que o JE teve acesso, os advogados do consultor contestam os crimes imputados pelo MP ao advogado da empresa Start Campus, responsável pela construção do centro de dados de Sines, distrito de Setúbal, e também argumentam que não existe perigo de fuga.

“O MP acredita que um homem de 62 anos, com um passado sem mancha, com serviços prestados ao país e enorme prestígio pessoal e profissional tem outro projeto, no que aos autos se refere, que não seja defender-se e evidenciar que não cometeu qualquer crime?! Diogo Lacerda Machado ia fugir e acoitar-se a qualquer lugar isento de Interpol, assinando,  assim, a sua culpa, e deixando para trás filhos, netos, amigos e toda uma inserção social de seis décadas? Para o MP, Portugal são 10 milhões de Rendeiros?”, questiona o documento da defesa, liderada pelo advogado Manuel Magalhães e Silva.

Quanto ao risco de continuação da atividade criminosa, os advogados argumentam que “só o MP é que não percebe que o arguido passou de melhor amigo do PM a ativo tóxico. A essa luz, que perigo de continuar a delinquir, dando de barato a errada qualificação do MP ao imputar-lhe os crimes dos autos? Só se for entre os sem abrigo, debaixo da ponte. Haja uma pinga de decoro processual!”.

Quanto à perturbação do inquérito, “como os autos documentam, o arguido, no ato de busca e apreensão, tudo facultou, incluindo, sponte sua (espontaneamente), acesso a todos os dados de computador, telemóvel e ipad. Mais: convinha é que o MP percebesse que do lado do arguido só terá colaboração – e não obstáculos – para ir explicando aos inquiridores o que eles, sozinhos, dificilmente perceberão”, com o documento da sociedade de advogados Rodrigues Bastos, Magalhães e Silva & Associados a concluir que deve ser imposto o Termo de Identidade e Residência (TIR) ao arguido.

Olhando para os crimes de que é imputado, os advogados de Diogo Lacerda Machado sustentam que “importa deixar claro que nada nos autos permite concluir que foram dadas (supostas) instruções para que a SEE legislasse em certo sentido específico, que beneficiaria a Start Campus. Em causa estava tão só que promovesse uma decisão legislativa que, mostram os factos, redundou em lei em sentido nada favorável à Start Campus”.

Também argumentam que é “rigorosamente falso” que o arguido João Galamba tenha contactado DLM a pedir-lhe para que a “Start Campus enviasse uma informação com as normas de que poderia beneficiar a atividade de Data Centers para inserir no diploma”.

“Diogo Lacerda Machado nunca falou com quem quer que fosse, nomeadamente do Governo ou da Start Campus, sobre esse ou qualquer outro processo legislativo”, pode-se ler.

Na imputação do crime de corrupção, a defesa argumenta que DLM “não foi contratado por Afonso Salema (AFS) e Rui Oliveira Neves (RON), nem sequer discutiu com eles o âmbito, objeto e condições remuneratórias da prestação dos seus serviços como Advogado. Foi sempre, exclusivamente e só, com os acionistas da Start Campus e seus representantes diretos que esses aspetos essenciais dos serviços de advocacia prestados pelo arguido foram tratados”.

A defesa argumenta que os honorários de DLM ” foram fixados com rigorosa observância e aplicação das regras próprias da profissão e dos critérios estabelecidos no Estatuto da Ordem dos Advogados, não correspondendo a nenhuma vantagem patrimonial extravagante, desproporcionada ou indevida,
nem muito menos a uma suposta remuneração que fosse contrapartida de atuação diversa da prestação dos serviços de Advogado. Para se aferir da remuneração ajustada com o arguido, basta atentar na avença de 50.000 mensais cobrada pela PLMJ!”.

“Certo que é que não há quaisquer indícios do arguido ter exercido influência sobre Nuno Mascarenhas, nem o remunerou, ou prometeu remunerar, para a prática de qualquer ato da sua função autárquica”, afirmam, recordando que estava atrasada “há bem mais de um ano” a promoção do procedimento de suspensão provisória do PUZILS e constituição definitiva do lote para implantação do Datacentre, “desde o final de março de 2021, no contexto da atribuição da classificação PIN ao projeto”.

“Nuno Mascarenhas avançou, de imediato, que o assunto já estaria agendado para sessão da Câmara (o que, afinal, só veio realmente a acontecer no final de outubro de 2023, cinco meses mais tarde)”, pode-se ler.

A reunião “teve lugar em Lisboa, e na sede da Start Campus, bem à vista de vários colaboradores da empresa, por deferência do Presidente da Câmara Municipal de Sines, que, conforme o arguido esclareceu no seu interrogatório, e em resposta a um pedido de audiência, a realizar em Sines, fez saber que teria de se deslocar a Lisboa em serviço e que, no final do dia, ao sair de regresso a Sines, poderia passar na sede da Start Campus, nas Amoreiras, imediatamente antes do acesso à Ponte 25 de Abril, assim dispensando o arguido de uma deslocação a Sines”.

Assim, escrevem, “o arguido não fez qualquer proposta, ou sequer tentativa, para, supostamente, “comprar” a boa vontade ou o que quer que fosse do Presidente da Câmara Municipal de Sines, nomeadamente com o apoio ou patrocínio da Start Campus para o Festival das Músicas do Mundo, que já tinha sido objeto de deliberação final e de comunicação formal ao Município, em data anterior à da reunião de 23 de maio de 2023, facto que, por si só, torna a asserção do MP cronologicamente impossível. E isto, independentemente de o pagamento da quantia já atribuída (como se vê da transcrição de págs. 48 do recurso do MP) só ter sido efetuado mais tarde”.

“Como bem entendeu o Senhor Juiz a quo, os procedimentos e atos administrativos, tendo como interessada a Start Campus em que o Presidente da Câmara de Sines teve intervenção direta ou indireta, designadamente dirigindo reuniões do executivo camarário, foram todos absolutamente legais, sem que tenha havido indiciação de qualquer “violação em deveres do cargo””, defendem.

Sobre a alegada promoção de maior ou menor celeridade por parte de Nuno Mascarenhas, vale a pena reter que o que estava em causa era desencadear o procedimento de revisão do PUZILS [para constituição definitiva do lote destinado ao Datacentre] e do regime aplicável até à conclusão de tal procedimento, esquecendo o MP que este procedimento era devido, desde o final de março de 2021, com a classificação do Projecto como PIN, e que devendo ser tramitado, enquanto PIN, prioritária e celeremente, acabou por sofrer um atraso superior a dois anos, o que infirma e inutiliza a asserção do MP sobre supostas acelerações na promoção e tramitação do procedimento (aliás, ainda nem sequer estava concluído no dia 7 de novembro de 2023!)”

A defesa argumenta que não há “qualquer acordo corruptivo entre Diogo Lacerda Machado e Nuno Mascarenhas, tendo por objeto o patrocínio de 5.000 para o Festival Músicas do Mundo e o apoio em valor superior a 100 euros a uma equipe de futebol juvenil. É que, em 23 de maio de 2023, o apoio, como os autos documentam, já tinha sido concedido; e, porque tinha sido concedido, Nuno Mascarenhas queixa-se ao arguido do seu exíguo montante, comparado com os 50.000/25.000 das outras empresas de grandes projetos, sediadas em Sines”.

Os advogados também recordam o caso do ex-diretor do Serviços de Estrangeiros e Fronteiras (SEF) acusado no âmbito do caso dos Vistos Gold: “O comentário é irresistível: Manuel Palos revisitado, seis meses em prisão preventiva e carreira destruída, por duas garrafas de vinho tinto! Será que o MP nunca aprende?! Quousque tandem [até quando]?”.

“Procurar acelerar um prazo, more legis, atrasado, viola os princípios de igualdade e de imparcialidade que regem a função pública?! E não estará dentro
dos usos sociais o mecenato das empresas às atividades culturais e/ou desportivas da autarquia em que se inserem?”, questionam os causídicos.

“Foi o “delírio” qualificativo de ver nestes patrocínios contrapartida de um acordo corruptivo, ainda por cima não para acelerar, indevidamente, o prazo
devido, e com violação dos princípios da igualdade e da imparcialidade, mas sim para recuperar o atraso do prazo… devido, que o Juiz quo, curativamente, recusou”, rematam.

Juiz deixou cair crimes por corrupção, mas manteve tráfico de influências

O juiz Nuno Dias Costa deixou cair os indícios de corrupção e de prevaricação na investigação do caso Influencer, que investiga o licenciamento do centro de dados de Sines, mas manteve as suspeitas de tráfico de influência e de oferta indevida de vantagem.

O magistrado 3 do Tribunal Central de Instrução Criminal  (conhecido por Ticão) deixou cair por terra várias das suspeitas dos procuradores do Ministério Público (MP) João Paulo Centeno, Hugo Neto e Ricardo Lamas.

Desta forma, Diogo Lacerda Machado e Vítor Escária são suspeitos de um crime de tráfico de influência, com Afonso Salema e Rui Oliveira Neves (Start Campus) a serem suspeitos de um crime de tráfico de influência, a própria sociedade Start Campus (pela prática de Afonso Salema e Rui Oliveira Neves) é suspeita de um crime de tráfico de influência e de um crime de oferta indevida de vantagem.

Em termos de medidas de coação, todos estes cinco arguidos ficam em liberdade, rejeitando a prisão preventiva pedida pelo MP. Diogo Lacerda Machado fica sujeito a uma apresentação periódica a cada 15 dias, uma caução de 150 mil euros e entrega de passaporte para não se ausentar para o estrangeiro; Vítor Escária fica obrigado a não se ausentar para o estrangeiro, devendo entregar o passaporte; a sociedade Start Campus fica obrigada a apresentar caução de 600 mil euros.

Já Nuno Mascarenhas, Afonso Salema e Rui Oliveira Neves continuam como arguidos, mas ficam a aguardar os “ulteriores trâmites processuais sujeitos a termo de identidade e residência. Restitua os arguidos à liberdade”, escreveu o juiz 3 do ‘Ticão’ no despacho a 14 de novembro. O autarca de Sines fica livre de qualquer indício, mas vai manter-se como arguido.

Lacerda Machado: rendimentos anuais de 300 mil euros e perigo de fuga para a Guiné-Bissau ditaram medidas de coação

Diogo Lacerda Machado teve de pagar uma caução de 150 mil euros, e entregar o seu passaporte, para poder ficar em liberdade no âmbito do caso Influencer.

O despacho do Tribunal Central de Instrução Criminal (TCIC) (conhecido por Ticão), a que o JE teve acesso, aponta que Diogo Lacerda Machado tem família a residir no estrangeiro e que “aufere no exercício da sua atividade profissional um rendimento anual de cerca de trezentos mil euros”.

Lacerda Machado também tem uma relação especial com um país lusófono africano: “pertence aos órgãos estatutários de diversas sociedades comerciais e desde 2012 preside ao conselho de administração do Banco da África Ocidental, da Guiné-Bissau”.

O juiz Nuno Dias Costa destaca que o advogado “para além de ter capacidade económica para se alocar em vários pontos do planeta, tendo inclusive filhos a residir em diferentes geografias, mantém laços profissionais com a Guiné-Bissau, país onde, em face da respetiva natureza, seria fácil ocultar-se, criando dificuldades acrescidas à presencialidade que a lei adjetiva exige. Verifica-se, assim, em concreto, quanto ao arguido Diogo Lacerda Machado, o perigo de fuga”. Fica também sujeito a apresentações periódicas a cada 15 dias.

“Em face do que se deixou expresso, conclui-se que o perigo de fuga por parte do arguido Diogo Lacerda Machado é intenso e próximo, sobretudo atenta a ligação profissional do mesmo à Guiné-Bissau”, decretou o juiz do Ticão.

No caso de Vítor Escária, o professor do ensino superior tem vindo a dar aulas, desde 2004, no Brasil, em Moçambique, e em quatro ocasiões, em Angola, a “última das quais em 2019, e trabalha ainda como consultor”.

O juiz considera que Vítor Escária “não obstante esteja familiarmente inserido e tenha descendência já autónoma”, tem vindo a reelar facilidade em exercer a sua atividade profissional no estrangeiro, nomeadamente em Angola, pelo que, também quanto ao mesmo, pela facilidade que demonstra em subsistir fora de Portugal, se verifica, em concreto, o perigo de fuga”. Por isso, o juiz decidiu que o ex-chefe de gabinete de António Costa (entretanto exonerado e a quem as autoridades encontraram mais de 75 mil euros em notas no seu gabinete em São Bento) teve de entregar o seu passaporte.

O magistrado 3 do TCIC deixou cair por terra várias das suspeitas dos procuradores do Ministério Público (MP) João Paulo Centeno, Hugo Neto e Ricardo Lamas.

Desta forma, Diogo Lacerda Machado e Vítor Escária são suspeitos de um crime de tráfico de influência, com Afonso Salema e Rui Oliveira Neves (Start Campus) a serem suspeitos de um crime de tráfico de influência, a própria sociedade Start Campus (pela prática de Afonso Salema e Rui Oliveira Neves) é suspeita de um crime de tráfico de influência e de um crime de oferta indevida de vantagem. O MP já anunciou que vai recorrer da decisão.

A defesa de Diogo Lacerda Machado já anunciou que vai recorrer da caução aplicada e também os indícios de tráfico de influências de que é suspeito. Também a defesa de Vítor Escária já anunciou que vai recorrer.

No seu despacho, o magistrado também considerou que o pedido de prisão preventiva para Diogo Lacerda Machado e Vítor Escária “são claramente desproporcionadas, sobretudo à luz da pena que previsivelmente virá a ser aplicada àqueles, não valendo aqui, por seu turno, considerações genéricas, ou fórmulas estereotipadas. Na verdade, a natureza processual das medidas de coação e, concretamente, da prisão preventiva, não é compatível com a antecipação do cumprimento de uma eventual futura pena de prisão”.

“Deve assim ser imposta” a estes dois arguidos assim como à sociedade arguida Start Campus “uma medida de coação que responda de forma adequada àqueles perigos e que seja proporcional à gravidade dos crimes fortemente indiciados”.

RELACIONADO
Copyright © Jornal Económico. Todos os direitos reservados.