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Mário Campolargo: “Vamos ser obrigados a perceber que a Inteligência Artificial não é uma panaceia”

A rapidez e eficiência no processamento de grandes volumes de informação é uma característica inigualável da Inteligência Artificial, sobretudo a generativa, mas esta não envolve a “intuição e criatividade” dos seres humanos. Para o governante com a pasta da Digitalização, a solução está em encarar o trabalho e as reflexões sociais com estes “dois binómios”
8 Julho 2023, 17h00

Qual é a sua visão sobre o papel que a IA pode desempenhar no reforço da inteligência humana?
Haverá seguramente muitos pontos de vista sobre a Inteligência Artificial (IA). Um deles é esse que me levanta: como é que eu posso utilizar a IA para, de alguma maneira, complementar e aumentar a inteligência – que até agora a única conhecíamos – humana, para que possamos ser mais produtivos, para que não estejamos de alguma maneira a perder tempo com tarefas que, potencialmente mais bem feitas pelos sistemas, especialmente quando eles têm estas características.

Tarefas repetitivas ou coisas onde o ser humano não é necessário…
Tarefas repetitivas, tarefas que englobem um conjunto muitíssimo alargado de informação, de experiências que estão codificadas e que nos permitem, portanto, ter auxiliares à decisão que complementem a nossa experiência pessoal, se formos médicos com experiência de todo mundo na mesma área. O que vai obrigar é a nós entendermos que a IA não é uma panaceia, mas é de facto muito útil em terminados aspetos. Repare: a IA consegue tratar muitos dados rapidamente, adquirir uma inteligência – digamos, coletiva – muito grande, complementar de alguma maneira aquilo que nós podemos fazer no dia a dia, mas ela não tem os aspetos de intuição e criatividade que são característicos dos seres humanos. Juntarmos estes dois aspetos, permite que a maneira como nós encaramos o trabalho, como nós encaramos a reflexão social, seja feita com estes dois binómios, com estas sinergias e simbioses entre a inteligência humana e a artificial.

Como é que Portugal está a enfrentar esse desafio? Temos a massa crítica nacional para tirar partido desta revolução?
Primeiro, Portugal tem investido muito forte na área de IA. Exemplos? As Agendas Mobilizadoras [PRR – Plano de Recuperação e Resiliência], nas quais temos duas particularmente focadas na IA. Aliás, uma delas com um título muito sugestivo de “Responsible AI” [“Inteligência Artificial Responsável”]. Ao longo de outras Agendas Mobilizadoras, surgem aspetos da IA nos vários domínios: industriais, de inovação tecnológica, de software, de criatividade, nas nossas test beds e também nos nossos polos de inovação digital. A IA é sempre um aspeto muito importante. Também não é por acaso que já há uns anos que investimos em IA dentro da Administração Pública. Portanto, há aqui todo um conjunto, um esforço nacional diria, que une a Administração Pública, as empresas privadas, as startups e as empresas mais consolidadas a trabalhar neste foco e num objetivo comum. Mas temos de apostar muito nas competências digitais de base e nas mais avançadas, como o que estamos a fazer na área da cibersegurança e como seguramente temos de investir mais no entendimento destas tecnologias generativas. É por isso que temos de apostar desde a escola primária, por exemplo, no pensamento computacional, que vai, de alguma maneira, complementar as disciplinas tradicionais com esta ideia de que desde miúdos nós não só utilizamos as ferramentas digitais, mas entendemos o modo de funcionamento dessas ferramentas.

Há quem diga que o ChatGPT pode ser uma ameaça ao pensamento crítico. Concorda?
Eu espero que os humanos continuem a ter um pensamento crítico, incluindo sobre o ChaGPT faz.

Mencionou o papel das empresas privadas. Portugal tem de que atrair mais empresas tecnológicas?
O papel das empresas privadas, maiores ou mais pequenas, é absolutamente essencial. Quando nós temos, por exemplo no PRR, um conjunto de investimentos no sentido de potenciar startups e a incubação, de apostarmos em test beds e em Agendas Mobilizadoras, não são necessariamente dedicadas a pequenas empresas. Estão dedicadas também esta cooperação entre pequenas e grandes. Porquê? Porque as grandes empresas têm a capacidade de criar infraestruturas, têm negócios a nível mundial, mas às vezes perdem pouca agilidade que as startups e spin-offs podem fazer. Eu nunca vi oposição entre uma coisa e outra. Aliás, vejo complementaridade. Agora, o que nós temos obrigação, seguramente, de fazer é trazer as empresas grandes e as empresas pequenas neste esforço coletivo para que entendam que as especificidades de uma e de outra são complementares. O ecossistema vive também do seu tamanho. Por isso, é importante explorarmos todo o talento que temos em Portugal, apostamos definitivamente em upskilling [qualificação], reskilling [requalificação] e termos capacidade de atrair talento mundial.

Acha que a nova legislação para os nómadas digitais vai ajudar nesse processo?
Vamos olhar para evidências. A evidência está nos números. Hoje, Portugal está a exportar uma percentagem muito maior do que há cinco anos em termos de tecnologias e software, de 5% passámos para 12%. Em termos de força de trabalho, multiplicámos por cinco. Basta passearmos pelas nossas ruas para termos a perceção exata da capacidade de atrair pessoas com talento para Portugal. Estamos a fazer um esforço para simplificar a vinda desse talento para Portugal. Portugal é hoje um dos eixos mais importantes na área tecnológica. Olhe para fintech. Qual é o centro mundial de fintechs? Lisboa. Olhe para a atratividade que Lisboa tem e que o Porto tem. Olhe para a nossa capacidade também de começarmos a deslocalizar alguns dos nómadas digitais daqui para outras zonas. Estive há dias em Seia, no conjunto das Aldeias de Montanha [aldeias localizadas entre o Parque Natural da Serra da Estrela e a Paisagem Protegida da Serra da Gardunha], e cada um tem coworks e está a atrair nómadas digitais. Esta capacidade de desenvolvermos o país mantendo-o socialmente justo é o que nos motiva.

Referiu também a cibersegurança. No último painel da conferência abordou-se como a IA generativa pode ser utilizada para gerar novas ameaças à segurança informática, inclusive na Administração Pública…
Eu acho que a cibersegurança pode ser aumentada pela IA ou pela IA generativa, mas é um tema de per si. É por isso que nós temos um quadro regulamentar dos que estão mais alinhados com a União Europeia. A nova diretiva NIS2 [Network and Information Security 2] está neste momento a ser desenvolvida. Na passada quinta-feira manhã tive a oportunidade de estar no Conselho Superior do Ciberespaço a trabalhar já na adaptação da nossa regulação interna à NIS2. Depois, investimos da ordem dos 40 e tal milhões de euros na área da cibersegurança, fazendo o quê? Criando, por exemplo, competências avançadas com a Academia de Cibersegurança e a colaboração incrível de todas as universidades e politécnicos para pormos um programa avançado na área da cibersegurança, uma rede de descentralizada em cada uma das regiões de Portugal, incluindo os Açores e a Madeira. Para quê? Para ajudar as pequenas e médias empresas, as pequenas autarquias, a estarem preparadas e equiparem-se para terem uma resiliência maior no aspeto da cibersegurança. Estamos a trabalhar nos selos de maturidade, dos quais o mais avançado é o selo de maturidade na área da cibersegurança. Portugal, para avançar no digital, tem de ter a capacidade de ser resiliente na cibersegurança.

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