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Sofia Pinto Coelho: Jornalista de profissão, justiceira por vocação

Percorremos os vários pisos do Lisboa Ginásio Clube para ficarmos a conhecer como Sofia Pinto Coelho, jornalista há mais de 25 anos, ainda se angustia com o trabalho, apesar do orgulho e vaidade que sente. A jornalista da SIC chega e parte cansada, mas pelo meio ainda nos mostra como pedalar ajuda a renovar a luta por fazer com que as pessoas conheçam mais e melhor os seus direitos: “Saio sempre com passarinhos na cabeça depois das aulas”, explica.
30 Março 2017, 17h48

Perguntaram-me qual era o sítio onde me sentia melhor”, diz Sofia Pinto Coelho a Jorge Barbosa, chefe de serviço. “Eu respondi logo que era aqui”, conclui, como se aquela tivesse sido a pergunta mais fácil que alguma vez lhe fizeram. Estamos no elevador do edifício do Lisboa Ginásio Clube, na freguesia de Arroios, perto da estação de metro dos Anjos, onde Sofia treina duas vezes por semana: “Este é um ginásio à minha moda, onde há miúdos desde os cinco anos e onde faço aulas com pessoas de 70 anos. Gosto imenso disso”, conta ao Jornal Económico.

O Lisboa Ginásio Clube (LGC), no número 63 da rua dos Anjos, é uma segunda casa para Sofia Pinto Coelho, que nem vive muito longe dali e, portanto, vai sempre a pé: “Gosto de poder vir como quero – cabelo imundo, olheiras até aos pés e ninguém liga. Não é isso que conta; o que conta são as pessoas”. Sofia não esconde o cansaço, enquanto entramos na sala de troféus do ginásio. O clube, que recebe tanto amadores como profissionais, até já colocou atletas nos jogos olímpicos.

O desporto sempre fez parte da vida de Sofia Pinto Coelho, bailarina fugaz que rapidamente se apercebeu que não tinha qualidade para o ser, ficando-se pela admiração de “heróis como Margot Fonteyn e Rudolf Nureyev”. A postura que tinha nos treinos, que duraram cerca de dois anos, chocava com a que tinha no piano: “A posição dos braços é diferente; houve uma incompatibilidade física”. Mas não houve dramas: “Continuei mais um bocadinho nas aulas de piano, mas depois deixei-me disso – comecei a ter namorados”, conta, despreocupadamente, entre risos.

Visitamos uma das muitas salas do LGC, que ocupa dois prédios de cinco andares. Preenchida com bicicletas iluminadas pela luz natural, é aquele espaço que permite à jornalista da SIC sair com “passarinhos na cabeça”, depois de um dia de trabalho. Mas o botão nunca é completamente desligado. Sofia Pinto Coelho trabalha para as pessoas e é essa heterogeneidade coletiva que ali encontra que torna aquele espaço tão especial. “Gosto muito da biodiversidade social, mas não tem nada a ver com a minha mãe”. Sofia pensa na socióloga Maria Filomena Mónica e sorri, para dizer: “A minha mãe bebe dos livros, eu bebo das pessoas”.

Sofia Pinto Coelho demarca-se assim do ofício da socióloga de 74 anos, salientando que esse é um “trabalho de perenidade, enquanto o jornalístico não é. Só agora, que tenho mais de 25 anos de profissão, é que me sinto confortável, orgulhosa e até vaidosa”, remata, destapando um estado de graça que afirma quase não existir. A confiança provém de um caminho, o da área judicial, que abriu: “Quando comecei não havia praticamente nada”.

Regressamos ao elevador e Sofia explica como se atinge a perenidade que mencionara – através dos livros. Estes contribuem para “um legado que não é possível através da televisão. Os livros simplesmente ficam; trata-se de um registo para se mostrar aos filhos e aos netos; há uma certa nobreza em publicar livros que não há no audiovisual, sem ser o cinema e o documentário”, defende. A porta abre-se. Saímos no último andar e caminhamos até ao terraço.

Desde o topo, chegamos a quase todo o lado através do olhar. O Castelo de S. Jorge, o miradouro da Graça ou o ascensor do Lavra, todos à mesma distância. Uma Lisboa bem conhecida por Sofia Pinto Coelho, que prefere que o público não a associe imediatamente ao trabalho que tem: “Um jornalista não pode ser reconhecido na rua… quando isso acontece, estraga a realidade, contamina-a. Se a Clara de Sousa ou outro pivot entrar seja onde for, as pessoas não vão ter o mesmo comportamento que terão comigo”, explica.

Regressamos às bicicletas no piso de baixo. Sofia, que não tira a camisola do jornalismo desde 1992, troca a que tem vestida por uma do LGC, quando lhe propomos fotografá-la como se estivesse a treinar. O faz de conta é quase automaticamente substituído por pedaladas a sério. Sofia está cansada, mas é ao cansar-se que descansa. Enquanto pedala não pensa em mais nada. A bicicleta está parada, mas em raciocínio vai chegando mais longe – sair de “passarinhos na cabeça” para renovar a missão que tem: “Quanto mais pessoas souberem sobre os tribunais, mas sabem sobre os seus direitos, logo, mais protegidas ficam”.

Abraçou essa luta na segunda metade dos anos 80, depois de ter entrado na redação do jornal Expresso para um trabalho de verão, enquanto completava o estágio de advocacia. Ali fazia “pirataria: agarrar em revistas e recortar pessoas conhecidas da cultura; colava numa cartolina e metia num ficheiro; fazia um clipping fotográfico”, conta. “Estive um mês e fui ficando. Eu gostava de jornalismo, mas pensava que ia ser advogada. Mas o estágio fez-me perceber que era tudo muito lento – uma pessoa quer pôr o turbo, só que na justiça não há turbo”.

Do papel passou para a televisão, em 1992, onde encontrou a sua praia: as reportagens e programas de longa duração. “Falar Direito”, “Perdidos e Achados” e “Condenados”, são alguns dos exemplos, aos quais se junta “Vidas Suspensas”, que estreia na segunda-feira, 27 de março. A falar do que gosta de fazer, Sofia Pinto Coelho sublinha aquilo que a deixa “completamente em transe”: ser jornalista de hard news. “Funciono muito mal com a pressão do stress. Estive na Lusa durante um mês e foi um desastre”, conta, não escondendo o riso.

O papel e a televisão apresentam-se nos dias de hoje como dois meios que enfrentam grande dificuldade de subsistência e tal facto não é ignorado pela jornalista. Sofia denuncia um “jornalismo muito prestado a fazer coisas postiças, onde os jornalistas estão muito afastados da realidade, porque não há dinheiro para saírem. Os filhos de toda a gente dizem que não querem pagar seja pelo que for [na área dos media]; as pessoas não encaram as notícias como um bem de primeira necessidade. Querem comprar carne de qualidade no supermercado e estão dispostas a dar mais 50 cêntimos pelo símbolo ‘compre português’, mas em relação às notícias e aos programas não… portanto, o que eu que eu posso dizer?”.

A pergunta ecoa na sala vazia; só uma aparelhagem no canto, que ali ouve uma reflexão sobre tempos incertos, em vez de animar quem vive o momento. A questão, afinal, não é retórica. Sofia Pinto Coelho tem um plano B. “Estou a tentar dar um golpe – criar o meu próprio canal. Essa é uma forte possibilidade, seja onde for”, revela, atirando que não percebe “nada disso”: “Não tenho sequer Facebook. Sei é que tenho de chegar às pessoas”.

“Se eu for despedida daqui a seis meses, o que é uma forte probabilidade, o que é que vou fazer à vida? É que eu adoro o que faço”, frisa, antes de traçar o plano. “Tenho de pensar em criar um site, um canal no Youtube, o que for… e o que é que posso dar às pessoas nesse canal?”. As perguntas a si própria sucedem-se para culminarem numa concretização: “É que jornalismo é caríssimo – é preciso tempo, bons jornalistas, repórteres de imagens, editores, iluminação, pagar deslocações… se quisesse fazer isso por mim estava tramada. Tinha de comer só arroz”.

“Isto é um bocado a indústria dos comboios quando apareceram os carros”, diz. Mas Sofia Pinto Coelho não pensa muito nisso, até porque está sempre ocupada: “Olho às vezes para o lado e vejo o que vai acontecendo, mas tenho tanta coisa para fazer. Tenho temas para seis anos de reportagem”, confessa, pensando no número de pessoas que tem em lista de espera. À espera por alguém que as ouça e que as ajude a resolver os seus problemas.

É isso que Sofia tem feito, dando visibilidade a casos afundados entre os dossiês duma justiça sem turbo. Para a jornalista, o facto de poder ser tão interventiva na vida dos outros significa concretização pessoal. Sofia faz uma pausa quando lhe perguntamos se se sente bem a lidar com pessoas que, ao primeiro instante, são apenas simples desconhecidos. “Fico comovida… a nossa profissão… os juízes estão o dia inteiro a ouvir histórias, é como se se tratasse de um filme, que vêem todos os dias; eles não conseguem falar com as pessoas como nós, jornalistas, fazemos. Nós somos os outros”.

Sentamo-nos debruçados sobre uma mesa que parece ter pouco uso. Sem bicicletas, nem colchões e muito menos crianças a saltar em trampolins, tentamos perceber quem ajuda quem está sempre a ajudar. Porque nós somos os outros e se esses precisam de ajuda, nós também precisamos… e Sofia “precisa imenso” de alguém que a guie, mesmo com 25 anos de carreira ultrapassados. “Tenho dois faróis”, responde, recuperando o conceito que aplicou ao seu avô Luís, num livro editado em 2015.
“A minha mãe e o meu marido são as minhas referências”. O marido, Ricardo Sá Fernandes, para os seus “momentos de desalento”: “Além de ser um rochedo de convicções, tem um enorme otimismo e diz sempre ‘continua’ ou ‘faz’”. Já os conselhos de Maria Filomena Mónica reservam-se “às coisas mais filosóficas da vida: o que é importante e não é… para me recentrar”.
A busca pelo equilíbrio é fundamental, mesmo para quem já faz o que faz há um quarto de século, garante. “Sou uma angustiada, acho que não vou ser capaz, que as coisas não vão ser bem feitas”, diz Sofia Pinto Coelho, numa revelação que contrasta com a vaidade que referia sentir. “O estado de graça dá-me uma vez por ano, o estado de angústia é mais latente”, diz.
Sofia Pinto Coelho, que acaba de lançar o livro “Condenados – A Justiça também pode errar”, com a chancela da Esfera dos Livros, mostra-se feliz, sem saber apontar para o caminho que se faz para chegar até esse ponto. “Apesar de tudo, acho que tenho o meu lugar no céu pelas pessoas que já ajudei”, diz, não esquecendo nem negligenciando aquilo que também a leva para a batalha: “Tenho o privilégio de estar nisto porque me pagam um grande salário; se me pergunta se ganhasse 500 euros teria o mesmo entusiasmo em ser a Madre Teresa de Calcutá? É que tenho o melhor dos dois mundos”.

O caminho para a felicidade começa a moldar-se através dos dois mundos, que habitam dentro de um maior. Esse define-o como “de guerras, perseguições e ódios.” Sofia Pinto Coelho mostra-se desamparada e consciente do facto de que sozinha não consegue acabar com as guerras. “Ajudo as pessoas que vêm ter comigo.” Sofia dá-lhes apoio; dá-lhes ferramentas para lutarem pelas suas vidas, dá-lhes esperança. Será que a felicidade é então dar? A pergunta afunda-se. “… a felicidade é dar… essa é uma boa frase…muito boa frase”.

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