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Tesla. Será esta a ‘reprivatização’ mais avultada da história?

Eklon Musk gosta de recorrer ao Twitter para pregar partidas, contar anedotas ou lançar ideias de negócio. Esta semana fê-lo para enviar uma mensagem à bolsa e ao mundo. Irá a Tesla deixar a bolsa? Ninguém sabe.
  • Rebecca Cook / Reuters
11 Agosto 2018, 11h00

Na passada terça-feira, 7 de agosto, Elon Musk escreveu no Twitter nove palavras que deixaram Wall Street “a salivar”, utilizando uma expressão do jornal “The New York Times” (NYT). Fundada em 2003, a Tesla nunca gerou proveitos e, desde que lançou a sua IPO na Nasdaq, no dia 29 de junho de 2010, nenhum investidor recebeu um cêntimo de dividendos. Zero. Mas quem tenha comprado 1.000 ações da Tesla quando esta entrou em bolsa, pagou 17 mil dólares; e quem as tenha vendido todas depois do tweet das 17h48 – horas portuguesas, ainda a bolsa de Nova Iorque não tinha fechado – recebeu 370.570 dólares, valorizando o seu investimento em aproximadamente 2133%. As duas frases do tweet de Elon Musk ganha assim importância.

“Am considering taking Tesla private at $420. Funding secured.” Foi isto que escreveu Musk na rede social do ‘passarinho’. Esta estratégia de buyout pouco explicada pelo CEO da marca que resolveu homenagear Nikola Tesla indica uma market cap a rondar os 71.313 milhões dólares, uma vez que segundo o site da Nasdaq existem 169.794.000 ações da Tesla. A ser assim, esta seria a ‘reprivatização’ mais avultada da história, diz o NYT.  E assim se explica a primeira frase do “polémico” tweet que apanhou desprevenidos Wall Street, a Security Exchange Commission (SEC) e os senior executives dos grandes bancos, que se queixaram porque os executivos da Tesla não responderam às chamadas.

Quanto à segunda frase, temos que fazer uma viagem no tempo e consultar um artigo do “Financial Times” (FT). Menos de uma hora antes do tweet do homem que quer enviar humanos para Marte, o FT dava conta que o fundo público de investimento da Arábia Saudita (PIF, cigla em ingês) teria adquirido entre 3% a 5% do número total de ações da fabricante carros elétricos, numa posição “avaliada entre 1,7 e 2,9 mil milhões de dólares”, fazendo do PIF um dos maiores acionistas individuais da empresa.

Até ao momento em que este texto foi escrito, ninguém sabia o que estaria – nem quem – por trás do “financiamento assegurado”, mas o FT fez questão relembrar que o investimento do PIF se enquadrou na estratégia de diversificação da economia saudita para reduzir a sua dependência nos petrodólares. É que o PIF, além de se ter tornado recentemente acionista da Tesla, investiu 3.5 mil milhões de dólares na Uber em junho de 2016 e 45 mil milhões no Soft Bank Vision Fund, uma consultora mundial que faz investimentos no setor tecnológico.

Se o jornal britânico apontava indícios sobre a origem do investimento, do outro lado do Atlântico o NYT perguntava “de onde vem o dinheiro?”. O diário norte-americano revelou que certos bancos, como o Goldman Sachs e o Citigroup, estão de atalaia “para assegurar uma função de assessoria” neste negócio e que acreditam que, em vez de um leveraged buyout (comprar todas as ações transacionáveis com recurso a financiamento bancário), seria mais provável a compra de ações em número suficiente para retirar” a empresa da Nasdaq.

A esta forma de negócio dá-se o nome going dark, o que, traduzindo de forma literal para o português, significa ‘ir para o escuro’. Apesar de oneroso, o negócio custaria entre 10 a 20 mil milhões de dólares e “seria muito mais barato do que um full leveraged buyout”. Ao ‘irem para o escuro’, os maiores acionistas da Tesla, incluindo o Elon Musk, que detém 19,9% da empresa, não venderiam as suas participações – uma opção, aliás, abordada por Musk num email que abordaremos mais adiante. Ao NYT, o advogado nova-iorquino Gilbert J. Bradshaw revelou que “não conhece nenhuma grande empresa que tenha feito voluntariamente um negócio assim”.

“Funding secured.”, escreveu Musk, a propósito de uma empresa cotada em bolsa e que, por isso, está submetida a regras de corportate governance que impedem o lançamento de ‘boatos’ entre os investidores. O “The Wall Street Journal” (WSJ) anunciou que os escritórios de São Francisco da SEC quiseram saber junto da Tesla se a segunda frase do tweet de Elon Musk era verdadeira e, ao sê-lo, viabilizaria a concretização do plano de Musk. “Se a afirmação de Musk for falsa ou induzir em erro, a Tesla poderia ser investigada” pela reguladora da bolsa americana.

Sete membros independentes do board da Tesla assinaram um documento no qual revelaram que o CEO da empresa os teria abordado na semana passada sobre a possibilidade de a Tesla fazer este negócio, que “serviria melhor os interesses de longo-prazo da empresa”. Elon Musk não assinou.

Enquanto a dúvida paira sobre os moldes da ‘reprivatização’ da Tesla, já os motivos que a sustentam foram explicados por Elon Musk num email que enviou aos trabalhadores da empresa. A viga que alicerça o objectivo do negócio consiste “em criar um ambiente para melhorar as operações da Tesla”, lê-se no segundo parágrafo do email. Ao ser uma empresa cotada em bolsa, a Tesla está sujeita a pressões a uma série de pressões que vão desde as “mudanças selvagens do preço das ações” até à tomada de decisões que privilegiam os resultados trimestrais, ofuscando assim o que seria “mais certo [para a empresa] no longo prazo”. Desta forma, argumenta o CEO, a Tesla estaria melhor posicionada para alcançar a sua missão: “acelerar a transição mundial para a energia sustentável”.

Musk elenca depois quatro pontos sobre o significado de ‘reprivatizar’ a empresa para “todos os acionistas”, que incluem “todos os trabalhadores”. Começa por explicar, talvez tentando tranquilizar os acionistas externos, que quer “estruturar isto de forma a que todos os acionistas tenham uma escolha”. E das duas uma: ou eles mantêm o seu investimento numa Tesla ‘privada’ ou ser-lhes-à oferecido 420 dólares por ação, o que corresponde a um “premium de 20% acima do preço de uma ação” registado depois da apresentação de resultados do segundo trimestre. Segue-se uma palavra de apreço para os trabalhadores, que quer manter como acionistas da empresa, o que lhes permitiria “partilhar o crescimento do valor da empresa”. Em terceiro lugar surge um aviso: o objectivo não consiste em fundir a Tesla com a SpaceX, embora a ‘reprivatização’ da Tesla servirá para adotar uma estrutura similar à da empresa que fabrica foguetões recicláveis. Finalmente, Musk explicita que com o negócio não irá “acumular” mais poder. “Seja como for, o futuro é risonho e [a Tesla] continuará a lutar para concretizar [a sua] missão”, remata.

Existem dois tipos de investidores na Tesla: os que acreditam na empresa, segurando os seus títulos com uma estratégia de longo-prazo, e os que preferem ganhar dinheiro com a desvalorização das ações da empresa (em inglês, shorting stock). Os primeiros querem colher os frutos da aceleração da transição mundial para as energias sustentáveis; os segundos, apenas querem que a Tesla afunde para as ações desvalorizarem. Estes últimos ‘irritam’ Elon que tem feito um esforço para gerar proveitos, como ficou plasmado na apresentação de resultados do segundo trimestre.

No segundo trimestre do ano Tesla cresceu as suas receitas da atividade automóvel 47%, em termos homólogos, para 3.357 mil milhões de dólares. Mas para contrariar aqueles investidores que ‘incomodam’ Elon, a carta indica que empresa consegui produzir cerca de 7.000 Model 3, Model S e Model X na última semana de junho. “Uma produção total de 7.000 veículos por semana, ou 350.000 por ano, devem permitir a Tesla alcançar lucros sustentáveis pela primeira vez na história”, lê-se logo no primeiro parágrafo. As duas únicas pessoas que assinaram a carta indicam a seriedade do documento: Elon Musk, Chairman & CEO, e Deepak Ahuja, Chief Financial Officer.

O futuro é por natureza imprevisível e, parafraseando João Pinto, defesa direito do Futebol Clube do Porto, “prognósticos só no final do jogo”. Em qualquer dos casos, Elon Musk, para muitos um visionário, para outros um ‘fala barato’ nas redes sociais, há de ter um plano. Sobre ele, Richard Waters, conclui, num artigo de opinião: “what happens next is anyone’s guess”.

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